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Aquecimento dos oceanos pode influenciar na migração de peixes e impactar a economia cearense

Estudo da UFRN projetou que, por causa do aquecimento dos oceanos, determinados peixes podem migrar para outros locais e causar aumento de algas nos corais. Fenômeno impactaria negativamente os setores de turismo e pesca

A cada ano que passa, a temperatura do planeta Terra aumenta. Você já deve ter percebido ao sentir os dias cada vez mais quentes, ou ao ler notícias como essa: a Sibéria registrou 37ºC em junho deste ano, dez graus a mais do que o normal. Esses são apenas alguns dos indícios da crise climática. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), é provável que o aquecimento global atinja 1,5°C entre 2030 e 2052.

E assim como os efeitos são fortes em terra firme, também o são debaixo d'água. Os peixes são muito sensíveis à temperatura do mar e a utilizam para determinar onde viverão. Mas com a temperatura aumentando, é provável que os peixes migrem para águas menos quentes, alterando todo o equilíbrio dos recifes de corais e, consequentemente, impactando os setores econômicos do Turismo e Pesca.

Essa é a conclusão de uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publicada nesta terça-feira, 6, na revista Global Change Biology. O estudo projetou, a partir de dados do IPCC, que em 2050 e 2100 a temperatura mais proeminente do oceano Atlântico será de 28°C e 31°C, respectivamente. Em 2020, a média é de cerca de 27°C.

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De acordo com Kelly Inagaki, autora principal do artigo (originado da dissertação de Mestrado da bióloga), a migração será menos intensa nas regiões tropicais, mas pode acontecer. “Por exemplo, no Nordeste a gente tem peixe-papagaio ou bodião. Eles são esses herbívoros muito importantes. Se a gente tirar eles dali, eles vão parar de comer o que comem, principalmente algas, e com isso o ambiente vai parar de ter tanta diversidade”, analisa.

Mas não é comum ter algas no oceano? Sim, mas elas deveriam existir em equilíbrio com outros organismos. A bióloga Sandra Paiva, doutoranda em Ciências Marinhas Tropicais do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) na Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que as algas e os corais estão sempre competindo por espaço.

O ecossistema marinho é beneficiado por essa competição, assim como pelos reguladores dos ambientes, que podem ser representados pelos peixes. Os peixes herbívoros são aqueles que comem apenas plantas e, assim, mantêm as estruturas dos recifes. O cenário de algas se sobressaindo já pode ser observado na Austrália (pela temperatura do mar) e no Caribe (por causa da sobrepesca).

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Outra consequência indireta é a possível alteração de ciclos biogeoquímicos, como o ciclo do carbono. “Esses peixes herbívoros também fazem a reciclagem de sedimentos. Então eles raspam a areia e as pedras quando estão comendo, e aí eles defecam isso e [o carbono] acaba voltando pro ambiente em formato de areia. Mas se perde [os peixes], o carbono pode acidificar os oceanos”, ilustra. A partir daí, todo o ciclo de temperatura e chuva da região pode ser afetado indiretamente pela ausência dos peixes.

Turismo e pesca podem ser impactados

 

A natureza pode se readaptar na tentativa de sobreviver e os humanos talvez precisem fazer o mesmo. Com a projeção de peixes migrando, o esperado é que o cenário aquático fique bem diferente do que conhecemos - e daquilo que os turistas esperam ver.

O excesso de algas pode deixar a água mais turva e com mais areia, explica Kelly, além de invadir o espaço dos coloridos corais que encantam o público. A nova estética submarina provavelmente decepcionará turistas, que procurarão ambientes com ecossistemas mais saudáveis para curtir as férias e o contato com a natureza.

Além disso, a diáspora piscívora também pode afetar a pesca artesanal, principalmente se os peixes que migrarem forem aqueles de maior valor econômico. O aumento da temperatura também induzirá pouco crescimento dos peixes. “A pesquisa traz um alerta. Talvez isso possa levar a políticas que focam nessas espécies, além de como esperar que as coisas mudem em determinada região”, reforça a pesquisadora.

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Para o professor de Economia Ecológica da UFC, Aécio Alves de Oliveira, o turismo pode ser benéfico a um modelo de sistema econômico que leve em conta os interesses ambientais. “Aqui no Ceará existe uma rede de turismo comunitário, na qual se pratica ecoturismo. As atividades que se desenvolvem lá não são as que causam impactos negativos muito intensos”, analisa.

O economista também reforça a importância da pesca artesanal como foco da economia cearense. Além de movimentar o setor, ela colabora para a redução de desigualdades sociais. No entanto, Aécio é claro ao ponderar que é impossível que o sistema econômico atual seja verdadeiramente sustentável.

“O princípio ecológico da sustentabilidade tem a ver com a maneira que a natureza tem de fazer os processos: são mais lentos, em que todas as espécies e formas de vida interessam. Então nós precisamos agir de acordo com os mecanismos da natureza. A economia do jeito que está é insustentável. A gente precisaria de outra maneira de produzir as coisas”, afirma.

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Segundo o professor, apenas uma economia que coloque o meio ambiente em primeiro lugar e o lucro em segundo pode ter sucesso em combater a crise climática. “A economia torna insustentável a economia. Por exemplo, os donos dos poços de petróleo. É uma matéria-prima finita, mas estão tirando tudo apressadamente e criando problemas para si mesmos.”

Corais do Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio após branqueamento.
Corais do Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio após branqueamento. (Foto: Marcus Davis Andrade Braga)

Mar cearense já está 1ºC mais quente em 2020

 

Não é preciso esperar 2050 chegar para observar os impactos climáticos no mar cearense. No começo de agosto, O POVO publicou que a temperatura do mar no parque estadual marinho da Pedra da Risca do Meio, em Fortaleza, já estava há sete semanas entre 29°C e 30°. Normalmente, as águas cearenses ficam entre 26°C e 29°C. 

Como consequência, os pesquisadores cearenses começaram a registrar branqueamento de corais no parque marinho. “A gente não sabe se esse aumento de temperatura vai se manter, mas esse pouco que aumentou é responsável pelo branqueamento”, informa Sandra Paiva, doutoranda do Labomar.

O fato de os corais estarem brancos não significa que eles já morreram, mas indica estado de estresse e vulnerabilidade do animal. Os corais são animais que vivem em simbiose (parceria entre dois organismos de espécies diferentes) com microalgas, conhecidas como zooxantelas. Durante o dia, as microalgas alimentam os corais por meio da fotossíntese, enquanto à noite eles sacam pequenos tentáculos para capturar zooplânctons e fitoplânctons - minúsculos animais e plantas.

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Quando a temperatura dos mares está mais alta que o normal, as microalgas ficam impossibilitadas de fazer a fotossíntese e o coral as expulsa para tentar sobreviver. Esse processo provoca o branqueamento dos corais, já que as zooxantelas são as responsáveis por colori-los. “Esse estresse também abre porta para infecção por vírus, bactérias e também causar morte do coral”, explica Sandra.

Além de se preocupar com os impactos econômicos do desequilíbrio de ecossistemas submarinos, a bióloga reforça o papel essencial que os oceanos e os recifes de corais têm para a manutenção da vida no planeta. Eles são responsáveis pela regulação do clima, pela troca gasosa, por alimento (pesca) e também por proteção da costa marinha.

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