Teatro infantil: Comédia Cearense e Teatro Máquina encenam peças com estéticas opostas
Críticos convidados pelo VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias escrevem para sobre as montagens apresentadas durante o evento. O POVO publica os textos opinativos ao longo do evento
Dib Carneiro Neto/Crítico convidado do VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias
Há que se reverenciar muito o grupo Comédia Cearense, de Fortaleza, que está na estrada há nada mais nada menos do que 68 anos. É o grupo de teatro mais longevo do Ceará. Na programação do VI Encontro de Realizadores de Teatro para as Infâncias, promovido pelo Pavilhão da Magnólia, eles marcaram presença, na tarde de quinta-feira, 8, com "Um Amor Astronômico", infantil dirigido por Luis Costa, com texto dele e da produtora e atriz Erica Cardoso.
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Conheci a companhia em 2017, quando, neste mesmo encontro, apresentaram "Dona Onça Pintada e seu Bode Cheiroso", com a feliz participação do diretor Hiroldo Serra no elenco, no papel de "Bode". Apontei, na ocasião, que a peça valia por ele e sua incrível interpretação, mas que, no geral, era um espetáculo irregular.
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Agora, em 2025, ainda que seja uma equipe de criadores renovada, com nomes bastante jovens, o infantil que trouxeram continua bebendo na fonte dos espetáculos mais tradicionais para crianças, num formato conservador, bem pouco inovador. Reproduz estética e linguagem que muitos grupos já não usam mais, substituídos por meios mais livres e menos engessados de se dirigir hoje às plateias mirins. O teatro feito de gritarias eufóricas e lições de moral explícitas, repletas de clichês, já foi superado há tempos pelo Brasil afora.
Mas foi nobre da parte dos curadores incluí-los na programação, como forma de respeitar e homenagear um grupo tão resistente e histórico, que abriu caminhos para tantos outros em seu Estado e formou muitos talentos. A plateia irrequieta de crianças e adolescentes das escolas convidadas aderiu como pôde à história de amor astronômico entre os personagens Sol e Lua, que, como se imagina desde o início, acaba mesmo em eclipse.
Teatro Máquina apresenta 'Alie e as Estrelas"
No dia seguinte, sexta-feira, 9, o diversificado encontro trouxe para a Casa Absurda, sede da companhia anfitriã, o Pavilhão da Magnólia, uma atração diametralmente oposta, apoiada em silêncios e delicadezas. A plateia de adultos e crianças entrou em visível estado de encantamento durante o espetáculo delicado da Companhia Teatro Máquina, "Alie e as Estrelas".
O grupo de Fortaleza, com direção de Fran Teixeira, usou teatro de sombras e manipulação direta de bonecos para falar de um menino sensível, apaixonado pelas estrelas, e que queria roubá-las para si, retirando-as do céu. O enredo é apoiado no livro "O Plano Secreto de Alie", de Bárbara Cabeça, Noá Bonoba e Lux Farr (ilustrações), que merece muito ser conhecido por todas as crianças, por sua competência em usar metáforas e surpreender os leitores de todas as idades.
O espetáculo foi muito feliz na transposição da literatura para a dramaturgia. Como a vida, o teatro é feito de escolhas. E aqui a escolha foi mesmo pela sutileza, pela delicadeza, pela suavidade, que o elenco encampou com muita propriedade: Ana Luíza Rios, Fabiano Veríssimo e Levy Mota. Escolher começar a peça falando de histórias de suas próprias infâncias já captura a plateia logo de cara para toda a sensibilidade que segue. Retirar o boneco Alie de dentro de uma mochila é surpreendente como forma de deixar claro para as crianças, desde o início, que se trata de teatro e que todos os ‘truques’ serão revelados.
Além disso, o teatro narrativo domina a linguagem, incluindo ótimas gravações em off. A direção soube retirar de todos o tom certo de voz e o rigor para pronunciar as palavras. Cenografia, iluminação (apropriada para o teatro de sombras), trilha sonora sofisticadíssima em sua simplicidade (por Ayrton Pessoa) – tudo é acerto nesta pérola que merece figurar por muito tempo no repertório do Teatro Máquina. O plano secreto de Alie está dando muito certo no teatro.
O VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias é um projeto que conta com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, via Lei Paulo Gustavo (LC nº 195/2022) através do Edital de Apoio a Festivais Culturais do Ceará – 2023 e pelo Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas nos Espaços Artísticos.
O VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infância foi realizado entre os dias 6 e 10 de maio em vários locais de Fortaleza.
*Dib Carneiro Neto é jornalista, dramaturgo e crítico, responsável pelo site "Pecinha É a Vovozinha"