Canoa Quebrada: filmes, jangadas e a vitória do Flamengo
Neste sábado, 29, o segundo dia do 15º Curta Canoa teve uma competição nada justa, mas totalmente cinematográfica: a final da Libertadores
“É campeão!”, gritava um grupo de garotos na praça central de Canoa Quebrada, praia do município de Aracati, no Ceará, enquanto uma audiência dispersa tentava se concentrar com o que estava na tela: curtas-metragens da América Latina. O cerimonial do evento até tentou esperar o fim da partida para dar início, mas o atraso não se justificaria diante das mais de duas horas de exibições que estavam agendadas para aquela noite.
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Antes da sessão, enquanto os equipamentos estavam sendo ajustados na praça central da vila, a famosa Rua Dragão do Mar (apelidada de Broadway) estava tomada de telões do aguardado jogo por toda parte: Flamengo e Palmeiras duelavam num sofrido 0 a 0 pela final da Libertadores. Um dos bares estampava na entrada a consumação mínima de R$ 100 para poder entrar no estabelecimento e assistir à partida.
A pequena rua, que me lembrou as vielas iluminadas de Jericoacoara ou Pipa, realmente não tinha como comportar a demanda tão alta de aficionados. Na multidão rubro-negra, uma pessoa vagava sozinha com a camisa verde do Palmeiras. Nas mesas, era também o único assunto entre garçons, jornalistas e cineastas que estavam lá para o festival.
Dada a hora, porém, imprensa e público estavam reunidos nas cadeiras da praça para assistir ao festival que resiste há tantos anos como um evento ao ar livre, exposto no coração da cidade. “1 a 0 para o Flamengo!”, declarou Adriano Lima, coordenador geral o evento, brincando com a situação atípica logo antes do cerimonial.
Dentre os 10 filmes exibidos na sessão, talvez os que mais tenham tido atenção do público tenha sido justamente os cearenses por conta do mar como principal paisagem: a animação “Almadia”, de Mariana Medina, que desenha a espera de um jangadeiro que não volta do mar, e o documentário “Griôs do Litoral”, de Ivina Oliveira, que conversa com marisqueiras no litoral de Paraipaba.
Sobre como diferentes públicos abraçam o evento, Adriano conta que o festival foi pensado para acontecer na rua desde o início.
“Eu nunca quis que fosse um evento fechado em auditórios ou salas restritas. Ele pertence à praça, ao vento, às crianças e aos adultos. Alguns vão e voltam, alguns param só um pouco, outros ficam a noite inteira. É um fluxo natural. O público de hoje não é o mesmo de amanhã, porque Canoa recebe visitantes o tempo todo”.
A história do Curta Canoa
Como aconteceu com todos os eventos de cinema, o Curta Canoa não passou intacto pela pandemia de Covid-19. Após a 13ª edição em 2019, o festival teve dificuldades para retomar as atividades e acabou acontecendo de forma on-line em 2021.
“O festival vive do debate e da convivência, e isso não existia trancado dentro de uma casa gravando tudo. Em 2025 fizemos uma 14ª edição muito pequena, em Aracati, e agora, depois de quatro anos, finalmente estamos voltando ao território original do festival”, conclui.
Josiane Osório, presidente do Fórum Nacional dos Festivais e membro do júri nesta edição do Curta Canoa, reforça que o Brasil tem menos festivais de cinema quanto deveria por conta da sua extensão continental. Nesse contexto, celebra a importância do festival para a experiência de uma audiência que pode não estar acostumada com o cinema.
“Aqui em Canoa Quebrada chama muita atenção o modo como o festival forma público. O festival toma a cidade, e isso é muito valioso”, pontua. “A distribuição comercial nas salas sempre foi historicamente difícil no Brasil, e isso reforça ainda mais a necessidade de uma política sólida para os festivais. Há lugares do Brasil onde nenhuma sala de cinema vai chegar, mas que um festival pode”.
Distante da formalidade de outros eventos cearenses como Cine Ceará ou For Rainbow, a dinâmica do Curta Canoa é mesmo uma experiência à parte. Se um festival quer fazer parte da cidade, ele precisa estar disposto para ser atravessado por ela – enquanto os filmes estão sendo exibidos na praça, até o público que caminha ao redor, até sem assistir à tela, importa.
É por isso que enquanto ouvimos as histórias guerreiras das marisqueiras cearenses, ou de um tamanduá-bandeira que não consegue atravessar uma rua cheia de carros no meio da floresta, vamos saber também que o Flamengo se tornou tetracampeão da Copa Libertadores da América.