Três décadas de luta: Proparque renova coordenação e reafirma defesa do Rio Branco
A trajetória do Movimento Proparque é inseparável da história de Ademir Costa e Luísa Vaz, casal que iniciou a mobilização em 1994 após ver caminhões da construção civil despejando entulho dentro do Parque Rio Branco
O Parque Rio Branco recebeu, na manhã deste domingo, 30, a celebração pelos 30 anos do Movimento Proparque, criado em 1994 e formalizado em 1995 para impedir o despejo de entulho na área verde localizada no bairro Joaquim Távora.
A comemoração reuniu antigos e novos participantes, apoiadores históricos, artistas, ambientalistas, parlamentares e moradores que frequentam o espaço diariamente.
Durante o evento, foi empossada a nova coordenação, formada por Terezinha Elias, Rúbia Gonçalves e Maria José Justino, enquanto os fundadores Ademir Costa e Luísa Vaz, acompanhados de Vicente Flávio Belém, passam a integrar o conselho consultivo, responsável por salvaguardar a memória do movimento e orientar suas ações.
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A trajetória do Movimento Proparque é inseparável da história de Ademir Costa e Luísa Vaz, casal que iniciou a mobilização em 1994 após ver caminhões da construção civil despejando entulho dentro do Parque Rio Branco.
Indignados com a destruição silenciosa da área verde, os dois começaram a registrar as irregularidades, mobilizar vizinhos, denunciar às autoridades e, pouco a pouco, formar uma rede de moradores dispostos a impedir que o espaço fosse aterrado e transformado em área de interesse privado. A partir desse núcleo, nasceu o movimento que se tornaria uma das principais frentes comunitárias de defesa ambiental urbana em Fortaleza.
Ao longo das décadas seguintes, Ademir e Luísa enfrentaram pressões de empreendimentos imobiliários, propostas de privatização parcial do parque, projetos governamentais que desrespeitavam a legislação ambiental e até perseguições políticas.
Em um dos episódios mais marcantes, lutaram contra a tentativa de transformar parte do parque em quadras de tênis privadas, conseguindo barrar a proposta após intensa mobilização popular.
Também denunciaram ocupações irregulares, obras que ameaçavam a fauna e cortes inadequados de vegetação nativa. A constância do casal, muitas vezes atuando diariamente, mesmo sem apoio institucional, ajudou que o parque permanecesse como área pública, verde e viva.
Enquanto Ademir e Luísa conversavam com a reportagem, diversas famílias que passavam pelo parque pararam para cumprimentá-los. Entre elas, um homem se aproximou, abraçou os dois e afirmou: “Se não fossem vocês, o parque não estaria aqui como está.”
Eles afirmam que nunca aceitaram atuar como braço de governo ou de grupos econômicos e que o único compromisso sempre foi com o parque e com a comunidade.
“Nossa esperança é que a nova coordenação siga o mesmo princípio: preservar. Essa é a pedra de toque. E manter a independência, porque nós nunca buscamos migalhas da prefeitura, sempre lutamos pelo parque”, explicam Ademir Costa e Luísa Vaz.
A nova coordenação, formada por Terezinha Elias, Rúbia Gonçalves e Maria José, destaca que pretende fortalecer a estrutura interna do movimento, prezando pela divisão colaborativa de tarefas, pela ampliação das ações e pelo fortalecimento da articulação com outras organizações ambientais.
Segundo elas, a gestão não representa rompimento, mas continuidade de uma trajetória consolidada. Também ressaltaram a importância de integrar pessoas novas ao movimento, sobretudo jovens, para garantir que a defesa do parque continue viva.
Em conjunto, as três coordenadoras, sintetizaram o espírito da nova fase afirmando que “o Parque Rio Branco é o coração do movimento. Queremos fortalecer as lutas, defender o meio ambiente e manter uma gestão democrática. O Proparque nunca foi só sobre o Parque, ele se junta às lutas ambientais da cidade inteira”.
O ambiente do parque reforçava o sentido da celebração, pois crianças corriam entre as árvores, famílias passeavam, grupos conversavam sob a sombra das copas. Em uma cena, duas crianças seguravam galhos caídos no chão e brincavam de espadas, rindo enquanto corriam.
Ao fundo, ciclistas e tutores com cães completavam o cenário de uso cotidiano, revelando a importância social que o parque ocupa. Esse contraste entre festa e rotina reforçava o compromisso do movimento de defender um espaço que, mais do que área verde, é um território de convivência, memória e pertencimento.
Entre os presentes, o vereador Gabriel Aguiar (Psol), que destacou a relevância histórica do Proparque. Para ele, o movimento é uma das iniciativas ambientais mais antigas e resilientes de Fortaleza, tendo acompanhado sua própria vida desde os primeiros anos. Segundo o parlamentar, o parque representa um exemplo de mobilização comunitária que permanece influente e ativo mesmo frente a retrocessos urbanos e pressões imobiliárias.
Ele comentou que seguirá com o mandato aberto às demandas do movimento e que considera o Proparque fundamental para fortalecer a defesa ambiental na Cidade. “Esse é um dos movimentos mais históricos da luta ambiental da cidade. O Proparque tem exatamente a minha idade, 30 anos. Eu venho para cá desde bebê de colo com meu pai. É pioneiro e merece nosso respeito e gratidão”.
O ativista ambiental e integrante do Crítica Radical, Giovanni Lanzone, destaca que o parque ocupa um lugar de memória afetiva para a Cidade, mas também de resistência política, especialmente diante de ameaças legislativas como o chamado “PL da devastação”. Ele lembra que a luta ambiental exige cooperação ampla e organização coletiva, e afirma que movimentos como o Proparque são fundamentais para impedir o avanço de projetos que colocam em risco ecossistemas urbanos.
Giovanni reforça que a defesa do parque deve ser entendida como parte de uma luta maior pela preservação ambiental. “O Proparque é uma luta microscópica, mas muito válida. Agora precisamos ampliar essa participação, porque projetos como esse que está no Congresso são de vida ou morte para a natureza. Até o próprio Parque corre risco”.
Presente ao evento, a ex-prefeita de Fortaleza, Maria Luiza Menezes Fontenele, relaciona a defesa ambiental à luta pela vida, afirmando que a destruição da natureza é resultado direto de um sistema econômico predatório que rompe vínculos afetivos e éticos com a terra. Ela ressalta que lutar pela preservação do parque é lutar por uma nova forma de convivência humana, baseada na solidariedade e no cuidado.
Para Maria Luísa, movimentos comunitários como o Proparque representam campos essenciais de resistência ao modelo urbano excludente. “Essa luta é a luta pela vida. A mãe terra nos deu tudo, e nós precisamos defender essa relação de afeto e solidariedade com a natureza. Não é possível construir alternativa dentro de um sistema que destrói tudo.”
O arte-terapeuta Milton Ferreira explica que o contato com a natureza tem impacto direto na saúde emocional e mental das pessoas, e que o Proparque, ao longo dos anos, tem promovido espaços de convivência que fortalecem o bem-estar coletivo. Para ele, a celebração dos 30 anos não é apenas um marco histórico, mas também uma reafirmação do compromisso de todas as pessoas envolvidas no movimento.
“Momentos como esse mantêm o pique do grupo. Contato com a natureza é saúde, pois relaxa, acalma, melhora a frequência cardíaca. Lutar pela preservação ambiental é lutar pela nossa própria saúde”, diz Milton.
A artista não-binárie Pepe, 25 anos, integrante da ocupação cultural Pifarada Urbana, fez uma apresentação de ciranda em comemoração aos 30 anos do grupo. Ela conta que sua relação com o Parque começou pela arte e se transformou em vínculo afetivo, levando-a a se aproximar também da defesa ambiental.
Para Pepe, o parque funciona como espaço de liberdade, onde as pessoas podem existir sem pressões e onde vínculos são criados a partir da convivência espontânea. “Se não fosse o Proparque, isso aqui seria um shopping, e eu não teria tido esse contato transformador com a mata. Aqui as pessoas são mais abertas, mais espontâneas, mais felizes. É um lugar de liberdade. Mas cadê a juventude? Precisamos trazer mais jovens para essa luta”, comenta.
A engenheira agrônoma Regina Lúcia Feitosa Dias participa do movimento desde 2010 e celebrou a renovação representada pela nova coordenação. Ela enxerga o Proparque como um espaço de compromisso espontâneo e afetivo. Para ela, o parque é um patrimônio espiritual e ambiental da Cidade, conectado a uma rede de corpos d’água e remanescentes de vegetação nativa que resistem ao processo de urbanização. Regina enfatiza que a luta é diária e exige constância emocional e política. Também celebrou a renovação representada pela nova coordenação.
O deputado estadual Renato Roseno (Psol) também participou do evento e criticou a recente redução das Zonas de Preservação Ambiental (ZPA) aprovada pela Câmara Municipal - medida que, segundo ele, foi aprovada em desacordo com as necessidades da Cidade e sem diálogo com a população. Ele afirma que a medida "atende exclusivamente à especulação imobiliária" e "representa um retrocesso grave" para Fortaleza.
O parlamentar defende que movimentos populares, como o Proparque, são essenciais para barrar a degradação do patrimônio natural de Fortaleza e fortalecer políticas ambientais.
Ao final do encontro, enquanto as pessoas se reuniam para compartilhar a comida e continuar a conversa, Luísa encerrou a celebração com uma frase que emocionou quem estava ali: “Tão importante quanto o caminho é com quem se caminha.” Depois disso, algumas pessoas tomaram a palavra espontaneamente para contar suas próprias experiências com o Proparque, algumas em forma de depoimento, outras em forma de poema.