Fortaleza: reunião de revisão do Plano Diretor deixa movimentos populares insatisfeitos

Encontro deste sábado, 27, deveria ser a última revisão do documento antes de evento que votará o projeto final; Plano Diretor está atrasado desde 2019

Ocorreu na manhã deste sábado, 27, aquela que deveria ser a última reunião de revisão do Plano Diretor Participativo e Sustentável (PDPS) de Fortaleza. O POVO acompanhou o encontro, que aconteceu no Paço Municipal, sede da Prefeitura, no Centro.

A Coordenadoria Especial de Programas Integrados de Fortaleza (Copifor), órgão responsável pelo PDPS, chegou a preparar uma apresentação com diversos pontos, que seriam repassados aos participantes — a reunião era aberta ao público.

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No entanto, o material apresentado pela Prefeitura pouco avançou, permanecendo nos primeiros tópicos, sobre questões ligadas à preservação ambiental.

Isso ocorreu porque a maior parte do encontro foi ocupada por diversos questionamentos levantados por ativistas, pesquisadores e pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE).

As dúvidas eram relacionadas a diferenças entre os diagnósticos feitos pela equipe técnica do PDPS, e debatidos com entidades envolvidas na elaboração da atual versão do Plano, e a proposta de documento apresentada pelo poder público.

Manuela Nogueira, titular da pasta, respondeu algumas das pontuações. Grande parte das dúvidas levantadas, no entanto, permaneceu em aberto.

Sara Vieira Rosa, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab) na Universidade Federal do Ceará (UFC), leu uma lista com 22 perguntas que, de acordo com as organizações e entidades presentes, são feitas desde quando o PDPS começou a ser discutido, em 2023.

Destas, segundo ela, apenas duas foram respondidas até o momento. Moradores de diversas comunidades de Fortaleza, em particular das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), realizaram uma intervenção, levantando cartazes com os questionamentos.

Para Socorro Sales, da comunidade Aldaci Barbosa, no Bairro de Fátima, a discussão é apenas a etapa atual de uma luta mais ampla. Moradora do local há 52 anos, ela considera que a população destas regiões está sendo "violentada".

"É um sofrimento muito grande para todos nós", diz ela, destacando que o debate envolve diversos temas.

"Moradia de qualidade envolve uma saúde de qualidade, uma educação de qualidade, esporte, cultura, lazer", pontua. Ela frisa, porém, que a discussão parte da questão habitacional: "onde temos terra que tem valor eles querem botar obra", afirma, "para essas comunidades serem retiradas e eles construírem".

Para a pesquisadora Sara Vieira Rosa, disputas deste tipo "são inerentes ao processo" do Plano Diretor, pois parcelas diferentes da sociedade têm visões distintas sobre quais devem ser as prioridades do documento.

"O mercado imobiliário vai defender a pauta deles, um movimento ambiental vai defender a pauta deles, o movimento por habitação vai defender a pauta deles", pontua.

O problema, para ela, é a postura adotada pelo poder público neste processo. Segundo a pesquisadora, "a Prefeitura nega ou não responde", em parte das vezes que é questionada. Em outras, diz Sara, a gestão municipal "responde dizendo que adotou uma proposta diferente, mas não justifica tecnicamente essa resposta".

Ela destaca também que, mesmo após aprovado, não se pode entender o Plano Diretor como algo garantido. Como exemplo, Sara pontua que a versão do documento atualmente em vigor tem sido "fatiada" na Câmara de Vereadores de Fortaleza (CMFor), com diversas mudanças que reduzem proteções ecológicas e podem agravar problemas sociais.

Um exemplo são as chamadas "outorgas onerosas", modificação do Plano Diretor em vigor desde 2015, que permite às construtoras levantar prédios maiores que a altura máxima permitida para determinada região.

Para isso, elas devem oferecer uma contrapartida à Prefeitura: pagamento de uma taxa, doação de terrenos, ou executar obras de infraestrutura urbana.

Jamile Souza, que mora há 23 anos no Cais do Porto, já passou por embates, em relação ao bairro onde mora, com diferentes esferas de poder. Em 2019, ela fez parte do grupo que denunciou as mudanças feitas pela Prefeitura no projeto Aldeia da Praia — inicialmente para urbanização nas regiões de Serviluz e Titanzinho, e transformado em uma obra que removeria quase 300 famílias da área.

Em 2021, a disputa foi com o Governo do Estado, que havia assinado um decreto determinando a retirada de 80 famílias no entorno do Farol do Mucuripe. A medida foi revogada na última quinta-feira, 25.

Na opinião de Jamile, o poder público não se mostra receptivo às demandas da população. Quando questionada se a gestão municipal se mostrou disponível para conversar com as categorias presentes à reunião, ela foi taxativa: "estes grupos estão capacitados para entrar em diálogo com a Prefeitura, só que nunca a Prefeitura está aberta a receber nossas questões, nossas demandas".

"Às vezes as reuniões ficam agitadas por isso. A gente se revolta porque a gente nunca tem uma resposta certa da Prefeitura", completa. Durante a reunião, a palavra "evasiva" foi usada com frequência para definir as posições da gestão municipal.

O POVO não conseguiu falar com a titular da Copifor, Manuela Nogueira, durante o evento e enviou questionamentos à assessoria de comunicação do Plano Diretor, que informou que só conseguiria responder às perguntas na segunda-feira, 29.

Plano Diretor de Fortaleza está cinco anos atrasado

A última revisão do Plano Diretor de Fortaleza foi em 2009. Por lei, o texto deve ser rediscutido a cada dez anos. O processo, no entanto, não ocorreu em 2019 — e foi o centro de diversas disputas políticas.

À época sob o comando de Roberto Cláudio (PDT), a Prefeitura chegou a elaborar uma minuta de lei. O documento foi questionado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por ter sido desenvolvido sem ouvir a população, e acabou engavetado.

A meta para que o projeto ficasse pronto, então, passou a ser 2020. Também a pedido do MPCE, o prazo foi suspenso devido à pandemia de Covid-19.

O processo só voltou a andar em 2023, com a divisão da cidade em 39 territórios e a realização de mais de 130 reuniões, incluindo audiências públicas. O objetivo era chegar a uma versão preliminar do Plano Diretor, que seria debatida em um evento com delegados eleitos pelos territórios. A votação dos representantes estava prevista para outubro do ano passado, mas foi adiada.

O evento, chamado Conferência da Cidade, deveria ter ocorrido nos dias 2 e 3 de dezembro. O atraso na eleição dos delegados, que só aconteceu em 25 de novembro, gerou outro adiamento.

A Conferência da Cidade está, desde então, sem data definida. À época, a Copifor deu uma previsão de que ela ocorreria no primeiro semestre de 2024. Na reunião deste sábado, porém, Manuela disse que não pretende marcar o evento enquanto as reuniões de revisão não levarem a um rascunho viável para o Plano Diretor.

Algumas das propostas iniciais do Plano Diretor foram definidas em audiências públicas, e outras enviadas por um mapa colaborativo desenvolvido pela Prefeitura. Os 156 delegados eleitos — quatro por território — se somam a mais 156, ligados a entidades, conselhos, movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil.

Apenas 15 territórios tiveram votação de delegados em 2023. Isso ocorreu porque, em algumas localidades, o número de candidaturas foi igual ou inferior à quantidade de vagas.

Manuela pontuou também que ainda pode haver outra eleição. Após o rascunho inicial do Plano Diretor ser definido, a Copifor pretende procurar os delegados e perguntá-los se ainda desejam participar da Conferência da Cidade. Nos locais onde houver desistências, novos representantes serão selecionados.

A versão do Plano Diretor a ser definida na Conferência da Cidade terá o formato de um Projeto de Lei. A Prefeitura enviará este documento à Câmara Municipal de Fortaleza, onde ele será votado pelos vereadores.

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