Saiba mais sobre o TCP, facção que expandiu sua atuação no CE em setembro
Organização criminosa carioca incorporou integrantes da cearense Guardiões do Estado (GDE), conforme anunciado em foguetório ocorrido em 17 de setembro
Nas noites dos dias 15 e 16 de setembro, a população cearense — sobretudo, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) — foi surpreendida com intensas queimas de fogos promovida por facções criminosas.
A primeira manifestação anunciava que a facção Comando Vermelho (CV) havia passado a atuar em territórios como os da comunidade do Lagamar, localizada no bairro São João do Tauape, e do Vicente Pinzón, que antes registravam a hegemonia da Guardiões do Estado (GDE).
Já os foguetórios da terça-feira, 16, selaram a aliança entre a GDE e outra facção originária do Rio de Janeiro, o Terceiro Comando Puro (TCP). “Salves” obtidos pelo Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO), da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) chegaram a indicar que a GDE se extinguiu e foi, totalmente, integrada ao TCP.
A movimentação foi mais um capítulo da expansão nacional do TCP nos últimos anos. Após tentar se instaurar em Fortaleza em 2022, a facção carioca passou a atuar no Ceará em 2024, mas sua presença estava restrita a municípios do Vale do Jaguaribe e da Serra da Ibiapaba.
Diante desse cenário, O POVO traz mais informações sobre o TCP, recontando seus primeiros passos nos presídios do Rio de Janeiro e também descrevendo como a facção costuma agir e em quais territórios já se encontra presente no Ceará.
Como surgiu o TCP?
O TCP surgiu de um racha na extinta facção Terceiro Comando. Esta última organização criminosa havia sido criada nos presídios fluminenses na década de 1970 em oposição ao Comando Vermelho.
No livro Comando Vermelho: A História Secreta do Crime Organizado, o jornalista Carlos Amorim reproduziu um relatório que retrata o contexto em que o CV e o TC surgiram.
Intitulado Falange Vermelha — Uma retrospectiva, o relatório do coronel Nelson Bastos Salmon narra que, no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, havia diversas “falanges” às quais os presos se aliavam para, entre outros, obter proteção.
A mais destacada delas foi a Falange Vermelha, que mais tarde seria conhecida como Comando Vermelho, afirmou no relatório o coronel, que chegou a dirigir a unidade prisional.
Consta no relatório que, em 18 de agosto de 1979, uma fuga de 11 integrantes do CV foi frustrada pelos funcionários do presídios e esses presos acusaram membros da “Falange Jacaré” de denunciar a tentativa de escapada. Para se vingar, o CV promoveu um massacre em que mais de 30 presos foram mortos.
A partir desse episódio, o coronel afirma que o CV assumiu, de fato, o comando dos presídios da Ilha Grande, espalhando, então, esse domínio para as demais penitenciárias do Estado. A “mova ordem”, prossegue o relatório, também foi repassado para traficantes e assaltantes do banco que estavam em liberdade.
Estes foram coagidos a contribuir financeiramente para a “caixinha” da organização, uma espécie de fundo monetário que era revertida em prol dos presos. Pagar a caixinha, diziam os integrantes da Falange, também garantia a ausência de problemas àqueles que fossem presos, evitando o destino de vários daqueles detentos que foram mortos por se oporem à organização.
Se, por um lado, o CV obteve a adesão da maioria da população prisional, por outro, suas ações acarretaram na existência de inúmeros desafetos, que perceberam que precisavam organizar-se de maneira semelhante aos inimigos para poder enfrentá-lo.
Como afirmou no relatório o coronel Nelson Bastos Salmon:
“De registrar-se que, no final de 1979, resultante de elementos remanescentes das ‘Falanges do Jacaré’, ‘ona Sul’, ‘Coréia’ e neutros, que ainda estavam espalhados pelas Unidades do Sistema Penitenciário, exceto Presídio Ari Franco (Água Santa) — onde concentravam-se os marcados para morrer — surgiu uma Falange intitulada ‘3º Comando’, que intentou ações contra o ‘Comando Vermelho’, principalmente nas Unidades do Complexo Frei Caneca, não chegando contudo anular seu poderio”.
Assim como o CV, o Terceiro Comando deixou os presídios e passou a atuar no tráfico de drogas dos morros cariocas. Conforme o portal Procurados, mantido pelo Instituto MovRio em parceria com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, em 1998, o TC aliou-se à Amigos dos Amigos (ADA), facção também fluminense, criada na década de 1990.
Ainda de acordo com Procurados, um racha dentro do Terceiro Comando no início dos anos 2000 levou à criação do Terceiro Comando Puro (TCP). A nova facção teria sido fundada e comandada pelos traficantes Nei da Conceição Cruz, o Facão, e Robson André da Silva, o Robinho Pinga.
O TCP suplantou o Terceiro Comando ainda em 2002 após a rebelião ocorrida em setembro daquele ano no presídio de Bangu 1. A ação foi comandada por Luiz Fernando da Costa, o “Fernandinho Beira-Mar”, e deixou quatro mortos: Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê; que havia fundado a ADA e que havia sido preso em 1996 em Fortaleza; e Wanderley Soares, o Orelha; Carlos Roberto da Costa, o Robertinho do Adeus, e Elpídio Rodrigues Sabino, o Robô.
“Celsinho da Vila Vintém, da ADA, foi acusado de traidor, o que gerou a divisão entre TC e ADA”, consta no texto de Procurados referente ao Terceiro Comando. “Após isso os traficantes do TC então passaram à ADA ou partiram de vez para o TCP”.
Como age o TCP e para quais estados a facção se expandiu
O TCP se consolidou como a segunda maior facção do Rio de Janeiro, atrás apenas do CV. Em 2023, o projeto Mapa Histórico dos Grupos Armados no Rio de Janeiro indicava que o TCP tinha o domínio de 8,7% dos territórios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro nos quais a presença de grupos armados era registrada — o CV dominava 42,9%; as milícias, 46,5%; e a ADA, 0,9%.
Com a ascensão das milícias, o TCP perdeu espaço, mas também constituiu algumas alianças com os grupos paramilitares. O termo “União 5.3” chegou a ser cunhado para sinalizar o acordo — o numeral três é associado ao TCP, enquanto o 5, à Milícia.
O TCP também voltou a manter uma aliança com a ADA, que chegou a ganhar a alcunha de Terceiro Comando dos Amigos (TCA). Em ambas as alianças, ficava claro um dos principais objetivos do TCP: combater o CV.
Além da oposição ao CV e a propensão a firmar alianças, uma outra característica do TCP chamou a atenção no Rio de Janeiro: a intolerância religiosa. No chamado Complexo de Israel — que reúne as comunidades Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau —, praticantes de religiões de matriz afro e, até mesmo, católicos relataram ter os direitos de exercício religioso proibidos pelos traficantes.
Inúmeros vídeos mostrando terreiros de umbanda e candomblé sendo invadidos e tendo os seus bens danificados pelos criminosos passaram a viralizar nas redes sociais.
A ordem para os ataques é proveniente de Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, o chefe do TCP no Complexo de Israel e que, hoje, é um dos homens mais procurados pelas Forças de Segurança do Rio de Janeiro.
Álvaro chegou a deixar o mundo criminoso para se tornar pastor evangélico, mas, após uma suposta síncope religiosa, ele passou a acreditar que tinha como missão expandir a fé evangélica a partir do domínio territorial imposto pelo tráfico.
Provém da teologia criada por Peixão um dos principais símbolos do TCP: a bandeira de Israel. A Estrela de Davi chegou a ser estendida em um monumento no alto do Complexo, posteriormente derrubado pelas forças policiais.
Na expansão registrada no Ceará, já foram registrados casos de intimidações a umbandistas em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza. Ao menos, quatro terreiros fecharam após as ameaças, como O POVO mostrou na quarta-feira, 1º.
A bandeira de Israel também já é bastante utilizada no Ceará, seja, entre outros, em postagens nas redes sociais, seja em grafites feitos em muros de diversas comunidades.
Expansão do TCP no Ceará
Em 2018, o Mapa das facções prisionais no Brasil, produzido pelos pesquisadores Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicava que o TCP estava presente apenas no Rio de Janeiro.
Desde então, a facção carioca passou a estender sua influência para diversos outros estados, incluindo Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Goiás e Maranhão.
No Ceará, uma das primeiras tentativas do TCP de se estabelecer no Estado ocorreu em 2022. Naquela ocasião, insatisfeitos com a GDE, três faccionados que, conforme a Polícia Civil, tinham posição de comando na organização teriam trocado o grupo cearense pelo carioca.
A movimentação, porém, não foi concretizada, tendo resultado em uma sequência de mortes em bairros como Jangurussu e Conjunto Palmeiras. Foram, pelo menos, 10 homicídios somente no mês de fevereiro, conforme mostrou O POVO à época. Entre esses assassinatos, uma chacina com quatro mortos, ocorrida na comunidade do Lagamar, no bairro São João do Tauape.
O TCP voltou ao noticiário cearense em 2024, novamente, após insatisfação de integrantes da GDE. No começo do ano passado, foguetórios em municípios como Morada Nova e São João do Jaguaribe, ambos localizados no Vale do Jaguaribe, anunciaram a adesão de criminosos daquela região ao TCP.
Como O POVO mostrou em março de 2024, criminosos ligados ao bando de um dos homens mais procurados do Estado — Gilberto de Oliveira Cazuza, o Gilberto Mingau — deixaram a GDE e aportaram no TCP, gerando uma verdadeira guerra com os antigos aliados. Já neste ano, o conflito motivou uma fuga em massa de moradores no distrito de Uiraponga, em Morada Nova.
Da mesma forma, ainda em 2024, o TCP também chegou aos municípios da Serra da Ibiapaba. Entre os crimes ocorridos em São Benedito por causa da rivalidade made in Rio de Janeiro entre CV e TCP, está o assassinato da adolescente Lizandra Bandeira Saraiva, de 16 anos, em 30 de maio do ano passado.
Já a expansão do TCP neste ano foi registrada em meio a uma derrocada da GDE, que perdeu integrantes para o CV em diversos territórios nos quais atuava no Estado. O POVO noticiou em 16 de setembro que um ex-integrante da GDE afirmou, em depoimentos prestados em maio e junho à Polícia Civil, que o TCP tinha interesse em passar a atuar em Fortaleza.
“Os caras da GDE na Barra do Ceará vai rasgar a camisa e tudo vai virar TCP, que está vindo fuzil e armas para tal empreitada” (SIC), afirmou Antônio Euden da Silva Lucas, de 28 anos, que viria a ser morto em 27 de agosto.
Na ocasião, o delator também afirmou que GDE e TCP tinham uma “certa aliança” que foi desfeita após a facção cearense decretar a morte de alguns de seus integrantes que haviam ido ao Rio de Janeiro esconder-se em áreas dominadas pela facção carioca.
O foguetório ocorrido em 16 de setembro anunciou não só a aliança entre GDE e TCP como também a adesão de alguns integrantes da Massa Carcerária que haviam passado a se considerar “Neutros” após deixarem a facção cearense.
Desde então, o TCP passou a assumir o conflito que havia entre GDE e CV. Exemplo disso foi registrado no conflito mantido entre as facções na região que engloba os bairros Barra do Ceará, Cristo Redentor e Pirambu.
Na última sexta-feira, 26, um ataque do CV na comunidade da Colônia, na Barra do Ceará, onde agia a GDE e, agora, o TCP, deixou um morto — a vítima seria um dos integrantes do CV que teriam ido dar a “batida”.
No sábado, 27, e no domingo, 28, mais dois homicídios foram registrados, o primeiro, em uma área do Cristo Redentor em que atua o TCP; o outro, na Colônia. Três suspeitos de envolvimento no assassinato do Cristo Redentor foram capturados, enquanto, no caso de domingo, na Colônia, um homem foi preso.
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