Ato lota Praia de Iracema e cobra fim dos feminicídios no Ceará
Em meio à escalada de feminicídios, ato massivo toma a Praia de Iracema e reforça o grito nacional por "mulheres vivas"
A Praia de Iracema foi tomada por uma multidão na tarde deste sábado, 7, em um dos maiores protestos já realizados em Fortaleza contra a violência de gênero.
O ato, parte da mobilização nacional “Mulheres Vivas”, ocorre justamente na semana em que o Ceará registrou o maior número de feminicídios desde 2018, segundo dados da SSPDS.
A onda de assassinatos que chocou o País — e que inclui casos recentes em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais — fez eco também na capital cearense.
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Organizado em poucos dias por movimentos feministas, coletivos, sindicatos e associações, o protesto reuniu mulheres, homens, jovens, idosos e famílias inteiras.
Era possível ver cartazes com frases como “parem de nos matar” e “queremos voltar vivas para casa”, repetidas em coro em diversos momentos da caminhada.
Manifestação reflete a indignação com onda de violência
Para a deputada estadual Larissa Gaspar (PT), presente ao ato, a força da manifestação reflete o acúmulo de dor e indignação.
“Foi um ato muito importante, organizado inclusive de forma espontânea, diante de tantos casos estarrecedores de violência e feminicídio. A sociedade se organiza para ir às ruas dar um basta nessa violência que nos atinge diariamente”, afirmou.
Ela destacou ainda a necessidade de orçamento robusto para políticas voltadas às mulheres, lembrando que sem recursos não se consolida prevenção nem responsabilização adequadas.
Segundo a social media Michele Macedo, uma das responsáveis pela convocação, o ato cresceu rapidamente.
“Foi tudo muito em cima da hora, mas a mulherada se juntou. Tem gente de Juazeiro do Norte, Sobral, Canindé, várias cidades. E tem muitos homens também — e isso é importante. Quem gosta das mulheres tem que proteger”, disse.
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A diversidade do público foi destacada também por Amanda Melo, vice-presidente da Associação Marta, ONG que oferece acolhimento psicológico e jurídico a mulheres vítimas de violência.
“A violência contra a mulher é democrática, atinge todas as classes sociais. Ver homens e mulheres de partidos diferentes, de diversas orientações, reunidos aqui, mostra que essa causa tem que ser de toda a sociedade”, afirmou.
Para ela, políticas preventivas, educação para meninos e meninas e observatórios de violência são urgentes.
Homens convocados ao centro do debate
Um dos elementos que mais chamou atenção no ato foi a presença masculina. O arquiteto Leonardo Ribeiro reforçou que não há enfrentamento sem o engajamento dos homens.
“Sem a nossa presença para mudar a estrutura, isso não vai acontecer. A mudança é diária: dentro de casa, no trabalho, na rua. É não interromper mulheres, dividir tarefas, refletir quando somos apontados por atitudes machistas.”
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A sindicalista Izaltina Gonzaga também defendeu que homens assumam responsabilidade:
“A maioria das violências é causada por ex-companheiros que não suportam ouvir ‘não’. É preciso que eles percebam que violência não gera vida, gera morte.”
A educadora social e militante feminista Margarida Marques alertou para um cenário de “epidemia de feminicídios”, alimentada, segundo ela, por uma cultura machista de violência, intensificada pelas redes sociais.
“Há homens ensinando outros homens a desvalorizar mulheres, chamando mulheres de 28 anos de ‘rodadas’. Isso tem impacto direto na violência”, disse. Casos recentes que viralizaram na internet, como o do influenciador conhecido como “calvo do Campari”, foram lembrados nas falas.
Sua colega, a assistente social Cássia Belém, relatou a dificuldade cotidiana enfrentada por profissionais que atendem vítimas.
“Tem mulher que chega espancada, com medida protetiva que o agressor não respeita. A violência psicológica amarra muitas delas. A gente sofre junto”, contou, emocionada, ao lembrar o caso da policial assassinada pelo ex-parceiro nesta semana.
Movimento cresceu mesmo em poucos dias
A militante feminista Vládia Furtado, uma das articuladoras estaduais, explicou que o levante nacional foi antecipado devido à onda de assassinatos.
“Enquanto organizávamos o ato, já tinham acontecido dois novos feminicídios no Ceará. As mulheres estão morrendo. O Estado precisa intervir de forma mais rígida”, afirmou. Ela também criticou a insuficiência dos recursos destinados às políticas para mulheres.
Para a professora Carolina Junqueira, a escola tem papel central, mas ainda carece de políticas específicas.
“O currículo trabalha violência de maneira geral, mas não há legislação específica para combater violência contra a mulher nas escolas. A gente tenta formar adultos diferentes, mas falta apoio”, disse.
Ela destacou o impacto da violência no ambiente escolar: “Muitas crianças já convivem com isso dentro de casa, e por isso precisamos fortalecer a escola, que pode ser esse ponto de apoio para a comunidade”.
“Queremos voltar vivas”
Na Praia de Iracema, o clima era de indignação, mas também de possibilidade coletiva. Durante o percurso, placas, camisetas, cartazes e cruzes com os nomes das vítimas foram erguidos, em memória das mulheres assassinadas.
As manifestações em Fortaleza acontecem simultaneamente às mobilizações em outras 20 capitais, estimuladas por episódios que chocaram o País, como o assassinato brutal da cabo do Exército Maria de Lourdes Freire Matos, de 25 anos, em Brasília, o duplo feminicídio no Cefet-RJ e o atropelamento de Tainara Souza Santos, em São Paulo.
De acordo com o Ministério da Mulheres, 2025 já ultrapassou 1.180 feminicídios apenas até o início de dezembro. Em 2024, o Brasil viveu o maior número desde que o crime foi tipificado: 1.492 mulheres assassinadas em razão do gênero.
Ministras do governo federal — entre elas Márcia Lopes (Mulheres) e Anielle Franco (Igualdade Racial) — têm defendido penas mais duras, ampliação da rede de proteção, fortalecimento das Casas da Mulher Brasileira e investimentos contínuos.
“É urgente, é necessário. Chega de fazer da mulher um objeto. Queremos respeito e vida para todas”, resumiu Izaltina Gonzaga, enquanto a multidão repetia o grito que marcou o ato: “Parem de nos matar.”
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