Antonio Pitanga retorna à direção de cinema após 45 anos com Malês
Antonio Pitanga volta a direção de filmes depois de 45 anos com "Malês"; longa-metragem traz história não contada sobre levante de escravizados
Estratégia e ousadia são duas palavras que podem resumir a Revolta dos Malês. O levante protagonizado por pessoas negras africanas escravizadas oriundas de povos iorubás e hauçás ocorreu em 1835, em Salvador, na Bahia. É neste pano de fundo, que “Malês”, filme dirigido por Antonio Pitanga, acontece.
O segundo longa a ser dirigido por Pitanga foi exibido no Cine Petrobras na Praça em 26 de fevereiro, como parte da programação da 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais. Protagonizado por Rocco Pitanga e Samira Carvalho, a trama acompanha um casal de jovens muçulmanos, Dassalu e Abayomé, respectivamente.
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Os dois têm o casamento interrompido por traficantes de escravos, que os separam para que eles sejam vendidos no Brasil. Na Bahia, o casal irá lutar para sobreviver enquanto decidem se envolver em um dos maiores movimentos abolicionistas nacionais: a Revolta do Malês.
Movimento Malê
Uma das insurreições mais relevantes na historiografia no Brasil, o levante Malê teve o envolvimento de 600 pessoas negras escravizadas, em sua maioria muçulmanos advindos de nações da África Oriental como Chade, Sudão, além do norte da Nigéria, Costa do Marfim, Gana e Camarões.
O nome Malê vem tanto do hauçá “málami”, que significa professor, quanto do iorubá “imale”, que significa muçulmano. O termo era usado no século XIX nos tempos coloniais para designar os negros muçulmanos, que costumavam ter mais conhecimento do que seus senhores e apesar de submissos, sabiam se impor.
Destaque da era do Cinema Novo, Antonio Pitanga relembra que teve contato com a história do movimento Malê ainda na infância. As histórias da Bahia faziam parte da sua infância, numa época em que a oralização era algo muito forte em Salvador. De modo ancestral, Antonio repassou a história para seus filhos Rocco e Camila. Já Samira conheceu os Malês no momento em que foi fazer a audição para o filme.
A atriz afirmou na coletiva, em que estavam presentes Rocco e seu pai, que após o contato com a história da revolta recordou-se de quando visitava um engenho colonial ainda na infância. A lembrança a aproximou ainda mais do levante. Para ela, que também esteve em “Doutor Gama” (2021), resgatar essa história é “poder criar um outro imaginário de pessoas pretas”, que não seja ligado somente ao sofrimento.
Filme de Antonio Pitanga demorou mais de 30 anos para ficar pronto
A produção aguardou cerca de 26 anos para poder ser realizada, segundo contou Antonio Pitanga durante coletiva realizada no festival. Um dos principais obstáculos para tirar o projeto do papel foi obter apoio financeiro para a obra. Revelou o ator, que antes de “Malês”, dirigiu “Na Boca do Mundo” (1978).
“É um filme de baixo orçamento, de R$17 milhões, que tenho que fazer em 4, 5 semanas. Mas no meio disso veio um paralelepípedo, uma pedra, uma topada que foi a pandemia”, detalha Pitanga. O surto de covid-19 entre 2020 e 2022 resultou na paralisação do filme por dois anos, o que impactou na diminuição dos recursos que já haviam sido angariados para a trama devido a quantidade de impostos ao longo do período.
Fugir dos estereótipos raciais em relação à representação de narrativas negras no audiovisual é o grande objetivo de Antonio Pitanga com “Malês”. No roteiro assinado por Manuela Dias, não serão encontradas cenas gráficas de violência física, como pessoas sendo chicoteadas, ou sexual, como estupro.
Para o diretor, fazer esse movimento de trazer outras perspectivas sobre uma história ainda mal contada pela historiografia oficial é evitar que o filme se torne um enredo sobre vítimas. “O Licotan, esse velho de 75 anos, o qual eu represento, ele não leva chicotada. No roteiro inicial, a gente tinha isso. Então, fui tirando, fui trabalhando, fui dando leveza a isso”, detalha. Antonio destaca que seu papel enquanto cineasta à frente de uma narrativa ancestral é mostrar que pessoas negras são cabeças pensantes, assim como os Malês.