Paciente transforma internação hospitalar em jornada de criação com materiais recicláveis
Durante um mês internado por anemia grave, Cleson Felipe construiu barcos, helicópteros e capelas com papelão e outros resíduos
A internação hospitalar costuma ser um período difícil: a rotina se desfaz, o medo se aproxima e o corpo exige cuidados. Mas Cleson Felipe Martins, de 51 anos, transformou sua recuperação em um processo criativo. No artesanato, encontrou força para seguir em frente. Com materiais recicláveis — como papelão, papel, equipos de soro, travas e outros itens — ele deu forma a barcos, helicópteros, capelas e carros, todos feitos com as próprias mãos.
Morador do bairro Cais do Porto, em Fortaleza, Cleson esteve internado no Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC) desde o dia 28 de junho deste ano. Diagnosticado com anemia grave, apresentava sintomas como cansaço extremo nas pernas, fraqueza e desânimo. A gravidade do quadro exigiu um mês de internação.
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Uma descoberta espontânea
Ele conta que nunca havia feito nenhum tipo de artesanato antes. O primeiro contato com a prática veio de forma espontânea, pela necessidade de se distrair. “Eu vi umas caixas de papelão jogadas e pensei: será que consigo fazer alguma coisa?”, lembra.
“Comecei desenhando, cortando, errando… ficava feio no começo. Mas fui me aperfeiçoando. Minha saúde foi melhorando junto com o artesanato.”
Antes da internação, Cleson teve uma trajetória profissional marcada por diferentes experiências. Segundo a família, ele foi um surfista de destaque, tendo competido e vencido campeonatos, ao lado de nomes consagrados como Tita Tavares. Além de enfrentar uma grave anemia, também superou a dependência química — um desafio que por anos consumiu sua saúde e seu tempo.
“Hoje, nos orgulhamos não só do artista que ele é, mas da pessoa boa que sempre foi, e que agora está voltando a ser”, afirma, com alegria, o irmão Wesley Felipe.
Ele destaca ainda o impacto da arte na recuperação de Cleson: “O mais emocionante foi ver como, mesmo num ambiente tão difícil, ele encontrou forças para usar a arte como cura. E o mais bonito: passou a criar com material reciclável, dando nova vida ao que seria descartado — assim como estava fazendo com a própria história. Ver ele reencontrando seu valor através da arte foi emocionante para toda a família.”
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Arte como terapia
Durante o período na unidade, Cleson criou mais de 18 peças com papelão, papel-filme e até sacos plásticos esticados, que usava para simular linhas em seus projetos. Carros, navios e veleiros foram moldados com criatividade e paciência.
A criação artística se tornou um refúgio emocional. Cleson relata que se sentia muito sozinho no hospital, sem intimidade com os outros pacientes. O artesanato surgiu como uma forma de preencher o tempo, aliviar a tristeza e reorganizar os pensamentos. “Cada coisa que eu fazia, minha saúde aumentava. Estava doente, mas cada peça me animava mais. Eu me sentia só. Não tinha intimidade com ninguém no quarto. Comecei a criar para me distrair e parar de pensar besteira.”
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Apoio e reconhecimento
O trabalho do paciente chamou a atenção da equipe de saúde e de outros internados. Os profissionais passaram a se envolver com sua criação e ofereceram todo o apoio necessário. Todos os materiais utilizados foram reaproveitados do próprio hospital. ‘Os médicos e enfermeiros começaram a me chamar de artista. Entravam no quarto pra tirar foto comigo. Comecei a ficar famoso lá dentro. O pessoal dizia: “o artista da ala”’, conta ele, rindo.”
“Ele começou a recolher o material e foi fazendo uma pecinha ou outra. Isso me chamou a atenção. Foi uma maneira que ele encontrou de passar o tempo enquanto estava aqui. E isso ajudou no processo do tratamento. Quando ele chegou, era quieto, mais na dele. Progrediu bem. Todos ficaram admirados”, relatou o enfermeiro Francisco Adenor Martins, coordenador da unidade de internação.
Um novo caminho após a alta
Recebendo alta desde a última segunda-feira, 21, Cleson resume sua jornada como um grande aprendizado, que o tornou mais criativo e o ajudou a reorganizar a mente. A arte virou uma forma de cura — e também uma possibilidade de renda.
Ele continua produzindo após a alta e já recebeu encomendas de outros estados. “Quero transformar isso em renda. Já tenho peça indo pra Recife, pra Bahia. Nem terminei e já tá encomendado”, finaliza.