5 personalidades negras que marcaram a história cearense
Vozes da resistência, personalidades negras ajudaram a construir a história e a identidade do Ceará; conheça algumas delas
A história do Ceará foi moldada por homens e mulheres negros que, apesar da invisibilidade e das barreiras impostas pelo racismo estrutural, deixaram marcas profundas na cultura e na identidade do povo cearense.
De lideranças abolicionistas a figuras que perpetuaram tradições afro-brasileiras, seus legados ajudam a compreender a luta por liberdade e reconhecimento no Estado.
Conheça a trajetória de cinco dessas personalidades: Preta Tia Simoa, Dragão do Mar, José Luís Napoleão, Maria de Tiê e Lúcia Simão.
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5 personalidades negras que marcaram a história cearense:
1. Preta Tia Simoa: uma heroína abolicionista do Ceará
Figura central no processo abolicionista, Preta Tia Simoa foi uma das principais líderes da Revolta dos Jangadeiros, movimento popular que se insurgiu contra o tráfico de pessoas escravizadas no Porto de Fortaleza.
Lavadeira e quitandeira, Simoa se tornou símbolo da resistência negra feminina ao unir sua voz às dos jangadeiros liderados por Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, e seu marido, José Napoleão.
A revolta de 1881 marcou o início do fim da escravidão no Ceará, primeiro estado do Brasil a libertar todos os escravizados, em 1884.
O protagonismo de Tia Simoa, no entanto, por muito tempo foi apagado da história oficial. Pouco se sabe sobre sua história, seu nome verdadeiro e origem.
Hoje, pesquisadores e ativistas lutam para resgatar sua memória como uma das principais heroínas cearenses.
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2. Dragão do Mar: o jangadeiro que virou símbolo da liberdade
Francisco José do Nascimento, conhecido como Dragão do Mar, foi o líder dos jangadeiros que se recusaram a embarcar pessoas escravizadas no porto de Fortaleza.
Seu ato de desobediência civil, em 1881, desafiou as elites escravocratas e ganhou repercussão nacional.
Nascido em Aracati, em 1839, o Dragão do Mar cresceu em meio à luta pela sobrevivência no mar. Era neto e filho de pescadores que morreram quando o abolicionista era jovem. Sua mãe, Matilde Maria da Conceição, era rendeira e precisou entregá-lo para uma família de melhores condições cuidar.
Chico de Matilde, como também era chamado, tornou-se referência de coragem e símbolo da abolição no Ceará, inspirando gerações posteriores.
Sua história atravessou o tempo e hoje dá nome a ruas, a escolas e ao centro cultural mais importante do Estado, o Dragão do Mar de Arte e Cultura.
3. José Luís Napoleão: o outro dragão da liberdade
José Luís Napoleão era um homem negro, ex-escravizado que conseguiu sua alforria e, com recursos próprios, libertou sua mãe, irmãos e outros companheiros.
Ele trabalhava na capatazia de jangadas no porto de Fortaleza, função que lhe dava autoridade entre os trabalhadores que transportavam cargas e pessoas até os navios.
Em janeiro de 1881, Napoleão liderou, junto ao Dragão do Mar e sua esposa Tia Simoa, a primeira das greves dos jangadeiros. Nos dias 27, 29 e 30, os trabalhadores recusaram-se a transportar pessoas escravizadas para embarque em outras províncias.
Esse ato ficou marcado pela frase “No porto do Ceará não se embarca mais escravos” e é um ponto de virada no processo que levou o Ceará a abolir a escravização em 25 de março de 1884.
4. Maria de Tiê: uma força quilombola no Ceará
Nascida, criada e moradora do Sítio Vassourinhas, no município de Porteiras (CE), Maria Josefa da Conceição, mais conhecida como Maria de Tiê, fez da dança e da ancestralidade uma forma de afirmar sua identidade negra e quilombola.
Na infância, via o pai tocar, dançar e animar as festas da comunidade, sem imaginar que aquelas tradições guardavam a memória de um povo.
A descoberta de que eram remanescentes de quilombo mudou o rumo de sua vida. Orgulhosa da herança deixada pelo avô, Raimundo Preto, um escravizado fugido de Pernambuco, Maria decidiu enfrentar o preconceito.
Criou uma associação, formou grupos culturais e passou a resgatar o coco e o maneiro-pau, danças transmitidas de geração em geração. Em 2011, começou a reunir moradores e familiares para ensaiar e reavivar o que chama de “tradição enterrada”.
Reconhecida como Mestra da Cultura, Maria de Tiê ensina crianças e jovens da comunidade a cantar, dançar e respeitar suas origens.
Entre pisadas firmes e o som do ganzá, ela preserva a história dos antepassados, afirmando ter muito orgulho de ser uma mulher negra.
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5. Lúcia Simão: força e memória na cultura afrocearense
Lúcia Simão foi uma das grandes referências da cultura popular e da religiosidade afro-brasileira no Ceará. Sacerdotisa do candomblé e matriarca do Ilê Axé Obá Aganjú, em Fortaleza, Lúcia foi fundamental para preservar e fortalecer as tradições afrodescendentes no Estado, combatendo o preconceito e abrindo caminhos para novas gerações.
Com seu terreiro, transformou o espaço em um centro de acolhimento, fé e resistência, mantendo viva a herança africana em um contexto social muitas vezes hostil à religiosidade de matriz africana.
Fundou ao lado do esposo, o professor, historiador e pesquisador William Augusto Pereira, a Associação Cultural e Educacional Afro-brasileira Maracatu Nação Iracema, um meio ainda maior de difundir a luta dos negros pelo interior do Ceará.
Lúcia Simão também teve atuação ativa em movimentos sociais e eventos culturais, sempre destacando a importância da ancestralidade na formação do povo cearense, até seu falecimento em agosto de 2025.
Um legado de resistência e ancestralidade
As trajetórias dessas personalidades revelam a força da presença negra na construção do Ceará. Seja nas ruas, nos terreiros ou nas jangadas, cada um contribuiu para afirmar a dignidade, a liberdade e a cultura afro-brasileira em um estado que ainda enfrenta desafios para reconhecer plenamente suas raízes.
Celebrar Lúcia Simão, Tia Simoa, Dragão do Mar, José Luís Napoleão e Maria de Tiê é também reafirmar o compromisso com a memória e com a luta contra o racismo, para que essas vozes, antes silenciadas, sigam inspirando o presente e o futuro.
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