Por que Ciro Gomes voltou a focar no Ceará após décadas de ambições nacionais
O ex-ministro foi candidato a presidente em quatro oportunidades. Em 2025, Ciro é apontado como o principal nome do bloco de oposição no Ceará para a disputa ao governo do Estado
A vida pública do ex-ministro Ciro Gomes (PSDB) nos últimos anos esteve mais vinculada ao cenário nacional do que ao seu berço político, o Ceará. De 1998 para cá, foram quatro candidaturas à Presidência, além de papéis de destaque em governos federais, ocupando ministérios e cargos de direção.
Em 2025, Ciro é apontado como o principal nome do bloco de oposição no Ceará para a disputa ao governo do Estado no ano que vem, cargo que já ocupou entre 1991 e 1994, sucedendo o ex-governador e ex-senador Tasso Jereissati (PSDB). A relação com Tasso, apontada como principal motivo do retorno ao PSDB, nem sempre esteve boa durante esse período.
Ciro ainda despista sobre a possível candidatura, deixando em aberto a possibilidade de ser, ou não, candidato ao Palácio da Abolição. Apesar disso, tem falado que "cumprirá a obrigação" que lhe for atribuída pelo grupo que se opõe ao governo do PT no Ceará.
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Para a professora e cientista política Paula Vieira, pesquisadora do Lepem-UFC e do Lepec-UFC, a trajetória recente de Ciro revela um movimento de retorno estratégico às origens. Paula lembra que, após ter integrado a base dos primeiros governos de Lula, Ciro se firmou como força de oposição tanto ao PT quanto ao bolsonarismo no cenário nacional.
Segundo a professora, a concentração de esforços no Ceará deve ser lida como uma tentativa de reorganização das forças políticas regionais e reconstrução do próprio capital político. "A discussão se concentra em como Ciro, incapaz de desenvolver capital político competitivo nacionalmente para a Presidência, optou por retornar ao cenário político do Ceará", explica.
No ato de filiação ao PSDB, Ciro afirmou que estava "80% decidido" a nunca mais sair candidato. O desempenho na eleição presidencial em 2022 foi um duro golpe que ele nunca negou. Apesar disso, entusiastas de uma candidatura continuam a defendê-lo na cabeça da chapa.
Mágoa persistente
O discurso de "traição" política ainda está presente ainda hoje nas falas de Ciro. O endereço da mágoa pode ser atribuído a mais de uma pessoa, mas é corriqueiramente associado ao ministro da Educação, Camilo Santana (PT); ao presidente Lula (PT) e ao grupo liderado pelo irmão de Ciro no Ceará, o senador Cid Gomes (PSB).
A mágoa data de 2022, após o fim de uma aliança de 16 anos entre PT e PDT no Ceará. A unidade era costurada justamente pelos irmãos, em um período em que Ciro era considerado o "mentor intelectual" do projeto e Cid o executor. A coesão do grupo Ferreira Gomes ruiu durante o processo de escolha do sucessor de Camilo. Com a saída de Camilo do governo para disputar o Senado, a vice, Izolda Cela (então no PDT), assumiu o cargo.
Parte da aliança defendia que o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, deveria ser o candidato do grupo governista; Ciro e aliados mais próximos integravam esse grupo. Outra parte, composta por aliados de Camilo e Cid, defendia que Izolda tinha o direito "natural" à reeleição. A escolha por RC provocou uma cisão interna entre os Ferreira Gomes e no próprio PDT.
Não negando o afastamento, mas evitando comentar publicamente sobre o irmão Cid, Ciro passou a mirar em Camilo. No retorno ao PSDB, o ex-presidenciável chegou a dizer que iria "tirar a máscara" do antigo aliado.
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Para Paula Vieira, o discurso que Ciro utiliza agora — de barrar a hegemonia petista no Ceará — é o mesmo que converge com antigos adversários ideológicos. "É justamente nesse ponto que há uma aproximação com a extrema direita, como André Fernandes, assim como o próprio Roberto Cláudio também se aproximou", aponta.
E continua: "Então o Ciro, que também é uma pessoa que sempre foi de centro-direita, acaba se aproximando dos que estavam à frente da política (da oposição) na Capital no ano passado, mas com uma possibilidade de projeção estadual".
Futuro político
A aposta de que Ciro ainda tem força política no Ceará é sustentada por aliados. Para Paula, contudo, não está claro se o objetivo do ex-ministro é realmente disputar o governo estadual.
"Existe um teste de opinião pública sendo feito e que vem se consolidando e, quando ele se filia ao PSDB, ele está demarcando uma possibilidade de terceira via, que é como ele sempre se colocou na política (...) Seja no âmbito estadual ou nacional, Ciro tenta há tempos se inserir como opção alheia ao bolsonarismo e ao petismo", acrescenta Paula.
Para a especialista, o retorno à política local também carrega certo elemento de surpresa.
"É uma surpresa, tanto pelo próprio perfil do Ciro, que vem tentando essa projeção nacional já faz um tempo, com várias tentativas de candidatura à Presidência, mas que agora vai realmente reforçar, fazer esse enfrentamento a uma das maiores forças políticas do país em torno do PT, no próprio Estado", acrescenta.
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A analista vê, na escolha pelo PSDB, um gesto simbólico. "(Ciro) vai pelo PSDB porque é um partido que não está na extrema direita, com a ideia de modernização do Ceará, que foi ali com Tasso e que foi por onde o Ciro começou (...) Se há algumas décadas Tasso se colocou como quem veio para enfrentar os coronéis, agora Ciro coloca-se como o quem vem para derrotar o PT".
Disposição
Ciro, por sua vez, tem dito que "se tivesse juízo" não seria candidato, mas admite que "quem manda é o coração" e que está disposto a cumprir a missão que lhe for dada.
Ele ainda reitera considerar Roberto Cláudio o mais preparado para concorrer, dizendo inclusive que, em um eventual governo do aliado, aceitaria o cargo de secretário de Segurança.
Para muitos que compõem a oposição, Ciro é, hoje, o único nome viável para enfrentar o PT no Ceará. O presidente do PSDB, Marconi Perillo, diz, contudo, não descartar que o ex-ministro volte a mirar o Planalto. Os movimentos dos próximos meses deverão definir se Ciro tentará mais uma vez o governo do Ceará, a Presidência ou se encerrará a trajetória eleitoral.
As candidaturas e posições de Ciro no Brasil
- 1998 - Após romper com o PSDB, Ciro disputa pela primeira vez a Presidência, pelo PPS, contra FHC e Lula. Fica em 3º lugar.
- 2002 - Novamente pelo PPS, enfrenta Lula, Serra e Garotinho. Termina em 4º lugar, com quase 12% dos votos.
- 2006 – 2009 - Fora da disputa presidencial, atua como ministro da Integração Nacional no governo Lula (2003–2006) e depois se elege deputado federal pelo PSB.
- 2010 - Cogita disputar novamente, mas é preterido pelo PSB, que apoia Dilma Rousseff. O episódio marca o início do afastamento político entre Ciro e o PT.
- 2014 - Não concorre. Atua como secretário da Saúde do Ceará, na gestão do irmão Cid Gomes, e depois como diretor da Transnordestina Logística S/A.
- 2018 - Já no PDT, tenta a Presidência pela terceira vez. Fica em 3º lugar, com 12,4% dos votos. No Ceará, liderou com 41% dos votos, único estado em foi o mais votado.
- 2022 - Lança-se pela quarta vez, criticando Lula e Bolsonaro. Termina em 4º lugar, com 3% dos votos, seu pior desempenho. No Ceará, obtém 6,8%, atrás de Lula e Bolsonaro.