Por que obras de arte podem ser tão caras?

Engana-se quem pensa que arte e dinheiro são coisas alheias. Desde a Grécia Antiga, a produção artística esteve intimamente ligada ao comércio e, com o passar dos milênios, isso não mudou

Em geral, famosas obras de artistas que marcam uma época são mantidas em museus para a apreciação pública. Elas raramente estão à venda e por serem tão importantes para a história têm um preço inestimável.

Segundo Guinness World Records, o quadro Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, tem o maior valor de seguro da história para uma pintura, tendo sido avaliada em US$ 100 milhões em 1962, vindo a custar hoje, considerando a inflação, em torno de US$ 790 milhões. O quadro está em exibição permanente no Louvre, em Paris.

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Também atribuída a Da Vinci, a obra mais cara já vendida, Salvator Mundi, que representa Jesus Cristo no estilo renascentista a dar uma bênção, foi leiloada em 2017 pela sede da Christie's, uma casa de leilões artísticos e negócios afins, em Nova York por US$ 450,3 milhões.

Arte e dinheiro caminham de mãos juntas

As dez obras mais caras da história foram todas compradas por mais de US$ 100 milhões e ainda que sejam poucas as peças que valham tanto assim, o mercado de arte movimenta fortunas anualmente. Segundo um relatório da Art Basel, feira internacional em Miami Beach, as transações artísticas somaram US$ 64 bilhões em 2019.

Em 2020, por causa da pandemia da Covid-19, o comércio de arte encolheu 22%. Por outro lado, as vendas online aumentaram e compuseram 25% dos negócios feitos no ano passado. As informações também são da Art Basel.

Mas, curiosamente, o valor de uma obra tem pouca relação com a sua complexidade ou material utilizado. Por exemplo, as icônicas flores de metal do americano Jeff Koons que, mesmo simples, custam US$ 50 milhões, ou mesmo composições artísticas do brasileiro Vik Muniz que, feitas com lixo, chegaram a custar 28 mil libras em 2015.

Também é preciso entender que as cifras tampouco remetem à habilidade do artista. Em 2019, na cidade de Miami, o artista italiano Maurizio Cattelan, conhecido na arte contemporânea pelo sarcasmo nos trabalhos, grudou na parede com uma fita adesiva uma banana. Essa obra, chamada de “Comedian”, foi vendida por US$ 120 mil.

Afinal, o que determina o valor de uma obra de arte?

Hoje, o mercado que movimenta bilhões é dominado por galerias de arte que representam o trabalho dos artistas, levando as obras para exposições internacionais ou entregando-as para casas de leilões. No caso de Comedian, tanto a Art Basel quanto Cattelan têm renome para validar a suposta valiosidade de toda peça que expõem.

Ou seja, são os especialistas em mercado de arte que determinam o valor de um trabalho em um dado momento. Caso uma obra seja exibida em alguma mostra importante, como a Bienal de Veneza, o seu preço tende a subir consideravelmente.

As instituições e seus profissionais dão um selo de aprovação às peças do artista, de modo que o seu nome fique reconhecido, tornando seus feitos objetos de consumo de um seleto grupo de pessoas que podem pagar por produtos caros. A fama do artista é, portanto, primordialmente definida pelo trio de galerias e instituições de arte conhecidas e leilões.

Assim, o fator mais importante é a reputação do artista, a marca que sua assinatura confere à obra. É como obter a camisa 10 da seleção brasileira: ela destaca o comprador que a veste como sendo parte de uma tribo, diferenciando-o dos demais. Em relação à arte, a lógica não muda, mas, antes, o artista precisa “fazer seu nome”.

Porém, mais importante ainda é que haja alguém disposto a desembolsar uma determinada quantia pela obra, atestando que os profissionais estavam certos sobre a relevância da peça adquirida, ainda que seja somente uma banana na parede.

Arte como investimento

Por melhor que seja a obra, o nome de um artista não se torna grife sem o intermédio de críticos de arte e de profissionais especializados em lançamento de marcas e gerenciamento de valores. Se o artista tornar-se reconhecido, quem tiver comprado a obra na baixa terá excelentes lucros ao vendê-la anos depois.

Assim, revelar um novo talento pode ser um negócio rentável. No entanto, não é fácil tornar um artista parte de um diminuto circuito de pintores e escultores renomados, de maneira que a possibilidade de a carreira de uma pessoa não vingar exista. Investir requer riscos.

Se um artista se transforma em uma grife reconhecida, o mercado passa a legitimar tudo o que ele apresenta, transformando qualquer peça sua em um bom investimento. Isso explica o fato de uma escultura de Michael Jackson feita por Koons custar US$ 5,6 milhões. Com a etiqueta do artista o objeto é valorizado e, ainda que não seja uma excelente peça decorativa, atesta a riqueza de quem a adquire.

Obras de arte: outros fatores também importam

Usualmente, coisas raras custam caro. Isso é válido para pedras preciosas, alimentos, carros, obras de arte etc. Pintores como o italiano Caravaggio, um dos grandes nomes do Barroco italiano, morreu aos 38 anos, deixando somente 90 quadros. Como sua obra é limitada em termos de quantidade, todo item com a sua assinatura se torna valioso, como um diamante.

Já no caso de obras reprodutíveis em série, como as latas das sopas de tomate Campbell e as fotos coloridas de Marilyn Monroe, idealizadas por Andy Warhol na década de 1960, não são tão valiosas quanto uma pintura de Caravaggio. De fato, são importantes do ponto de vista da cultura e da história da arte, pois são gravuras que marcaram uma época.

Além disso, a moda é outro fator que influencia no preço da arte. Se um determinado artista está em evidência, isso gera interesse nos mercados globais, inflacionando o preço dos trabalhos feitos por essa pessoa.

Banksy, artista de rua anônimo, vendeu em 2021 um desenho por US$ 20 milhões. Há peças de artistas renomados que, ainda que sejam caras, estão à venda por muito menos. Isso não quer dizer que Banksy seja mais importante do que gênios como o espanhol Pablo Picasso, que tem obras avaliadas em muito menos. Significa somente que o mercado está aquecido e as pessoas interessadas no artista anônimo.

No caso de trabalhos conceituais, como Comedian, o que vale é a ideia do artista, de modo que os investidores comprem o Certificado de Autenticidade, documento que dá ao comprador a posse daquela ideia. A banana vai apodrecer, a fita vai perder a cola. Mas, seguindo instruções específicas do artista, a composição pode ser remontada.

O negócio da arte e sua história

Em 900 a.C, muito antes do estabelecimento da noção moderna de liberalismo econômico baseado nas leis da oferta e da procura, a arte já era comercializada na Grécia Antiga. Os mercadores passavam pelas rotas do Mar Mediterrâneo transportando em barcos os famosos vasos gregos, esculturas, jóias e cerâmicas para vender.

Nos séculos 15 e 16, durante o Renascimento na Itália, personagens hoje muito conhecidos, como Leonardo Da Vinci, Michelangelo e Rafael, recebiam comissões de mecenas, comerciantes ricos que patrocinavam trabalhos de artistas para obter prestígio na sociedade.

O crítico de arte Michael Baxandall conta em seu livro “O Olhar Renascente" como funcionava essa relação. “Ao contrário do que se pensa, o mecenas não dava simplesmente o dinheiro e o artista tinha liberdade de escolher o que pintaria. Esses patrocinadores decidiam quase tudo sobre os quadros, desde o tema da pintura até os tipos de materiais.”

Era uma espécie de trabalho freelancer e o pagamento era feito com base na complexidade do projeto, pelo tempo levava para ficar pronto e pelo tamanho da obra. Depois de pronto, a pintura ou a escultura passava a integrar a coleção particular do mecena ou era doada para a Igreja.

No século 19, as formas tradicionais de vender arte mudaram e o mercado de arte se tornou parecido com o que existe hoje. O mecenato ficou em segundo plano, hoje dificilmente obras são patrocinadas no estilo renascentista, e deu lugar a um mercado dinâmico que se desenvolvia com a consolidação do capitalismo financeiro baseado no interesse das pessoas e na opinião de entendedores de arte.

Promover o nome de artistas passou a ser, fundamentalmente, o papel realizado pelo pessoal de galerias e feiras que surgiam. Mas, atualmente, com o advento das mídias digitais, redes sociais podem funcionar como vitrine de trabalhos de fotógrafos, pintores, escultores, estilistas etc que não teriam a chance de expor suas obras em eventos tradicionais. O mercado de arte está em constante adaptação.

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