Dia das Namoradas: de colegas de igreja a mulheres apaixonadas

Dia das Namoradas: de colegas de igreja a mulheres apaixonadas

Hoje casadas, Mariana e Adriana Brizeno contam como o amor as transformou e como sentiram na pele o preconceito que outrora elas mesmas disseminaram

Jantar fora, escrever cartas, assistir a um filme de conchinha, ver o pôr do Sol na praia… as possíveis programações para o Dia dos Namorados são muitas. Dá tempo até de sentar para lembrar o passado, comentar o presente e prospectar o futuro. É o caso de Mariana e Adriana Brizeno, de 45 e 53 anos.

“Quando paramos para criar aquele espaço só nosso, temos a oportunidade de conversar sobre o relacionamento”, conta Mariana, que é farmacêutica e mãe de dois filhos. “A gente sempre pontua uma para a outra o que não está legal. Desentendimentos não ditos por conta da correria”, exemplifica.

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Os momentos também aguçam lembranças do casal, diz ela. “Gostamos de relembrar as coisas que a gente passou. Quanta superação a gente teve. Acho nossa história muito bonita.”

“A gente teve que enfrentar tanta coisa para estar juntas, até contra nós mesmas”, complementa. “Gostamos, sempre que possível, de relembrar isso, mas também usamos o momento para projetar nosso futuro.”

Ela não exagera quando menciona a superação experienciada pelo casal. Ela e Adriana se conheceram por volta de 2010, quando ambas vivenciavam o cotidiano de uma igreja evangélica. À época, Mariana estava casada com um homem há 10 anos e passava por complicações matrimoniais.

“Eu entrei na igreja meio que para salvar o casamento, mesmo”, relata. “Buscava respostas na Bíblia. Achava que estava fazendo alguma coisa de errado para meu casamento não dar certo. Durante dois anos, li a Bíblia toda.”

A filha de Mariana, Marília, também participava dos momentos religiosos e foi ela quem conheceu Adriana, então professora de estudos bíblicos. Marília enfrentava questões sobre sua sexualidade e pediu a ajuda de Adriana para conversar com a família. “A partir daí, a gente passou a desenvolver uma amizade.”

Amizade essa tão expressiva que Adriana ajudava Mariana nas tentativas de reerguer seu casamento. “Eu e Adri fazíamos leitura da Bíblia juntas. Plano de leitura, propósito de oração.”

Por isso que, quando a inevitável separação de Mariana ocorreu, em 2015, Adriana se afastou da amiga, agarrada às visões religiosas sobre casamento. “Tínhamos essa questão de seguir os princípios bíblicos. Então, casamento não acaba, você tem que aguentar o que for.”

Foi a partir do afastamento entre as duas, na visão de Mariana, que surgiram sentimentos conflitantes, em ambas. A farmacêutica casou com 17 anos e, após a separação, “passou a viver” e sair para encontros.

“Ela [Adriana] ficava sabendo de tudo. Acho que ali foi surgindo um sentimento para ela. E eu passei a sentir muita falta [dela]. Para mim, foi muito difícil, porque ‘perdi’ o marido e a melhor amiga.”

A distância entre Mari e Adri seguiu até as duas sentarem para conversar: “Quando a gente conversou e viu que aquele sentimento era recíproco, a gente acabou decidindo ficar juntas mesmo. Fomos aos poucos, sabíamos que seria bem difícil, mas não passou pela nossa cabeça não assumir [o relacionamento]”.

Mariana relembra que “100% dos amigos” das duas era da igreja, por isso a maioria desses vínculos não existe mais. “Para ser sincera, da igreja ficou uma pessoa só. Que ainda estava na igreja na época e não virou as costas para a gente. Diziam a ela que se afastasse, inclusive.”

Por isso, Mariana reforça o papel da família neste processo. Segundo elas, mesmo aqueles parentes que apresentaram alguma resistência — como o pai dela, que chegou a cessar interações — eventualmente cederam.

Juntas, celebrar e lembrar

Como Mariana disse, ela e Adriana, que hoje é professora e estudante de Psicologia, começaram o relacionamento com determinação. Um ano após assumirem seus sentimentos, foram viver juntas sob o mesmo teto, em uma casa adquirida por ambas. Mais um ano depois, veio o casamento.

“Foi festa mesmo. A gente queria muito esse marco do casamento. Era uma coisa importante para nós duas, viver isso, como qualquer outro casal”, conta a fortalezense.

Casaram exatamente no dia em que completaram dois anos de namoro. O simbolismo representa a importância que ambas atribuem à comemoração. “Gostamos de celebrar aniversário de casamento. Fazer uma pequena viagem, ou um programa diferente. Dia dos Namorados também.”

Mariana sublinha o direito de celebrarem “como qualquer outro casal, sem se esconder, tendo o privilégio de demonstrar afeto”. Ela relembra uma situação ocorrida há dois anos, em um restaurante que gostavam de frequentar. Era 12 de junho e os casais recebiam lembranças do estabelecimento, mas Mariana e Adriana foram ignoradas, mesmo tendo comprado o pacote de serviço para dois.

“A gente estava de carro, mas ficamos em frente ao restaurante, fingindo esperar Uber. A dona do restaurante passou e não disse nada. A gente queria ter certeza que estávamos sendo tratadas diferente.”

Mesmo tendo convicção de seus valores, Mariana e Adriana ficaram abaladas com o ocorrido. “Fiquei triste, chorei. Foi muito revoltante.”

"Cada vez mais, essas datas, como Dia dos Namorados, precisam ser ocupadas por casais mais diversos, para que as pessoas percebam que é apenas o direito de ser, como qualquer pessoa."

Mariana Brizeno, farmacêutica

Ressignificação a partir da Bíblia

Antes assumidamente preconceituosas, Mariana e Adriana enfatizam terem enfrentado uma transformação de percepções, a partir do amor delas e também das demandas de Marília, filha de Mariana.

“Eu dizia parecer piada, o que estava acontecendo conosco”, conta a farmacêutica. “Homossexualidade era uma coisa que não aceitávamos. Tínhamos a visão bem tradicional da igreja. Parecia que Deus tinha pregado uma peça em mim. Por que como é que eu não aceitava minha filha e estava acontecendo isso comigo?”, aponta.

Ela complementa que, a partir da leitura da Bíblia, conseguiu ressignificar o que entendia a respeito da homoafetividade: “Se você realmente estuda, entende quem foi Jesus, você entende que Deus não é esse que vira as costas, que recrimina”.

O processo de reconstrução de significado a preparou para o momento de assumir seus sentimentos por Adriana. “Tanto que quando a gente conversou, imediatamente a gente já decidiu ficar junta, né?”

“Acho que uma dúvida foi sendo plantada na minha mente. ‘Mas será mesmo que Deus abomina o amor? Como, por que Deus abominaria o amor?’”, enfatiza.

O comportamento LGBTfóbico anterior ressoou na própria experiência do casal. “Quando nos envolvemos, sentimos na pele o que a gente fazia com as outras pessoas. Na verdade, a gente sentiu muito pouco na pele, porque o que a gente fez foi muito pior do que sofremos”, diz Mariana.

“Éramos mulheres adultas independentes”, continua ela, “poderíamos fazer o que quiséssemos da nossa vida, tanto que fizemos. Minha filha não podia, era uma adolescente”.

A lição que Mariana e Adriana tiram dessa experiência, iniciada há cerca de 10 anos, é a de que “nunca é tarde para a gente encontrar felicidade”.

“Eu não era feliz. Vivi momentos felizes antes de estar com Adriana, óbvio. Tive meus filhos, mas eu não era uma pessoa feliz e realizada com meu relacionamento, porque era muito aquém daquilo que eu achava que deveria ser: parceria e amizade. Uma relação saudável entre um casal.”

Ela é enfática: “Sempre há tempo para encontrar nossa felicidade”. “E, nos momentos em que estamos juntos, é importante aproveitar, porque é uma oportunidade a mais. É se presentear com a presença do outro, com palavras...”

Adriana reforça a mensagem de agarrar o amor, dada a chance: “Quando o amor se apresenta para você, você sente que é de verdade. Se olhar para os lados, pode deixar passar uma oportunidade real. Se você já tem amor, cultive e ame. Se não, esteja aberto para que ele chegue até você”. “Viver esse amor na plenitude vale muito a pena”, conclui.

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