CPI do Motim: confira o que é investigado e o que já aconteceu

Até o momento, o colegiado ouviu cinco depoimentos em quatro semanas. As investigações focaram no papel das associações militares os movimentos que culminaram em ocupação de quarteis e paralisações em 2020

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o financiamento de associações ligadas a policiais e bombeiros militares no Ceará chega à quarta semana de depoimentos na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Até agora, foram ouvidos cinco depoentes, todos ligados a associações de policiais militares.

A CPI foi instalada em 11 de agosto de 2021, dois dias depois de OPOVO revelar, com exclusividade, que a Justiça quebrou o sigilo de associações suspeitas de participar do movimento. A composição da comissão foi definida em 25 de agosto.

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Cleyber Barbosa

No dia 5 de abril, a comissão tomou o primeiro depoimento. Na ocasião, foi ouvido o atual presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS), policial Cleyber Barbosa Araújo. Questionado pelo relator, deputado Elmano de Freitas (PT), se ele teria mobilizado integrantes para participar de protestos e atos em 2020, o policial afirmou ao colegiado que a instituição pagou o transporte de ônibus para que seus associados participassem de encontros da categoria.

No entanto, o depoente negou que a APS tenha participado ou financiado o motim. Ele afirmou que já foi enviada documentação que comprova isso tanto à CPI quanto ao Ministério Público do Ceará.

Na mesma sessão, Elmano revelou fotos de transações bancárias realizadas pelo policial. Os registros mostram que ele realizou, em diferentes datas, o saque na boca do caixa o total total R$ 140 mil. O relator apontou ainda que a instituição sacou um total R$ 2,3 milhões em cinco anos. As transações são investigadas pela CPI.

Após os questionamentos, Cleyber defendeu que a APS realizou saque em espécie para poder movimentar o caixa financeiro das despesas diárias da associação. "São gastos com alimentação, com logística da associação, com combustível, com compra de equipamentos, com conserto de equipamentos, tem um dinheiro que ele era pago em espécie a alguns diretores para poder efetuar o serviço da associação", disse.

Ao final da oitiva, o relatou afirmou que a APS seria "um braço político de um grupo político partidário", da qual integram o deputado federal Capitão Wagner (UB), o deputado Soldado Noelio (UB) e o vereador de Fortaleza Sargento Reginauro (UB). A manifestação não agradou à oposição, representada na comissão pelo deputado Soldado Noelio (UB). "Estão dispostos ao 'tudo ou nada' para se manter no poder", disse o parlamentar.

Após ser citado, Wagner criticou condução do primeiro depoimento da CPI do Motim. O presidente do União Brasil no Ceará (UB-CE) acusou os parlamentares da Assembleia Legislativa de trabalhar pelo interesse político dos responsáveis pelos resultados negativos na segurança pública cearense.

Quem também criticou a comissão foi Reginauro. O parlamentar disse que a comissão "gasta seu tempo com uma CPI descabida, para investigar recursos privados e fazer palanque político para atacar o Capitão Wagner e seus aliados". Ele foi chamado a comparecer na CPI na condição de convidado, mas teve seu depoimento adiado para o dia 12 de abril.

Sargento Reginauro

O vereador Sargento Reginauro Sousa (Pros), também ex-presidente da APS, prestou depoimento no dia 12 de abril. A oitiva foi uma das mais polêmicas, pois o colunista do O POVO, Carlos Mazza, havia mostrado que o parlamentar assinou, em 11 e 17 de fevereiro de 2020, dois cheques em nome da APS somando cerca de R$ 89 mil. As ordens de pagamento foram emitidas nos dias que antecederam o início do motim, em 18 de fevereiro daquele ano.

No depoimento, Reginauro estranhou a desorganização, segundo ele, da CPI. Ele afirmou que os advogados dele pediram acesso aos cheques e afirmou não terem conseguido. Ele saiu em defesa das entidades que representam policiais e disse que as instituições existem por causa da negligência do Estado. 



Os deputados começaram a discutir sobre acesso a documentos sigilosos. O deputado Soldado Noelio (União Brasil) reforçou a crítica e pediu a convocação de membros da OAB-CE. O presidente da CPI, deputado Salmito Filho (PDT), rebateu as acusações e disse que parte dos dados autorizados a serem compartilhados pela Justiça foram entregues na manhã do dia 11 de abril. 

Cheques e deputado dormindo na Assembleia

O deputado Soldado Noelio apontou que os cheques sob investigação, emitidos pela Associação dos Profissionais de Segurança (APS) e investigados na CPI, não constaram nos autos da comissão. Diante da polêmica, ele dormiu na porta da sala das Comissões Parlamentares de Inquérito e colocou um colchão na porta, passando a noite lá, para garantir que ninguém colocasse o material durante a noite. O parlamentar disse  ter solicitado acesso à sala para poder verificar a documentação sigilosa e apresentada na CPI do Motim.

Devido à menção a provas que não estão nos autos, a oposição disse que iria pedir anulação da CPI do Motim. O presidente da CPI negou ilegalidade e apontou desespero dos parlamentares do grupo opositor. Ele afirmou ainda que o Noelio "inicia uma nova 'narrativa' de querer acusar a CPI de ilegalidades que também não cola"

Rêmulo Silva

Na terça-feira, 19, a CPI ouviu o policial militar Rêmulo Silva de Oliveira. O depoimento atendeu requerimento solicitado pelo relator. O policial militar e ex-tesoureiro da APS afirmou que a ordem de pagamento somando R$ 89 mil, assinadas em nome da associação nos dias anteriores ao início do motim, foi realizada por preocupação com a saída do vereador Sargento Reginauro da presidência. O temor seria de que, com a mudança de comando, houvesse dificuldade em fazer movimentações.

O depoente afirmou que os cheques foram dos últimos a serem assinados durante o tempo em que foi tesoureiro na associação e foi usado por um longo período.

Rêmulo argumentou que, mensalmente, a movimentação para pagamentos na entidade era da ordem de R$ 40 mil. “Tínhamos necessidade de realizar saques mensais. Eu precisava, no mínimo, de R$ 40 mil por mês, para realizar ações internas e externas da associação”, disse ele ao defender que o valor era retirado na boca do caixa.

O militar negou que tenha participado de alguma negociação pela APS com o movimento que culminou no motim de 2020. Com o fim das negociações com o governo, Rêmulo disse que a participação da APS se encerrou. Porém, algumas pessoas não aceitaram o acordo e prosseguiram com os movimentos que resultaram em paralisações e ocupação de quarteis, como o ex-deputado Cabo Sabino.

Elton Regis

Em 19 de abril, a CPI ouviu um segundo depoimento, que não estava previsto. O presidente da CPI afirmou que o depoente Elton Regis do Nascimento, convidado pela comissão para depor nas semanas seguintes, informou ter sido ameaçado e pediu para ser ouvido naquele mesmo dia. Consultado, o colegiado aprovou a oitiva.

Aos deputados, Regis detalhou a ameaça:

"No dia vinte e três do mês passado eu me dirigi a uma confeitaria perto da minha residência e estacionei numa rua próxima, até porque a confeitaria, ela seria contramão pra mim na posição em que eu estacionei. Ao retornar, eu encontrei um papel com a inscrição ‘otário’, assim um português bem, não segue vírgula. ‘Como vai a vida”’. ‘Cuidado com o que fala’.

De um determinado tempo pra cá, eu não tenho falado de outra coisa em determinados locais a não ser sobre a expectativa do que seria tratado essa CPI e que eu seria ouvido, mesmo porque eu soube através da imprensa e, em determinado momento, eu meio que desabafei porque fui ouvido no Ministério Público.

Em nenhum momento a minha associação, a associação da qual faço parte, não me desvinculei laço, ainda sou associado, em nenhum momento eu tive uma orientação e um acompanhamento jurídico. Eu fui ouvido lá sem esse acompanhamento, sem essa assistência. A Associação dos Profissionais de Segurança, a APS".

Salmito Filho (PDT) solicitou segurança para proteção pessoal de Elton “para evitar que algo de pior possa acontecer com sua vida”. O militar afirmou que participou da fundação da APS e esperava que a entidade tivesse um trabalho significativo para sua categoria, o que aconteceu num primeiro momento. Porém, ele afirmou mudança de rumos.

Ainda durante sua passagem pela CPI, o policial afirmou que todas as principais decisões da (APS), investigada pela comissão, passavam pela avaliação do deputado federal Capitão Wagner (União Brasil), pré-candidato ao governo estadual. O cabo da Polícia Militar criticou a instituição da qual fazia parte e disse haver uma "Santíssima Trindade" dentro da APS, que envolve também Soldado Noelio e Sargento Reginauro. 

Nascimento afirmou também que foi afastado da direção da APS sob a alegação de que estaria criticando presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

Clébio Eliziano

Nesta terça-feira, 26, prestou depoimento à CPI o sargento Clébio Eliziano Queiroz, presidente da Associação das Praças do Estado do Ceará (Aspra-CE). Ele afirmou que a instituição a qual dirige perdeu quase mil associados após se negar a participar do motim de policiais militares em 2020. O militar disse ao colegiado que, na época, a instituição continuou as atividades, mas manifestou pública contrariedade ao movimento de PMs que se seguiu após as negociações entre a categoria e o Governo do Ceará.

A posição, no entanto, sofreu resistências e uma consequente perda de associados, conforme relatou. "Foram inúmeras mensagens criticando a associação. Nós respeitamos a opinião do associado, mas nós perdemos muitos associados. Cerca de quase mil associados, e nós sabíamos o que estavam passando, mas a associação, uma das mais antigas do nosso Estado, a gente sempre conversando com a nossa diretoria e acompanhando e a disposição da Justiça", disse o depoente.

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