Chacina do Curió: defesa chama acusação de "ficção científica" e nega elo entre as mortes
Advogados dos policiais militares apontam distância entre os locais de execução como prova da não ligação e apontam falhas na investigação
O quinto julgamento da Chacina do Curió teve início nesta segunda-feira, 22, no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza. Mais dois réus são julgados no episódio criminoso que deixou 11 mortos e sete feridos na noite do dia 11 e na madrugada do dia 12 de novembro de 2015.
Pouco antes do início da sessão do júri, a defesa dos reús Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano, policiais militares acusados de orquestrar a matança, disse que a acusação do Ministério Público do Ceará (MPCE) não passa de “ficção científica” e nega ligação entre as mortes.
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Um dos pontos levantados pela defesa de ambos é a distância entre os pontos de execução e que os crimes teriam sido cometidos por diferentes motivos, o que descaracterizaria as mortes como chacina.
“A polícia não conseguiu descobrir quem atirou, aí criou-se a ficção científica de que era uma chacina. O que não é. Chacina tem que ser as mesmas pessoas que mataram pelo mesmo motivo. Morreram 11 pessoas em locais diferentes do bairro. Em um dos locais do crime toda a munição é da PC-CE. Tem algum policial civil sendo acusado? Não”, afirma o advogado dos réus, Walmir Medeiros.
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Medeiros também teceu críticas à investigação da PC-CE, que segundo ele, deixou escapar pontos cruciais para se identificar os culpados. Segundo ele, buscas por quais as armas usadas no crime e quem era o responsável por elas deixaram de ser realizadas porque “não interessavam à narrativa”.
O advogado também acusa o MPCE de “querer culpar alguém” ao invés dos verdadeiros culpados, apenas para dar satisfação à opinião pública. Frente às provas apresentadas, a expectativa da defesa é de absolvição de Marcílio e Luciano.
“Estão acusando, mas não tem nenhuma prova disso. Não tem nenhuma perícia. Já viu aquele joguinho que a gente faz quando é pequeno? Ligar o queijo com o rato? O rato com o gato? Tem que ser feita essa ligação. Tal crime foi tal policial com tal arma com tal munição, que às tantas horas atirou. Não tem nada, só imaginação”, conclui.
De acordo com o procurador-geral de Justiça do MPCE, Haley Carvalho, os dois reús estão inseridos no núcleo de execução do crime. No dia do episódio, conforme a denúncia do MP, os suspeitos estavam à paisana e não estavam trabalhando. O procurador afirma que eles teriam se deslocado até o local do crime e participaram efetivamente da execução das vítimas.
“Ele [Marcílio] tem uma participação relevante. Teria trabalhado inclusive chamando as pessoas para isso [chacina]. Isso vai ser colocado durante os debates e durante o julgamento do processo. Mas que ele tem uma participação importante na chacina, isso já está claro dentro do processo”, explica o procurador-geral de Justiça do Ceará, Haley Carvalho.
Já em relação a Luciano Breno, foi indicado que o carro da mãe dele circulou na região e no horário nos quais a chacina ocorreu. Em depoimento em fase de inquérito, o PM afirmou que apenas se dirigiu ao Frotinha da Messejana, onde se reuniam policiais para prestar solidariedade à morte do soldado Serpa.
Confira os resultados dos últimos julgamentos da chacina:
Acusação nega falta de provas e mães pedem “justiça concreta”
Também presente no fórum, a acusação dos réus, composta pelo Ministério Público e a Defensoria Pública do Ceará (DPCE), contrapõe a afirmação de Medeiros e alega ter provas suficientes para a condenação dos réus.
Para a DPCE, assistente de acusação no caso, provas como plotagens de viaturas e exames balísticos, como também o depoimentos dos sobreviventes vão apontar para a condenação.
“Existem laudos periciais, laudos sobre as armas, existem testemunhas, sobreviventes, gravações do Ciops que demonstram onde estavam viaturas em determinado momento, mensagens em grupos de policiais atestando a participação, então a prova é múltipla nesse sentido”, pontua o defensor público Leandro Bessa.
Em meio a essa disputa entre as versões de acusação e defesa estão os familiares das vítimas, que também estão presentes no Clóvis Beviláqua para o julgamento. Antes do início do júri, o coletivo Mães do Curió, composto por familiares das vítimas (fatais e sobreviventes) da chacina, concedeu entrevista coletiva à imprensa na entrada do Fórum, onde ressaltou o pedido por justiça.
“O que não tivemos da vez passada, vamos ter agora. A justiça concreta. Não podemos viver esta dor, este luto, sem uma resposta. E a resposta que precisamos e merecemos é que a justiça se cumpra. Cada assassino que vitimou aqueles jovens, que venham a ser condenados”, afirma Silvia Pereira, mãe de um dos sobreviventes.
Após a absolvição de 21 dos 27 réus até aqui, os familiares das vítimas ainda se dizem confiantes para o júri final. Palavras como “perseverança” e “fé” são recorrentes nas falas de quem há dez anos luta pela condenação dos assassinos de seus entes queridos.
Um dos resultados mais contestados é o do último julgamento, que acusou sete policiais militares de omissão, já que estavam de serviço na madrugada daquele dia 12 e não impediram as mortes.
A previsão é de que o quinto e último júri dure até a próxima sexta-feira, 26. Pelo menos 18 pessoas devem ser ouvidas entre réus e testemunhas de ambas as partes. Os réus são apontados como parte crucial da chacina, sendo Marcílio, por exemplo, acusado de convocar os policiais para cometer os crimes. (Colaborou Mirla Nobre)
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Com informações da repórter Mirla Nobre
Atualizada às 16h05min