Aquiraz: protesto de moradores cobra melhora em serviços da Enel

Grupo diz que rede da Enel não foi ampliada para acompanhar crescimento do Porto das Dunas, com quedas de energia prejudicando moradores e comerciantes

Um grupo de moradores do Porto das Dunas, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, realizou, na manhã deste sábado, 16, um protesto cobrando melhorias nos serviços prestados pela Enel

Cerca de 50 pessoas se reuniram na avenida Caminho do Sol, principal via de acesso da região, com cartazes e bloqueios do trânsito. Os moradores relatam quedas constantes de energia, além de incêndios em transformadores e postes quebrados.

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Segundo Valber Oliveira, organizador do protesto, o Porto das Dunas teve um desenvolvimento significativo, com a construção de diversos condomínios e hotéis. A rede elétrica, no entanto, não teria recebido uma ampliação adequada para acompanhar o aumento no consumo.

"O investimento é muito aquém da necessidade. O crescimento do bairro é imenso, mas não se faz um investimento adequado", diz ele. Segundo Valber, há problemas frequentes, como queda de postes, que seriam reflexo da falta de manutenção da rede. "Todos os dias nós temos registros de explosões de transformadores", alega.

"A gente tem vivido situações caóticas", adiciona. De acordo com Valber, há residentes que chegam a passar uma semana sem eletricidade em casa. Alguns comerciantes, diz ele, passaram a alugar geradores, pois, mesmo quando o abastecimento é retomado, a eletricidade fica instável. "Queimaria todos os equipamentos se [o comércio] funcionasse com a energia da Enel", afirma.

Valber afirma que os moradores tentam contato com a empresa, mas o atendimento é feito por um call center em outro estado, que "não conhece a realidade local". "O nosso problema está muito além de uma falta de energia", pontua.

Quando há um retorno, segundo ele, os prazos dados pela empresa não se cumprem. "A resposta da Enel é 24, 48, 72 horas, ou seja, sempre aumenta mais 24 horas para atender, e sempre deixa como está".

Descontentes com a resposta às reclamações, os moradores passaram a se mobilizar. Foi organizado um abaixo-assinado, que até o momento conta com a participação de cerca de mil pessoas. Também foi aberto um formulário online para centralizar as queixas abertas na Enel por residentes do bairro. De acordo com Valber, já foram cadastrados mais de 500 ocorrências, comprovadas com o número de protocolo fornecido pela concessionária ao registrar uma reclamação.

Ele afirma que, após o protesto, o grupo irá reunir as ocorrências em um documento, que será submetido ao poder público. A expectativa é de entregar o relatório à Prefeitura e à Câmara dos Vereadores de Aquiraz, ao Governo do Estado, ao Ministério Público do Ceará (MPCE) e à CPI da Enel, que está em andamento na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).

A Enel foi procurada para comentar sobre o caso, e questionada sobre a realização de investimentos para ampliar a capacidade de fornecimento e fazer a manutenção da rede elétrica no Porto das Dunas. A empresa não respondeu até o fechamento deste texto. O espaço segue aberto para posicionamento.

Reclamações contra Enel em RJ e SP

A situação dos moradores do Porto das Dunas não é isolada no Ceará — e nem no Brasil. A Enel acumula reclamações de consumidores em diversos estados onde atua como concessionária do fornecimento de eletricidade.

Em novembro de 2023, prefeitos de 66 cidades do RJ se reuniram para debater a qualidade do serviço prestado pela empresa nos municípios. Além de cobranças à própria Enel, os gestores demandam que a renovação das concessões, processo feito pelo Governo Federal, tenha a participação de estados e prefeituras.

No mês seguinte, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ), determinou a abertura de um processo administrativo contra as subsidiárias fluminense e paulista da Enel. A investigação foi instaurada após a Enel passar vários dias consecutivos sem normalizar o fornecimento de energia após temporais em São Paulo e Rio de Janeiro. Somente em SP, mais de 2 milhões de pessoas ficaram sem eletricidade, em alguns casos por mais de uma semana.

Em janeiro deste ano, um novo temporal em SP afetou mais de 70 mil clientes da empresa. Isso levou o MJ a incluir mais casos no inquérito em fevereiro. Houve nova adição ao processo em março.

Problemas com a Enel no Ceará

No Estado, a qualidade do serviço da Enel passou a ser questionada de forma mais incisiva em 2022, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou um aumento de 24,85% na tarifa cobrada pela empresa.

O Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), que representa a concessionária, havia indicado, no mês anterior, que o acréscimo seria de aproximadamente 11%.

Relatórios levaram à abertura de CPI da Enel

Em novembro daquele ano, a matriz da Enel, sediada na Itália, anunciou a intenção de se desfazer da operação no Cearáa concessionária foi oficialmente colocada à venda em fevereiro de 2023. Pouco tempo depois, o MPCE divulgou um relatório que indicava o descumprimento, pela empresa, do contrato de concessão. O órgão ajuizou Ação Civil Pública pedindo uma multa de R$ 63 milhões pelas irregularidades.

Ainda em dezembro de 2022, uma comissão especial da Alece chegou à mesma conclusão. Os documentos foram usados como base para solicitar, em fevereiro de 2023, a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa, sobre a atuação da Enel no Ceará. O pedido foi assinado por todos os deputados estaduais.

Um dos idealizadores da CPI, o deputado estadual Fernando Santana (PT), chegou a se reunir com a Aneel para questionar sobre o cumprimento do contrato de concessão. O órgão alegou que a responsabilidade era da Agência Reguladora do Ceará (Arce), que não teria realizado a fiscalização a contento. Em resposta, a Arce afirmou ter enviados dois dossiês, em janeiro de 2020 e em setembro de 2022, à Aneel.

A CPI da Enel foi instaurada em agosto de 2023. A conclusão dos trabalhos, inicialmente prevista para dezembro do ano passado, teve o prazo prorrogado até o próximo dia 12 de abril.

O processo de venda da operação no Ceará foi suspenso pela própria Enel em novembro de 2023. No dia seguinte ao anúncio, o CEO da empresa no Brasil, Nicola Cotugno, deixou o cargo.

Problemas com fornecimento de energia no Ceará se intensificaram nos últimos meses

Um dos objetivos da CPI da Enel é comparar as alegações da empresa, que afirma cumprir as metas do contrato de concessão, ao que os consumidores vivenciam na prática. Em agosto de 2023, após um apagão de proporções nacionais, mesmo após a Enel Ceará ter afirmado que havia realizado o restabelecimento completo da eletricidade, clientes seguiram sem energia por horas.

Em dezembro, a empresa foi obrigada a reabrir lojas de atendimento que haviam sido fechadas no início da pandemia. Durante o Réveillon, diversas cidades cearenses sofreram apagões, chegando a passar 48 horas sem energia elétrica em alguns casos. O episódio levou o MPCE a notificar formalmente a Enel para pedir esclarecimentos.

Ao longo de 2024, a frequência dos registros aumentou. Só em Fortaleza, segundo o Procon, houve um aumento de 81%, entre o primeiro dia do ano e 15 de fevereiro, de reclamações sobre equipamentos elétricos danificados por queda ou oscilação de energia.

O crescimento de queixas já havia sido registrado antes: segundo o ranking das empresas de energia em todo o País, elaborado pela Aneel, a Enel Ceará é a quarta concessionária com mais reclamações no Brasil, com um acréscimo de 11,81% de 2022 para 2023.

No Carnaval deste ano, um temporal de grandes proporções afetou o fornecimento de eletricidade em diversas partes do Estado. Mais de um dia depois, no entanto, 14% dos clientes do Ceará ainda estava sem energia.

Outra estatística que chama atenção é o crescimento nas obras atrasadas: de dezembro a setembro de 2023, houve um aumento de 945% nas solicitações aguardando atendimento. Segundo especialistas ouvidos por O POVO, o problema não é apenas em novas instalações: a manutenção também estaria sendo ineficiente, levando a falhas na rede elétrica. A Enel nega as alegações.

Concretamente, a empresa tem estado abaixo dos indicadores de qualidade, o que resulta em um crescimento nas multas. Em fevereiro deste ano, o valor em penalidades, desde 2018, ultrapassava os R$ 71 milhões. Destes, R$ 52,8 milhões foram aplicados pela Aneel, e pagas em sua totalidade, e R$ 18,3 milhões pelo Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon-CE) — dos quais menos de 10% foram pagas.

Este mês, por exemplo, os problemas com o fornecimento de energia elétrica no Ceará também ocorreram com frequência. O Conjunto São Cristóvão, em Fortaleza, teve apagões em dois dias seguidos, 4 e 5.

Durante esta semana, a CPI da Enel apresentou mais avanços. Na quarta-feira, 13, a Comissão lançou uma enquete para que os clientes cearenses avaliem a qualidade dos serviços da concessionária de energia. Na sexta-feira, 15, foram realizadas audiências públicas em 11 municípios do Estado, para ouvir consumidores e representantes do poder público.

Enel desistiu de sair do Ceará e promete mais investimentos

Suspensa em novembro, a venda da Enel Ceará foi engavetada em definitivo em fevereiro. A empresa pretende permanecer no Estado até 2028, quando o contrato de concessão acaba, e pleitear a renovação.

Substituto de Nicola Cotugno no cargo de CEO nacional da empresa, Antonio Scala foi além. Em entrevista ao O POVO, o executivo prometeu ampliar os investimentos no Estado. A sucursal brasileira pretende desembolsar US$ 3,6 bilhões (cerca de R$ 18 bilhões) no País. Não foi detalhado, no entanto, quanto deste valor será destinado ao Ceará.

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