Fachada da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza passa por reforma
As obras iniciaram em setembro e são realizadas em parceria com a iniciativa privada, por meio de doações. Os atendimentos continuam normalmente
16:55 | Out. 07, 2025
A Prefeitura de Fortaleza realiza obras de recuperação da fachada da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza. Iniciada em setembro passado, a reforma é feita em parceria com a iniciativa privada, por meio da doação dos materiais, sem uso de recurso público, conforme a direção da instituição.
Sem anunciar data, a administração informou, em nota, que as obras devem seguir pelos próximos meses, não prejudicando o funcionamento do hospital. Dessa forma, todos os atendimentos na instituição seguem normalmente.
De acordo com a diretoria do hospital, a reestruturação faz parte de um plano maior de recuperação física e funcional, que prevê melhorias em vários setores do equipamento.
Em 15 de julho, a Prefeitura assumiu a administração do hospital, por meio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Publicada no Diário Oficial do Município (DOM), a intervenção tem validade de 180 dias, que podem ser prorrogados ou cessados antes de sua finalização, caso haja necessidade.
A medida, segundo a atual gestão, foi necessária para “garantir a continuidade dos serviços à população, depois do fechamento de enfermarias e da suspensão de atendimentos e cirurgias no hospital”.
Em junho, a Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza suspendeu, de forma provisória, o recebimento de novos pacientes na unidade por problemas financeiros. A informação foi confirmada, à época, ao O POVO pelo provedor da unidade de saúde, Vladimir Spinelli.
Destacando o apoio dos governos federal, estadual e municipal, o hospital informa que normalizou o pagamento de salários, fornecedores e despesas e segue com gestão equilibrada e atendimentos regulares.
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Conforme a atual administração, a Santa Casa já reformou e reabriu mais de 140 leitos, nove salas cirúrgicas e retomou os atendimentos nos ambulatórios. Além disso, foi garantida a continuidade dos tratamentos de quimioterapia e hemodiálise.
Na sexta-feira, 3, a Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza e a Santa Casa da Misericórdia de Sobral aderiram ao programa Agora Tem Especialistas.
As instituições integram a lista de estabelecimentos de saúde da rede privada que atuam no Ceará e receberão até R$ 2 bilhões por ano em créditos financeiros.
O recurso deverá ser usado para abater dívidas federais, vencidas ou a vencer, em contrapartida aos serviços prestados essenciais aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza: 164 anos de história e saúde pública
A construção do Hospital Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza data de 1847, sob iniciativa do presidente da Província, Inácio Correia de Vasconcelos. Sua conclusão, em 1957, só foi possível por meio de doações em dinheiro enviadas pelo poder público, por particulares, e por meio da extração de loterias e rendimentos do cemitério.
Seu funcionamento, entretanto, não foi imediato. O equipamento foi inaugurado apenas em 14 de março 1861, no momento em que a Irmandade da Misericórdia de Fortaleza começou a atuar, a partir da lei nº 928, de 16 de agosto de 1860.
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Até a década de 1930, a Santa Casa foi o único hospital público de Fortaleza. Entre as principais motivações para a construção do equipamento, destacam-se a seca de 1845 e as epidemias de febre amarela (1851) e de cólera (1862-1864), que vitimaram milhares de pessoas.
Em entrevista ao O POVO, a doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Luciana de Moura Ferreira conta que anteriormente a criação da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, existiam os lazaretos temporários e as enfermarias jesuíticas, que ficavam na região da Jacarecanga.
"Nesse sentido, ela foi um dos primeiros hospitais do Ceará e refletia o ideal de modernização que estava em voga, pois a medicalização da cidade e da população funcionava como estratégia de modernização urbana, alinhando-se às teorias higienistas europeias que enfatizavam a salubridade como condição para o progresso", destaca.
Em sua tese “A Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza: acolhimento de enfermos e educação para a saúde pública (1861-1889)”, a pesquisadora destaca que a fundação do hospital representou um processo de racionalização institucional da filantropia a serviço da sociedade.
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Ainda nessa perspectiva, de acordo com a pesquisadora, "a história da Santa Casa nos mostra como a caridade serviu de instrumento ao poder político para a oferta de saúde pública, medicalizando a sociedade e disciplinando corpos em meio a crises econômicas, sociais e sanitários como secas e epidemias".
Segundo Luciana, a interdependência entre filantropia e Estado revela que a assistência aos desvalidos não era mero ato humanitário, mas também estratégia de controle social e desenvolvimento. "Pensar sobre isso hoje, nos alerta para a necessidade de equilibrar parcerias público-privadas na saúde, evitando que a caridade substitua responsabilidades estatais", pondera.
O funcionamento do hospital, a partir da década de 1860, inaugurou uma nova realidade para os serviços de saúde pública do Ceará. “A instalação da Misericórdia de Fortaleza possibilitou uma revolução na assistência médica cearense, pois inseriu a prática cirúrgica seguindo os preceitos modernos de assepsia”, detalha em sua pesquisa.
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Além da presença do corpo médico, em 1870, chegaram a Fortaleza as filhas de São Vicente, vindas do Rio de Janeiro, para cuidar do hospital da Misericórdia e atuarem como enfermeiras.
O investimento em um aparato médico legal capaz de atender as demandas de saúde dos desvalidos da cidade foi reforçado pelos discursos médicos provenientes das medidas de combate à epidemia de varíola que acometeu a cidade de Fortaleza nos anos de 1945 e 1946.
Nesse contexto, a partir de 1961, a Capital passou a deter um maior zelo com a instituição.
De acordo com Luciana, a Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza como patrimônio cultural, integra dimensões materiais e imateriais que refletem a interseção entre história, assistência social e saúde pública, configurando-se como um bem cultural que preserva memórias coletivas e valores sociais.
"Sua construção simbolizou o ideal de modernização urbana, o que fortalece sua relevância para a identidade urbana da cidade, enfatizando seu papel como testemunho material da evolução da assistência à saúde no Brasil", pontua.
Como patrimônio material, Luciana destaca a estrutura física da instituição, cujo edifício foi construído entre 1847 e 1861: "Sua arquitetura traz influências neoclássicas evidentes em suas fachadas ornamentadas e detalhes decorativos, o prédio incorpora elementos como capela, enfermarias e farmácia, projetados para aliar funcionalidade hospitalar à simbologia religiosa. Sua construção simbolizou o ideal de modernização urbana, o que fortalece sua relevância para a identidade urbana da cidade, enfatizando seu papel como testemunho material da evolução da assistência à saúde no Brasil".
Para a pesquisadora, até hoje a Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza preserva a herança da mistura entre fé, filantropia e controle social que marcou sua origem.
"Ela continua a depender de parcerias com o Estado e particulares, como intervenções recentes da Prefeitura de Fortaleza e programas federais para quitação de dívidas via cirurgias gratuitas , refletindo a interseção entre filantropia e poder político, essa mistura ainda continua hoje, seja através da assistência aos vulneráveis, momento onde promove não apenas cura física, mas valores morais e sociais, embora de formas diferentes dos séculos anteriores e agora adaptada a contextos contemporâneos de crises financeiras e demandas por equidade em saúde", conclui.