Filme experimental aborda consequências de violências contra crianças

Em "Abismo - Minha História de Violência", a violência física não é colocada explicitamente, e também são mencionadas violências simbólicas

Em uma conversa despretensiosa entre amigos, alguém decide fazer uma pergunta nostálgica: “Qual é a primeira lembrança que você tem da sua infância?”. Quando são contadas as memórias, ainda falta uma pessoa responder: “A única lembrança que eu tenho sou eu apanhando”. Pronunciada pelo ator Betinho Neto, a frase, além de ter trazido à tona um passado sofrido, serviu como ponto de partida para o desenvolvimento do filme experimental “Abismo - Minha História de Violência”, que será lançado nesta quinta-feira, 19, no canal da Sanatório - Produção Criativa no YouTube. O trabalho aborda os impactos de violências praticadas contra crianças.

Após pesquisas de filmes e diretores que retratam violência em suas obras, como o cineasta dinamarquês Lars Von Trier, e de leituras de textos sobre a influência da violência em adultos, Betinho Neto começou a construir, junto com a direção de Nildo Ferreira, uma obra a partir de suas vivências. Nesse trabalho, são exibidos cenários que transmitem ambientes que se passam na mente da personagem, passando por etapas da infância, da adolescência e da fase adulta. Em comum, medos, aflições e violências sofridas ao longo desses períodos.

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Para Betinho, além de relembrar as violências sofridas, o desenvolvimento do filme o permitiu refletir sobre quando desejou seguir a carreira no teatro e foi desestimulado. “Foi muito difícil revisitar essas memórias, porque não é fácil voltarmos a lugares em que não estamos acostumados a ir sempre. Eu tive ajuda do meu terapeuta para fazer isso de forma consciente e de uma maneira que não fosse me machucar ainda mais”, relata.

Ele enxerga, porém, outros lados desse processo: “São feridas que precisam ser curadas, e só quem pode curar somos nós. Olhar para esse processo tem uma coisa gentil, sabe? Precisa ser forte, então também é um ato de coragem. Eu acho muito importante poder mostrar por meio da arte os efeitos da violência na vida de alguém”.

As marcas da violência

Betinho sabe bem das marcas que carrega por causa das violências que sofreu ao longo de sua vida. Alguns dos reflexos apontados pelo ator são a baixa autoestima enquanto adulto e a carência de afeto. “Nós não temos muito amor e não sabemos como demonstrá-lo, e aí precisamos fazer um trabalho forte para contornar isso”, acrescenta. Além disso, ele observa uma tendência de “normalizar” situações de violência. Em seu caso, chegou a ter um tornozelo quebrado em um relacionamento, mas na época não “viu o absurdo disso” porque, em seu repertório, aquilo era “normal”.

O filme traz logo em seu título a intenção do artista de falar sobre a profundidade do assunto, repercutindo em várias fases da vida de uma pessoa. Em sua visão, o ator compreende que as marcas de violências comprometem, nas vítimas, a autoestima e a capacidade de desenvolver relacionamentos afetuosos, caindo, assim, “em um abismo difícil de sair”.

A proposta do filme, então, seria debater tais questões para, a partir disso, encontrar saídas. “Muitos de nós já estiveram nesse abismo ou então um dia estaremos, porque vivemos em uma sociedade violenta em que não há prosperidade enquanto essas violências existirem. É muito importante falar disso”, destaca.

Em “Abismo - Minha História de Violência”, a violência física não é colocada explicitamente, e também são mencionadas violências simbólicas. Betinho as exemplifica como agressões “psicológicas, morais, sexuais e patrimoniais”. No processo investigativo de experimentação cênica, as denúncias do ator alcançam tópicos sobre violência doméstica, ataques homofóbicos e outras questões.

Irmão interpretando irmão

Para Betinho Neto, uma aparição se destaca: a de seu irmão, Robson de Moura, interpretando a sua versão adolescente e “revivendo momentos chaves” de sua vida. Neto comenta que foi “difícil” inicialmente assimilar essa situação, mas revela que “foi importante” para o relacionamento entre os dois.

“Nossa relação melhorou muito. Nós tivemos que fazer leituras em conjunto do texto e, conversando, começamos a nos entender melhor e a nos respeitarmos mais”, afirma. A partir da sinceridade e dessa parceria, Betinho e Robson ficaram mais unidos.

De sábado, 21, a segunda-feira, 23, haverá bate-papos pelo Google Meet após as exibições da obra, em uma interação dos realizadores da produção audiovisual com os espectadores. O artista encara esses encontros virtuais como oportunidades de “trocas” de histórias: “Espero que possamos trocar informações sobre as nossas vivências. Muitas pessoas têm alguma história de violência para contar”.

Assim, o ator acredita que será possível estabelecer uma rede de suporte para que “esses episódios machuquem menos”. “Através da arte nós conseguimos trazer diálogo”, acrescenta. Com o filme, Betinho deseja provocar reflexões nos espectadores: “Espero que seja realmente um alerta para quem assistir e que essas pessoas modifiquem o discurso. Nós precisamos acabar com essa questão de bater, de ser violento não só fisicamente, mas também de agredir com as palavras. Assim, evitar que as pessoas se tornem adultos cheios de traumas, ausências e carências”.

Abismo - Minha História de Violência
Quando: nesta quinta-feira, 19; de sábado, 21, a segunda-feira, 23; sempre às 20 horas. Bate-papos no Google Meet após exibições do filme
Onde: Sanatório - Produção Criativa no YouTube

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