Baturité: MP abre inquérito sobre denúncia de violência obstétrica em maternidade

O caso aconteceu no dia 22 de agosto deste ano. O bebê morreu 17 dias depois, no último dia 8, em Fortaleza

O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Baturité — a 93 km de Fortaleza — instaurou, nessa segunda-feira, 11, Inquérito Civil (IC) com o objetivo de acompanhar as investigações sobre a morte de um recém-nascido dias após o parto realizado no Hospital e Maternidade José Pinto do Carmo. 

O parto ocorreu no dia 22 de agosto, e o bebê morreu 17 dias depois, no último dia 8, no Hospital São Camilo, em Fortaleza.

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Na investigação, o MPCE informou que deve ouvir todas as partes envolvidas e buscar provas técnicas para saber se houve ou não violência obstétrica no Hospital e Maternidade José Pinto do Carmo.

Ao O POVO, a promotora de Justiça, Alessandra Gomes Loreto, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Baturité, disse que, até o momento, o hospital em questão não apresentou nenhum parecer formal por escrito.

Todavia, o diretor clinico do hospital e o médico que atuou no parto que deu ensejo à abertura do IC pronunciaram-se em reunião, que ocorreu na sede da 3ª Promotoria de Justiça de Baturité.

Alessandra assegura que "todas as autoridades instadas no IC têm se mostrado disponíveis a colaborar com a compreensão do caso em sua inteireza, a fim de esclarecer eventual repercussão nas esferas cível, administrativa e criminal". Ela também adianta que todos estão mobilizados a compreender as nuances do caso. 

O Hospital e Maternidade José Pinto do Carmo informou ao O POVO que em breve irá se pronunciar.

Manobra de Kristeller foi realizada durante o parto, conforme denúncia

“Tinha tudo para ser um parto perfeito. Mesmo assim, sem ter muitos conhecimentos, ela dizia: 'Doutor, você tá botando muita força. Vai matar meu filho'”. É o que revela Clara Hermínia, amiga de Vanessa Rocha, que denuncia o Hospital e Maternidade José Pinto do Carmo por violência obstétrica durante o parto do filho Isaac.

Clara contou publicamente que a equipe médica subia na barriga de Vanessa para fazer descer o bebê na hora do parto. O método é popularmente conhecido por profissionais como Manobra de Kristeller Técnica obstétrica obsoleta executada durante o parto. Consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o objetivo de facilitar a saída do bebê. A manobra foi idealizada pelo ginecologista alemão Samuel Kristeller, que a descreveu em 1867  e é contraindicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por causar diversos malefícios à saúde da mãe e da criança.

No caso de Vanessa, ela ficou com a barriga roxa por conta da pressão feita pelo enfermeiro durante o parto, conforme a denúncia. Já o filho, Isaac, de 17 dias de vida, não resistiu a um provável edema cerebral. Todos os outros exames dos demais órgãos estavam estáveis. Cerca de dez médicos da equipe do São Camilo tentaram restaurar as complicações do parto, segundo Clara.

Para trazer uma memória afetiva de Vanessa com o filho, os médicos do São Camilo permitiram que a mãe ficasse na sala de oxigênio durante cinco minutos o segurando pelos braços. 

Mãe Vanessa Rocha segurando o filho Isaac, no hospital São Camilo, em Fortaleza
Mãe Vanessa Rocha segurando o filho Isaac, no hospital São Camilo, em Fortaleza Crédito: Arquivo Pessoal de Vanessa Rocha

Hospital de Maternidade de Baturité demorou uma hora para acionar a emergência, conforme denúncia

Após o parto turbulento, o Hospital e Maternidade José Pinto do Carmo teria demorado cerca de uma hora até que ligassem para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192). “Falaram que estava tudo bem”, narra Clara, que é porta-voz da denúncia. 

O bebe nasceu às 20h30min de 22 de agosto, e ele só chegou ao São Camilo às 2h10min.

“Ou seja, ele passou quase quatro horas sem o devido atendimento, sem o suporte de oxigênio, é importante frisar que ela (Vanessa) fez todo o pré-natal, foi perfeito, sem intercorrência, fez todas as consultas, todos os exames, não tinha nada que indicasse que ela, ou o bebê, precisassem de um cuidado maior”, traduz.

 

Clara revela que, no local, não há exame de cardiotocografia Aparelho para colocar a barriga da mãe para mediar as contrações e os batimentos do bebê . "Eles tinham duas opções: mudar a posição ou levar para cesária, mas decidiram empurrar a barriga. Não permita nunca que façam isso em vocês”, clama, aos prantos.

O capacete Elmo foi colocado na cabeça de Isaac, entretanto, segundo a equipe do Samu relatou aos familiares, não estava funcionando corretamente.

Ela não queria ter [o filho] em Baturité, a gente já ouviu absurdos, preferia ter no Hospital de Pacoti, mas o hospital é pequeno e não têm recursos”, conta, chorando.

Prefeitura tentou tomar posse do hospital em novembro do ano passado

A Prefeitura de Baturité informou que, durante a gestão do atual prefeito Herberlh Freitas Reis Cavalcante Mota (PL), tentou conversação para assumir o controle total do Hospital e Maternidade José Pinto do Carmo. 

Atualmente, a unidade é filantrópica e gerida pelas Irmãs de São Vicente. Em novembro do ano passado, o prefeito teve uma primeira reunião com a secretaria de Saúde do Ceará, Tânia Mara Coelho, a secretaria Municipal, Sayonara Moura, e as irmãs.

No último mês de março, a terceira reunião foi marcada na Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), mas as irmãs não compareceram. Além disso, cinco dias depois, o município recebeu uma intimação na Justiça para não assumir o Hospital.

A partir desse momento, a Prefeitura informou ter se ausentado totalmente da negociação. 

Ainda conforme a Prefeitura, as irmãs passam por um problema financeiro: a falta de prestação de contas. Isso acontece porque as irmãs usam o mesmo CNPJ para diversos instituições, como o Hospital, a parte educacional (escolas) e a arrecadação de doações.

Amiga pede fim de violência obstétrica

Para Clara, a região do Baturité faz uma pequena quantia de partos no Hospital. Ela alega que o local não presta assistência às mulheres e, além disso, tem histórico de negligenciar procedimentos.

"A gestão da Maternidade de Baturité tem essas práticas obscuras, e os profissionais concordam com os valores e os princípios da Instituição", acusa. 

Agora, os esforços da amiga da vítima são para que nenhuma mulher passe pela mesma situação de Vanessa. "O apelo que eu faço aqui é que se dê um basta. Quantas mulheres não denunciam porque era a palavra dela contra a dos médicos? A nossa voz precisa ser ouvida", pede.

Ela encerra solicitando melhoria na infraestrutura de outros hospitais dos municípios adjacentes do Maciço de Baturité, para que mulheres que precisem parir não sejam obrigatoriamente levadas ao Hospital e Maternidade de Baturité.

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