Cannes 2024: Vitória de "Anora" cristaliza guinada a Hollywood

Celebrando um dos grandes favoritos da edição, a Palma de Ouro foi entregue a um filme americano pela primeira vez em mais de 10 anos
Autor Arthur Gadelha
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Quando a cerimônia de encerramento do 77º Festival de Cannes começou com um letreiro de Star Wars em alusão ao homenageado da noite, George Lucas, acendeu-se a suspeita de que o fim daquela noite poderia formar uma rima agridoce – afinal, o americano Sean Baker e a equipe do seu filme “Anora” já tinham sido vistos no tapete vermelho. As previsões do público se confirmaram e o filme venceu a cobiçada Palma de Ouro.

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No artigo publicado ontem no O POVO, eu comentei que era tão óbvia a ideia da cineasta americana Greta Gerwig entregar o maior prêmio do festival a Baker que isso poderia impedi-la. Diretora do fenômeno “Barbie”, ela e o cineasta vem de lugares parecidos do “cinema indie” americano com tramas urbanas de baixo orçamento.

Mas o júri, importante reforçar, conta ainda Ebru Ceylan (Turquia), Lily Gladstone (EUA), Eva Green (França), Nadine Labaki (Líbano), Juan Antonio Bayona (Espanha), Perfrancisco Favino (Itália), Hirokazu Kore-eda (Japão) e Omar Sy (França). Todos são responsáveis, portanto.

A vitória de “Anora” deixou parte da crítica incrédula com o iraniano “The Seed of the Sacred Fig”, de Mohammad Rasoulof, ter perdido a Palma para um “prêmio especial” de consolação. Condenado a prisão no Irã, o diretor arrancou a tornozeleira e fugiu pela Europa para conseguir apresentar o filme no festival.

Essa celebração, porém, parece estar em sintonia com a proximidade que Cannes vem estabelecendo nos últimos anos com o cinema de Hollywood. Depois que lançaram “Parasita” da Palma de Ouro para o Oscar de Melhor Filme em 2020, já homenagearam Tom Cruise, Jodie Foster, Spike Lee, Meryl Streep, Forest Whitaker e até George Lucas, ícones do seu cinema comercial.

Em 2022, a edição comemorativa de 75 anos de Cannes não foi ilustrada por nenhum clássico filme francês, mas por Jim Carrey subindo as escadas em “Show de Truman” (1998), em referência ao mundo real que voltaríamos a ver depois da pandemia de Covid-19.

A imaginada divisão entre o “Cinema Europeu” e o “Cinema Americano” não é algo que preocupa o festival. Isso também me lembra do choque da crítica quanto “Coringa”, de Todd Philips, venceu o prêmio máximo no Festival de Veneza e entregue pelas mãos da cineasta argentina Lucrécia Martel.

Ainda não se sabe data de estreia, mas “Anora” é um filme tão elétrico que me parece impossível seu barulho não persistir até chegar no Oscar em Direção, Atriz ou Roteiro Original, o que fecharia o arco completo dessa sua trajetória que parte de um festival francês tão afável com essa expansão da cultura estadunidense que influencia a história do cinema há tanto tempo. Se isso vai realmente acontecer, veremos.

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Dirigido Coralie Fargeat, o terror “The Substance” venceu o prêmio de Melhor Roteiro. Mesmo com diretora francesa, o filme é estrelado por Demi Moore e Margaret Qualley e falado em inglês. Jesse Plemons venceu o prêmio de Melhor Ator por seu trabalho na antologia “Tipos de Gentileza”, de Yorgos Lanthimos.

Para além dos EUA, houve a celebração emocionante de “Tudo Que Imaginamos como Luz”, da diretora indiana Payal Kapadia, que subiu no palco com parte da sua equipe colorindo um pouco mais a tediosa formalidade das vestimentas do festival. O francês “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, celebrou a vitória da primeira mulher trans a vencer um Prêmio de Atriz no evento: a espanhola Karla Sofía Gascón, que ganhou junto de Adriana Paz, Zoe Saldaña e Selena Gomez.

“Grand Tour”, do português Miguel Gomes, venceu o prêmio de Direção por sua aventura em uma Ásia construída em estúdios. O filme contou inclusive com trabalho de dois brasileiros na direção de arte: Thales Junqueira e Marcos Pedroso.

Para mim, que tive a oportunidade de cobrir o festival pela primeira vez, assistir parte desses filmes que saíram vencedores e escrever para O POVO, é uma pena que dois dos meus grandes favoritos tenham saído de mãos vazias: “Capturado pelas Marés”, do chinês Jia Zhangke, e “Bird”, da britânica Andrea Arnold.

Mesmo desagradando parte da crítica, essa guinada de Cannes a Hollywood tem tudo para ser celebrada porque os filmes podem ser abraçados por uma indústria cada vez mais obcecada pela emulação de grandes épicos, remakes e continuações. Se essas vitórias americanas foram merecidas, porém, é um debate que ainda vai ser caloroso e interessante de acompanhar de perto.

Cannes 2024: veja todos os vencedores

  • Palma de Ouro: "Anora", de Sean Baker
  • Grande Prêmio: "Tudo Que Imaginamos Como Luz"
  • Prêmio do Júri: Emília Pérez
  • Melhor Diretor: Miguel Gomes, de Grand Tour
  • Melhor ator: Jesse Plemons, de Tipos de Gentileza
  • Melhor atriz: Adriana Paz, Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón e Selena Gomez, de 'Emilia Perez'
  • Melhor Roteiro: “A Substância”, de Coralie Fargeat
  • Camera d’Or (Melhor Primeiro Filme): “Armand”, de Halfdan Ullman Tondel
  • Curta-metragem Palma de Ouro: “O homem que não conseguia permanecer em silêncio”, de Nebojsa Slijepcevic
  • Menção Especial Curta-Metragem: “Ruim por um momento”, de Daniel Soares

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