Por que cerveja e vinho raramente são contaminados por metanol? Entenda
Após casos de metanol em destilados, especialistas explicam riscos de contaminação em cervejas e vinhos. Veja o que observar antes de consumir as bebidas
Os recentes casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas reacenderam a preocupação com a segurança do consumo de produtos adulterados no Brasil.
A substância, altamente tóxica para o organismo humano, pode causar cegueira, insuficiência respiratória e até a morte quando ingerida em pequenas quantidades.
Embora o problema seja mais comumente associado a destilados falsificados, especialistas alertam que o risco de contaminação também existe, em menor escala, para vinhos e cervejas, especialmente quando a procedência das bebidas é desconhecida.
Metanol: o que é e como pode surgir?
O metanol é um tipo de álcool diferente do etanol, usado naturalmente na fermentação de bebidas. Incolor e inodoro, ele é tóxico mesmo em pequenas doses e não altera o sabor, o que torna a detecção difícil a olho nu.
Seu consumo acidental ocorre principalmente em bebidas adulteradas, quando é adicionado de forma criminosa para elevar o teor alcoólico e reduzir custos de produção.
A presença natural de metanol pode ocorrer em processos de fermentação de frutas e vegetais ricos em pectina, mas, conforme especialistas, as quantidades produzidas em condições adequadas são seguras.
O sommelier e proprietário da Enoteca Ferrari, Marco Ferrari, explica que, no caso dos vinhos, a formação de metanol ocorre naturalmente em pequenas quantidades durante a fermentação do mosto Líquido que fermenta e dá origem à bebida alcoólica , a partir das pectinas presentes nas cascas das uvas.
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“No processo de fermentação do mosto é possível que uma parte do álcool obtido seja metanol, porém, mediante uma fácil operação de controle que o enólogo executa durante o processo, esses limites são verificados e diminuídos”, afirma.
Segundo Ferrari, o limite máximo de metanol permitido em vinhos é regulamentado por lei: 400 miligramas por litro para tintos e 250 miligramas por litro para brancos e rosés. “Qualquer quantidade acima desse limite é considerada tóxica para o consumo humano”, ressalta.
Para ele, o risco real está nas bebidas de origem duvidosa. “Quando o vinho não tem procedência garantida, tudo, literalmente tudo, pode acontecer”, alerta o sommelier, reforçando que a compra em lojas especializadas e a verificação do registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) são as principais formas de evitar problemas.
Metanol: processo natural em vinhos e cervejas?
A sommelière Marbênia Gonçalves, colunista do O POVO+ e professora universitária na área de bebidas, explica que tanto o vinho quanto a cerveja seguem normas rígidas de controle de qualidade definidas pelo Mapa.
“A cerveja segue as normas da Instrução Normativa nº 65/2019, e a elaboração do vinho segue a Instrução Normativa nº 140/2024. Na produção de cerveja praticamente não existe metanol detectável, porque ela segue uma receita clássica de água, malte, lúpulo e levedura. Esses grãos têm pouquíssimas pectinas que poderiam gerar metanol”, esclarece.
Ainda assim, segundo Marbênia, há situações específicas em que a substância pode aparecer em quantidades mínimas e seguras.
“Opcionalmente, o mestre cervejeiro pode incluir frutas na receita, e pode surgir metanol em teores baixíssimos em função da degradação das pectinas, mas durante a fermentação do mosto as leveduras não produzem metanol em quantidades relevantes”, explica.
No caso dos vinhos, o composto é mais comum em tintos, devido à presença das cascas da uva. “A quantidade presente, no entanto, não representa risco à saúde. Seria necessário que uma pessoa saudável consumisse sozinha, em uma hora, mais de cinco garrafas de vinho para causar algum dano”, complementa.
O sommelier de cervejas João Filho reforça que o processo natural de fabricação da bebida não gera metanol. “A probabilidade de formação de metanol em cerveja é praticamente nula. Isso acontece porque o metanol costuma surgir na fermentação de bebidas que usam matérias-primas ricas em pectina, como frutas ou vegetais. A cerveja, basicamente, é água, malte, lúpulo e levedura”, explica.
Ele acrescenta que tanto as cervejarias artesanais quanto as de grande porte seguem protocolos rigorosos de higiene e qualidade, com análises laboratoriais regulares exigidas pelos órgãos fiscalizadores. “A legislação brasileira não permite a presença de metanol nas cervejas”, afirma.
Metanol: fiscalização e controle de qualidade
Entre os órgãos que monitoram a produção, estão o Mapa, responsável pelo registro e fiscalização das cervejarias, a Vigilância Sanitária, que atua nas questões de segurança alimentar, e até a Receita Federal, que monitora o selo fiscal das bebidas.
Segundo João Filho, se houvesse qualquer presença de metanol, ela seria facilmente detectada nos testes laboratoriais obrigatórios. “Qualquer presença dessa substância é sinal de adulteração intencional ou contaminação externa”, reforça.
A adulteração criminosa é, segundo os especialistas, o principal fator de risco para a contaminação. Marbênia Gonçalves explica que há casos em que o metanol é misturado de forma deliberada a bebidas alcoólicas com o objetivo de elevar o teor alcoólico e reduzir custos.
Para identificar possíveis fraudes, a sommelière recomenda atenção ao rótulo, lacre e selo fiscal. “O consumidor deve observar se o lacre foi rompido, se a impressão do rótulo está desalinhada ou com cores alteradas, e se há ausência de informações como o registro da bebida no Mapa. O nível do líquido no gargalo também é um indicador importante”, orienta.
Metanol: como o consumidor pode se proteger
O preço muito abaixo do valor de mercado é outro sinal de alerta. João Filho destaca que desconfiança é fundamental em situações assim.
“Está barato demais, desconfie. Pode até não ser uma cerveja adulterada, mas pode ser falsificada, com rótulo trocado ou produto vencido. O mesmo vale para outras bebidas. É importante comprar em locais de confiança e verificar se a marca tem registro no Mapa e CNPJ no rótulo”, recomenda.
Em relação ao controle de qualidade, Marbênia lembra que o setor se tornou ainda mais rigoroso após o caso da cervejaria Backer, em 2020, quando um lote contaminado por dietilenoglicol, substância diferente do metanol mas igualmente tóxica, causou mortes e internações.
Além da fiscalização, a educação do consumidor é considerada essencial para reduzir riscos. “Vivemos um movimento global por bebidas orgânicas, sustentáveis e com menor teor alcoólico. Como sommelière, sou adepta do movimento ‘beba menos e beba melhor’, buscando maior qualidade nos métodos de produção”, defende Marbênia.
A intoxicação por metanol segue sendo um risco real quando o consumo envolve produtos de origem duvidosa. Embora vinhos e cervejas, dentro dos padrões legais, não representem perigo, o alerta permanece: procedência e fiscalização são as melhores formas de proteção.