Hanukkah: a Festa das Luzes no judaísmo e relação com o Natal cristão
Ataque terrorista na Austrália reacende debate sobre antissemitismo e amplia o significado de Hanukkah como símbolo de resistência e identidade judaica
Celebrada durante oito noites entre os meses de novembro e dezembro, Hanukkah, ou Chanucá, é uma das festividades judaicas mais conhecidas fora das comunidades judias.
Em 2025, a Festa das Luzes ocorre em um cenário internacional marcado por violência e preocupação com o avanço do extremismo. Nesta semana, um ataque terrorista direcionado à comunidade judaica em Sydney, na Austrália, deixou ao menos 16 mortos e mais 40 hospitalizados.
Um dos atiradores foi morto no local e o outro encontra-se hospitalizado em estado grave. A polícia australiana investiga uma possível viagem prévia às Filipinas para suposto “treinamento militar”, além de eventuais conexões internacionais e motivação extremista.
O episódio reacendeu o alerta sobre o crescimento de crimes de ódio e antissemitismo em diferentes partes do mundo. Diante desse contexto, Hanukkah assume um significado que vai além do calendário religioso, tornando-se também um símbolo de resistência, memória histórica e afirmação identitária do povo judeu.
A proximidade com o Natal cristão costuma gerar comparações e até confusões, mas as celebrações têm origens, sentidos e práticas distintas. Conheça mais a seguir.
O que é Hanukkah e por que é celebrada
Hanukkah significa “dedicação” em hebraico e remete à rededicação do Templo de Jerusalém após a vitória dos judeus, liderados pelos Macabeus, contra o domínio do rei selêucida Antíoco IV, há mais de dois mil anos.
Segundo a tradição judaica, ao retomar o Templo, encontrou-se somente um pequeno frasco de azeite puro para acender o candelabro sagrado, suficiente para um único dia, mas que milagrosamente durou oito noites.
Para o rabino Pablo Schejtman, líder comunitário e um dos organizadores da comunidade judaica de Fortaleza (CE), Hanukkah se sustenta em três dimensões centrais:
- Histórica, que recorda a revolta dos Macabeus;
- Miraculosa, representada pelo azeite que não se extinguiu;
- Existencial, que convida à reflexão sobre o que significa manter a própria chama acesa quando tudo ao redor parece ameaçar a identidade de um povo.
O ritual das luzes e a vivência em comunidade
O principal ritual de Hanukkah é o acendimento da chanukiá, um candelabro de nove braços, realizado após o pôr do sol. A cada noite, uma nova vela é acesa com o auxílio do shamash, a vela central.
O ritual é acompanhado por bênçãos tradicionais e, na primeira noite, inclui a oração Shehecheyanu, que agradece pela vida e pela possibilidade de chegar àquele momento.
A tradição recomenda que a chanukiá seja colocada em local visível, voltada para a rua ou para a janela. Essa prática, conhecida como pirsumei nissa, visa tornar público o milagre das luzes.
Segundo Levi Schejtman, presidente do movimento juvenil judaico Habonim Dror Brasil, essa exposição diferencia Hanukkah de outras festas judaicas, geralmente mais voltadas ao espaço interno das comunidades.
Para ele, Chanucá é um momento de mostrar o judaísmo, reforçando valores como solidariedade, resistência cultural e orgulho identitário.
Tradições, comida e celebração coletiva
Além das velas, Hanukkah é marcada por costumes ligados à convivência e à memória. É tradicional o consumo de alimentos fritos em óleo, como os latkes de batata e os sufganiot, em alusão direta ao milagre do azeite.
Crianças brincam com o sevivon, um pião com letras hebraicas que remetem à frase “Um grande milagre aconteceu lá”. Em muitas famílias, há a entrega de pequenos presentes, especialmente às crianças e a pessoas em situação de vulnerabilidade.
Levi relata que, em sua família, cada integrante acende a própria chanukiá durante os oito dias da festa.
Já nas sinagogas, são comuns os acendimentos coletivos, em que diferentes famílias se reúnem para celebrar em comunidade.
Hanukkah é o “Natal judaico”?
A associação entre Hanukkah e o Natal é comum, especialmente em países de maioria cristã, como o Brasil.
Para Levi, essa comparação surge tanto pela proximidade das datas quanto pela tentativa de tornar a festa mais compreensível para quem não é judeu.
Ainda assim, ele ressalta serem celebrações distintas, embora ambas utilizem a luz como símbolo de esperança em tempos difíceis.
A analista Bruna Rúbia reforça que, apesar de ocorrerem em períodos próximos, as duas festas não compartilham um mesmo significado religioso. Para ela, a confusão se deve muito mais ao calendário do que a qualquer ponto de contato espiritual profundo.
O rabino Pablo Schejtman faz um alerta sobre os riscos dessa equivalência. Segundo ele, Hanukkah não celebra um nascimento nem ocupa o mesmo lugar central que o Natal no cristianismo.
Transformá-la em uma espécie de “Natal judaico” pode esvaziar seu conteúdo histórico e espiritual, diluindo a especificidade da tradição judaica e repetindo, simbolicamente, o risco da assimilação cultural enfrentado pelos Macabeus.
A vivência de Hanukkah no Brasil e no Ceará
No Brasil, comunidades judaicas maiores, como as de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, costumam realizar celebrações públicas de maior escala, com grandes chanukiot acesas em praças e ruas.
Levi acentua que, independentemente do tamanho da comunidade, a essência da festa permanece a mesma: a preservação da cultura e da memória judaica onde quer que se esteja.
No Ceará, onde a comunidade judaica é menor, Hanukkah assume um significado ainda mais simbólico.
Para o rabino Pablo Schejtman, cada vela acesa em Fortaleza representa um gesto de afirmação de existência e pertencimento, reforçando a mensagem de que mesmo uma minoria pode manter sua luz acesa em meio a uma cultura majoritariamente diferente.
Um Hanukkah marcante em tempos de pandemia
Entre as muitas celebrações vividas ao longo de sua trajetória, o rabino destaca um Hanukkah celebrado durante a pandemia de covid-19 como especialmente marcante.
Naquele período, membros da comunidade Kibutz Galuiot, espalhados por 11 países, se reuniram virtualmente para acender suas chanukiot simultaneamente.
Apesar das limitações impostas pela tecnologia e pelo distanciamento físico, a celebração foi marcada por um forte sentimento de união.
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As bênçãos foram recitadas em conjunto, ainda que com os atrasos típicos das chamadas online, e as chamas exibidas nas telas formaram, simbolicamente, uma única luz. Para o rabino, aquela experiência evidenciou que a essência de Hanukkah atravessa fronteiras, fusos horários e contextos históricos.
Nesse momento, ele recordou o versículo do livro de Provérbios: “Pois o mandamento é lâmpada e a Torá é luz”, destacando que a tecnologia era somente o meio. A luz, segundo ele, era a mesma acesa pelos Macabeus, pelos antepassados e pelas futuras gerações.
Luz, esperança e resistência cultural
Para os entrevistados, Hanukkah vai além de uma data do calendário religioso. Segundo Levi, simboliza a sobrevivência do povo judeu diante de séculos de perseguições.
Para Bruna, representa esperança e a crença contínua em milagres, mesmo nos dias atuais.
Já conforme o rabino Pablo Schejtman, a celebração reafirma o direito de cada povo viver segundo sua própria consciência, sem se diluir ou perder sua identidade.
Assim, embora Hanukkah e o Natal compartilhem o mês de dezembro e o símbolo da luz, cada celebração ilumina caminhos distintos.
Enquanto o Natal cristão celebra o nascimento e a renovação, Hanukkah recorda a dedicação, a resistência e a permanência de um grupo.