Carnaval do Ceará revela histórias por trás das fantasias, do mela-mela e do sossego

Do Litoral à Capital, foliões levam para as festas de rua ou refúgios tranquilos protestos bem-humorados, a alegria de superar doenças e a satisfação do sossego

00:19 | Mar. 04, 2025

Por: Armando de Oliveira Lima
Penúltimo dia foi de ritmo acelerado no carnaval cearense (foto: FCO FONTENELE)

Mais do que festa, o Carnaval se confirma e se renova a cada ano como manifestação cultural e traz para a brincadeira inúmeras histórias de vida. Do Interior ao Litoral, O POVO conferiu nesta segunda-feira, 3, o que os foliões no Ceará têm para contar, sejam protestos bem-humorados, seja a satisfação de gozar dias de sossego.

Os espaços de curtição representam a diversidade brasileira, espalhados por praias e ruas, nos quais entoam axé, frevo, maracatu e até forró. Se dança, se corre e se mela.

Assim foi o penúltimo dia de Carnaval no Estado, com ritmo acelerado daqueles que, ao término da quarta-feira, 5, só se tem uma certeza: a vontade de quero mais e a saudade vão ser os sentimentos.

Dez anos de história na Mocinha

O Carnaval do Largo da Mocinha surpreendeu quem passava por lá mais uma vez. O polo carnavalesco tradicional de Fortaleza, cercado de bares e locais marcantes da cidade, reuniu públicos diferenciados em pontos distintos do local.

O Carnaval, naquele ponto, foi marcado pelo contraste de gerações, com uma divisão entre dois palcos de apresentações.

O casal Rafael e Lígia se conheceu em 2015 durante uma festa carnavalesca no local. Dez anos após o encontro, eles voltaram ao polo nesta segunda para curtir mais uma festividade. Dessa vez, acompanhados dos dois filhos — frutos de um amor de Carnaval. 

Cercado pelos pequenos, o tabelião conta que conheceu a esposa em um momento de folia, que acabou durando. Há cerca de sete anos veio uma celebração mais séria: a do casamento. 

Depois, foi a vez do casal comemorar junto o nascimento dos herdeiros. "Eu digo que eles são filhos do Carnaval", brinca Rafael, complementando: "Todo ano a gente faz questão de passar (o Carnaval) em Fortaleza. Está cada vez melhor". 

Para viver a folia neste ano, a família usou vestimentas e adereços coloridos. Rafael foi fantasiado de papa, mas justifica que a roupa é antiga e não tem relação com o estado de saúde do pontífice: "A gente tira a fantasia do guarda-roupa, lava, e está nova para curtir o Carnaval".

No Bar da Mocinha mesmo, marchinhas de Carnaval eram entoadas por bandas que animavam um público mais velho e entusiasmado com o retorno no tempo proporcionado pelas canções clássicas.

Já em outro ponto do largo, defronte o Bar Teresa e Jorge, djs animavam um público mais jovem, com músicas dançantes e que variavam entre funks clássicos, de MC Marcinho e MC Creu, e axés tradicionais como as letras de Ivete Sangalo.

Ocupar e viver os espaços

O Carnaval é uma data que leva as pessoas a diversos pontos do Brasil, porém alguns não abrem mão do conforto de estar perto de casa. A educadora Ana Isis Porto, de 28 anos, é uma delas. Ela explicou sua relação com o período na Capital com um sentimento de bem-estar e do festejo como um ato político.

Para ela, o carnaval é visto não só como um evento festivo, mas também como um ato político de ocupação e revitalização de espaços públicos, além de um momento de liberdade pessoal, onde se pode expressar sem julgamentos. “Aqui a gente tá ocupando espaços, estamos trazendo vidas e animação para praças que, durante o resto do ano, às vezes, ficam muito esquecidas”, diz Ana Isis.

Protestos bem-humorados em todos os espaços

Também na Mocinha, André e Adriana comemoravam 20 carnavais. O casal curtia o Carnaval da Mocinha quando falou com a reportagem do O POVO, mas já havia batido o ponto em outros polos, como Benfica e Mercado dos Pinhões.

Ambos estavam com fantasias em tom de protesto; ele de boleto e ela de casa própria. "A gente já vivenciou carnavais de todos os lugares. Somos de fortaleza e já curtimos em todos os locais. O Carnaval daqui não deve nada a ninguém. A gente faz todo o circuito", diz André.

"A fantasia aqui, estou de boleto e de Caixa Econômica e ela de casa própria. E meio que um protesto, porque e juros absurdos. Mas a gente faz com humor, não faz pra se estressar, faz pra brincar. Mas fica a mensagem pra quem quer entender", comenta.

Já na avenida Domingos Olímpio, o servidor público Anderson Fernandes, 48, aproveitou o desfile de maracatus, blocos e escolas de samba para fazer um protesto sobre a jornada de trabalho 6x1. Com uma fantasia reforçada pelo boneco Sofrido, pois ressaltou que o Carnaval também e um ato político.

“Na verdade, e o explorador e o explorado. Inclusive o nome do boneco, do personagem que esta carregando o outro, e o Sofrido. E ai vem muito nesse dialogo da proposta de emenda constitucional pelo fim da jornada 6x1. Mas dizer também que não e só pelo fim da jornada 6x1, mas para que esses trabalhadores e as trabalhadoras possam ter mais tempo com suas famílias, para o lazer, inclusive para a cultura”, refletiu Anderson, que integra o Bloco dos Sujos há 30 anos.

“E apesar da festa popular carnaval, também e um ato de protesto, e um ato político”, completou o filho de Adilson Fernandes, que, segundo Anderson, também tinha a tradição de “trazer uma crítica” na avenida.

Na Praia de Iracema, a temática das fantasias era outra. Os amigos Manu Souza, 46, e Ricardo Cardoso, 39, estão "pulando" de polo em polo no Carnaval de Fortaleza.

A designer de moda Manu é aficionada pelos personagens da franquia de filmes Avatar e costuma manter a tradição de fantasiar algum amigo para curtir as festas.

A "cobaia" da vez foi Ricardo, que trabalha como motorista de aplicativo. "Sou acostumado a sofrer, então não me incomoda estar de peruca e todo pintado", diz. Já Manu apostou numa fantasia bem elaborada de fada.

Manu diz que o Carnaval deste ano está de parabéns e que só tem elogios a fazer, com exceção dos altos preços para se deslocar de aplicativo pela cidade.

Nesta segunda-feira, a programação da Praia de Iracema contou com DJ Lolost, Vanessa A Cantora, Tropikália, Magníficos e Mocinha. 

Mela-mela no Carnaval de "Pa-ra-cu-ru"

Em Paracuru, a 98 quilômetros de Fortaleza, o mela-mela tomou conta do Carnaval que virou meme entre os cearenses. Em diferentes pontos, foliões aproveitaram a tarde e o início da noite para a tradicional brincadeira - de goma a espuma, dos paredões nos carros a festas individuais, a Praça Matriz e o Farol foram tomados pelos artifícios.

A brincadeira uniu diferentes gerações. Familiares, amigos e desconhecidos entre si aproveitavam brechas para atingir quem passava desavisado. Houve quem já frequentava a festa desde a infância e quem foi para o Mela-Mela pela primeira vez.

Além disso, houve relatos de intrigas pontuais, principalmente no Mela-Mela do Farol. Fontes disseram ao O POVO que, por lá, a brincadeira estava com tons mais "agressivos". Na Praça Matriz, onde está a Igreja, o chão deixou de ser marrom e "virou branco" ao longo do dia.

Veja imagens do mela-mela

No local, era mais comum observar famílias aproveitando a ocasião. O policial militar Mateus Gomes, 30, participa de mais um Mela-Mela no Carnaval de Paracuru - este é seu 30°. Como conta, ele acompanha a folia "desde a barriga da mãe", e decidiu repassar essa tradição ao seu filho pequeno.

Juntos brincaram de Mela-Mela na Praça Matriz de Paracuru, um dos pontos usados pelos foliões para a brincadeira.

"Quis trazer meu filho hoje. Estar aqui, em paz, com segurança, sem confusão alguma, é muito bom. Tudo controlado nesses três dias de Carnaval. O desejo é que tudo continue em paz", declara.

Mais imagens do mela-mela

Carnaval da tranquilidade

Diferente dos dias intensos de folia e agitação dos litorais vizinhos, o município de Caucaia, a 16 quilômetros de Fortaleza, foi destino para quem buscava tranquilidade e sossego.

As festas tradicionais do Estado foram canceladas neste ano pelo prefeito Naumi Amorim (PSD), que apontou dificuldades financeiras da gestão e destacou que a prioridade do município são investimentos em saúde e educação.

Do centro às praias, a movimentação de carros e pessoas foi tranquilo, até de certa forma mais pacato do que o costume. Do Icaraí ao Cumbuco, famílias aproveitaram o mar com o céu intercalando nuvens fechadas com um sol.

Confira imagens da segunda-feira de Carnaval nas praias da Caucaia

Em visitas as principais praias de Caucaia, O POVO observou que desde às 10h não haviam pessoas fantasiadas e aglomeradas em ritmos carnavalescos. De músicas, em poucos empreendimentos que tocavam músicas, pôde ser ouvida "Macetando", hit de Ivete Sangalo do Carnaval de 2024.

Porém, o mais comum eram famílias acompanhadas principalmente de crianças menores que buscavam fugir das folias. Segundo moradores ouvidos pelo O POVO, pessoas do bairro de Iparana se organizam para realizar suas próprias festas.

Giselia, 62, que foi aproveitar a segunda da Carnaval no Cumbuco, contou que, em seu bairro, Nova Metrópole o clima de folia é inexistente e que muitos moradores do município optaram por viajar para praias de municípios vizinhos. Já pessoas como ela, que preferem descansar, ficaram e mostram que o feriado também é para os que buscam relaxar e momentos tranquilos.

Com Vitor Magalhães, Mirla Nobre, Afonso Ribeiro, Flávia Oliveira, Miguel Araújo e Guilherme Gonsalves