A diversidade saiu de moda em Hollywood?
Repórter italiana constrange atores ao perguntar se tem sido mais tranquilo trabalhar em Hollywood com o "fim" dos movimentos #MeToo e Black Live Matters
No início de setembro, uma entrevista com Ayo Edebiri, Andrew Garfield e Julia Roberts realizada durante o Festival de Veneza aqueceu os debates sobre raça nas redes sociais.
A repórter italiana Federica Polidoro perguntou o que o público devia esperar com o fim da interferência de movimentos sociais em produções hollywoodianas, excluindo Ayo da conversa.
"Agora que a era do #MeToo e o Black Lives Matter acabaram, o que devemos esperar em Hollywood e o que perdemos, se é que perdemos algo, com a era do politicamente correto?", perguntou a jornalista.
Os três reagiram com choque à pergunta, obviamente. E a intérprete de Sidney em “O Urso” foi a única que conseguiu responder a indagação feita:
“Eu sei que isso não foi para mim e não sei se é de propósito que não seja para mim, mas fiquei curiosa. Não acho que acabaram. De maneira alguma. Acho que talvez hashtags não sejam tão usadas, mas acho que há trabalho sendo feito por ativistas, por pessoas, todos os dias, que é muito bonito. Trabalho importante que não termina, que está realmente, realmente, realmente ativo por um motivo. Porque este mundo está muito carregado”, afirmou Ayo.
Black lives fora das telas
A repórter se manifestou nas redes sociais dias depois, afirmando que não foi sua intenção com a pergunta invalidar movimentos sociais ou ser racista ao excluir uma mulher negra do debate, com direito a todos aqueles argumentos ao estilo “minha avó é negra, como posso ser racista?”.
Independente disso, a pergunta de Federica aponta para um fator interessante. Os filmes de Hollywood têm diminuído a presença de pessoas não-brancas nos elencos, segundo relatório feito pela Universidade do Sul da Califórnia.
O estudo analisou 1.800 filmes com maior bilheteria de 2007 e 2024, analisando gênero, a raça, a etnicidade e a idade de personagens principais e coadjuvantes de cada produção.
A pesquisa demonstrou que somente 25% dos 100 principais longas-metragens possuíam protagonista não-branco em 2024. Representando uma queda em relação a 2023, onde as obras tiveram 37% dos papéis principais ou co-principais de pessoas não-brancas.
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Ao todo, em 2024, dos personagens falantes nos filmes 63,3% eram brancos; 13,2% negros; 13,5% asiáticos; 3,1 % latinos; menos de 1% indígenas, pessoas de países do Norte da África e Oriente Médio, além de nativos de ilhas do Pacífico.
No entanto, houve um aumento no protagonismo feminino das obras com 30% da presença em produções de 2024, enquanto 70% das obras tinham personagens principais homens. Em 2007, o número de mulheres em papéis principais era de 20%.
Também houve alta de mulheres não-brancas como protagonistas. Antes, apenas 1% das narrativas audiovisuais tinham protagonismo feminino não-branco. Em 2024, o número aumentou para 14%.
Falta de diversidade nos bastidores reflete em cena
A diminuição da presença de pessoas não-brancas também aparece nos bastidores, o que influencia, diretamente, na escolha de elencos cada vez mais brancos.
Em 2024, somente três diretores negros (2 homens e 1 mulher) estiveram a frente de filmes em Hollywood, enquanto em 2023 foram 10 ao todo.
Em relação às outras etnias, os dados apontam para 7 cineastas latinos (6 homens e 1 mulher) e 13 asiáticos (10 homens e 3 mulheres).
O número é pequeno, embora haja certo aumento na presença de diretores não-brancos em relação a 2007, com 23,2% em 2024, quase o dobro do período do ponto de partida do estudo, 12,5%.
Equívoco de termos
Mesmo com a baixa de longas-metragens com pessoas não-brancas em Hollywood, nada justifica a pergunta da repórter Frederica Polidoro.
Os movimentos #MeToo e #BlackLivesMatter nasceram de forma independente no principal mercado de filmes do mundo. Surgiram a partir da mobilização popular frente às desigualdades e violências, de gênero e raça, presentes na sociedade.
O #MeToo foi uma hashtag resgatada em 2017 pela atriz Alyssa Milano para falar sobre assédio sexual. A tag foi criada pela ativista Tarana Burke em 2006 como um modo de incentivar as mulheres a denunciar assédio e violência sexual no local de trabalho.
Já o #BlackLivesMatter surgiu em 2013, após a absolvição de George Zimmerman, policial responsável pela morte do adolescente afro-estadunidense Trayvon Marting.
A tag se tornou um modo de engajar pessoas a ir para a rua e protestar contra a violência policial contra a população negra.
Se as causas sociais dependessem de Hollywood para demandar mudanças, bem, aí as coisas estariam piores do que ainda estão. Obviamente, a presença de minorias em grandes produções é fruto da luta de militantes.
Mas, a militância não depende das grandes empresas e conglomerados para definir sua luta. Na verdade, uma coisa nada tem a ver com a outra.