As histórias reais que inspiraram os livros "Oração para Desaparecer" e "A Cabeça do Santo", de Socorro Acioli

As histórias reais que inspiraram os livros "Oração para Desaparecer" e "A Cabeça do Santo", de Socorro Acioli

Entre o sertão e o litoral cearense, as obras da escritora unem fatos históricos, fé popular e ancestralidade para dar vida a narrativas de magia e memória

A literatura de Socorro Accioli nasce de lugares e pessoas reais, transformados pela força da imaginação, mergulhando nas pluralidades de histórias e contos do Brasil.

Reconhecida por dar voz ao Nordeste profundo, a autora cearense cria histórias que partem de fatos verídicos e espaços concretos como uma estátua inacabada no sertão e uma igreja soterrada pela areia  para compor narrativas onde o real se mistura ao sagrado, ao sonho e ao impossível.

Confira a seguir as histórias reais que inspiram os romances “Cabeça de Santo” e “Oração para desaparecer”.

 

A escultura que deu origem a “A Cabeça do Santo”

A ideia para o romance A Cabeça do Santo, lançado em 2014, surgiu ao ler uma reportagem sobre uma estátua do interior do Ceará, na cidade de Caridade, a cerca de 100 km de Fortaleza.

No local, uma imensa imagem de Santo Antônio, com mais de 19 metros de altura, se destacava pela peculiaridade: estava sem o corpo concluído, com a cabeça da escultura a quilômetros de distância do corpo.

O inusitado da cena, a cabeça de santo solitária, despertou a curiosidade de Socorro Acioli. A escritora começou a imaginar quem teria construído a estátua, por que ela fora abandonada e o que aconteceria se alguém resolvesse morar ali dentro.

Dessa imagem nasceu a história de Samuel, um jovem sem rumo que, fugindo de uma vida difícil, encontra abrigo dentro da cabeça oca do santo e descobre que pode ouvir as orações das mulheres da cidade fictícia de Candeia.

 

A partir dessa premissa, Acioli criou um romance que discute solidão, fé, esperança e o poder das palavras no Ceará. A escultura de Caridade, por sua vez, foi iniciada em 1984, mas a obra nunca foi concluída por falta de recursos, paralisada dois anos depois.

Hoje, a imagem ainda existe e se tornou parte do muro de uma família residente da cidade e ponto turístico, atraindo curiosos e devotos que visitam o local em busca de bênçãos: uma coincidência simbólica com a história criada pela autora.

A autora conta que a ideia do livro foi apresentada ao escritor colombiano Gabriel García Marquez em 2006, durante uma oficina de escrita oferecida por ele.

A ideia, inicialmente um roteiro, se expandiu para um romance e foi publicado oito anos depois com grande influência e homenagem ao vencedor do Prêmio Nobel de Literatura.

 

A igreja soterrada que inspirou “Oração para Desaparecer”

Enquanto "A Cabeça do Santo" mergulha no sertão, "Oração para Desaparecer" nasce das areias do litoral cearense.

A autora conta que a ideia do livro surgiu quando uma amiga a enviou uma fotografia de uma igreja quase soterrada.

A construção em si, localiza-se na praia de Almofala, no município de Itarema (distante 211 km de Fortaleza), e é conhecida como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição: erguida no século XVIII que ficou soterrada pelas dunas por mais de 70 anos.

A história é real: a igreja, tombada pelo Iphan, foi redescoberta em meados da década de 1980, quando os ventos e o movimento natural das areias começaram a revelar suas paredes. 

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Em artigo publicado na Revista da Academia Brasileira de Letras, a autora comenta que foi até o local e assistiu à missa, mesmo não sendo católica, para entender o apelo da população.

"Falei com muita gente e me contavam o que ouviram dos seus pais e avós. Que a duna, de noite, assustava. Que ouviam o sino badalando ali por baixo."

O caso mobilizou a comunidade local e ganhou destaque pela resistência da fé do povo indígena Tremembé, que continuava realizando missas e rezas no local mesmo quando a igreja estava completamente coberta.

A partir desse fato, Socorro Acioli criou a trama de "Oração para Desaparecer", em que Cida, uma mulher brasileira, é desenterrada em Portugal sem memória e tenta descobrir suas origens.

A autora percebeu que também existia uma região portuguesa chamada Almofala e decidiu construir um elo entre os dois lugares: um no Ceará e outro na Europa, explorando as conexões históricas entre colonização, espiritualidade e pertencimento.

 

Fé, memória e o poder da imaginação

As duas histórias revelam o que há de mais marcante na literatura de Socorro Acioli: a habilidade de transformar o concreto em simbólico.

Tanto a cabeça do santo inacabada quanto a igreja soterrada existem de fato, mas em suas mãos esses cenários se tornam metáforas da condição humana: o que está escondido, o que foi esquecido, o que resiste ao tempo.

Ambas as obras partem de um Ceará real, mas falam de temas universais como amor, solidão, memória e pertencimento.

Com essas histórias, Socorro Acioli reafirma sua posição entre as vozes mais sensíveis da literatura contemporânea brasileira, uma autora que encontra nas narrativas do povo e nas paisagens do Nordeste os caminhos para contar sobre o que é humano, místico e eterno.

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