De Maria Degolada a Ângela Diniz: casos de femicídios emblemáticos

O feminicídio só foi tipificado como crime em 2015, embora historicamente mulheres tenham sido vitimadas; Vida&Arte revisitou alguns casos

Em 2015, o feminicídio foi incluído como homicídio qualificado através do Projeto de Lei 8305/14 aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados. A legislação também definiu como crime hediondo no Brasil.

Um crime é caracterizado por feminicídio quando o assassinato é cometido por questões de gênero, ou seja, quando a vítima é mulher; quando a infração envolve violência doméstica ou familiar, ou discriminação a condição de mulher.

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Termo 'feminicídio' foi criado em 1976

Historicamente, mulheres e meninas têm sido vítimas de feminicídio antes mesmo do termo ser criado. A expressão foi usada pela primeira vez pela socióloga sul-africana Diana Russel durante o Tribunal Internacional de Crimes Contra Mulheres, em 1976.

A teórica defendeu a ideia de criar uma definição específica para homicídios praticados contra mulheres. Russel chegou a escrever o livro "Femicídio: a política de matar mulheres", em 1992.

A obra inspirou Marcela Lagarde, antropóloga da Universidade Autônoma do México (UNAM), a levar o termo em debates na América Latina ao descrever assassinatos de mulheres ocorridos desde 1993, em Ciudad Juárez, no estado de Chihuahua, no norte do México.

Como a tipificação de feminicídio ainda é algo recente no País, alguns casos não foram reconhecidos, como o assassinato da socialite Ângela Diniz, da atriz Daniela Perez e outros.

Relembre casos emblemáticos de feminicídio que não foram vistos como tal:

Maria Degolada

Maria Francelina Trenes era uma imigrante alemã que vivia em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A moça tinha um relacionamento público com o soldado da Brigada Militar Bruno Bicado, que também foi responsável pelo assassinato de Maria Francelina, em 1899.

Numa tarde de domingo, o casal estava reunido com outros amigos para um piquenique na região próxima ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, hoje no Morro Maria da Conceição, no Partenon. Porém, Bruno e Maria, que tinha 21 anos, começaram a brigar por causa de ciúmes.

Os colegas da Brigada e suas respectivas namoradas foram as testemunhas do crime e os responsáveis por prender tudo. O grupo viu o casal brigando, mas decidiu não interferir porque era algo recorrente, segundo informações de Carine Medeiros Trindade, historiadora e assistente técnica do Memorial do Tribunal de Justiça do Estado para o site Sul21.

Francelina havia citado um suposto outro homem por quem estava interessada e isso irritou o brigadista. Bicudo então esperou que os amigos se afastassem para cometer o feminicídio, degolando Maria.

Bruno foi a julgamento em fevereiro de 1900. O tribunal do júri o condenou por homicídio doloso. O militar morreu sete anos depois, no presídio, devido a complicações renais.

No Rio Grande do Sul, Maria Francelina se transformou em Maria Degolada, um símbolo da luta contra o feminicídio.

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Ethel Angert

Nascida no Rio de Janeiro, Ethel Angert cresceu em Fortaleza, no Ceará. Na Capital, a carioca se casou com o empresário Flávio Carneiro. O casal se divorciou por volta de 1992, ano em que Ethel foi assassinada pelo ex-marido.

Segundo matérias do O POVO, a também empresária acompanhava o despejo em seu imóvel no Centro, ocupado por uma loja Tok Discos. Em 15 de outubro de 1992, Ethel havia chegado ao local acompanhada de dois oficiais de justiça e três policiais militares, às 15 horas.

A carioca resolveu dispensar os policiais ao longo do dia, por pensar que não corria risco. Flávio chegou à noite e matou Ethel com oito tiros de pistola. Ele fugiu da cena do crime, sendo capturado três dias depois em uma casa no bairro Messejana.

No interrogatório realizado no dia 20 de novembro de 1992, Flávio, então com 41 anos, alegou que Ethel o traía. Após a separação, o casal passou a brigar pela guarda dos filhos e pelo patrimônio. Ele prestou depoimento e ficou aguardando o julgamento em liberdade.

A defesa dele impetrou habeas corpus e, durante sessão em junho de 1993, a Primeira Câmara Criminal autorizou o empresário a se ausentar do País para negócios no setor agropecuário. Ele alegou que no dia do crime "ficou revoltado ao encontrar a esposa ali", que a mesma "fazia ar de sarcasmo" ao avistá-lo.

O empresário confessou que fugiu com a namorada e ficou refugiado na casa de amigos dela e não lembrava quantos tiros disparou. Antes do crime, em 29 de outubro de 1988, o empresário fora enquadrado pelos crimes de invasão a domicílio e ameaça contra Ethel.

A vítima havia informado que foi ameaçada de morte, que o empresário queimou fotos dos pais dela e ela teve que fugir para a residência de uma amiga "para não morrer".

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Ângela Diniz

Há um dia do final de 1976, Ângela Diniz, uma socialite mineira que morava Rio de Janeiro, era assassinada com quatro tiros de pistola por Raul Fernando do Amaral Street, conhecido como Doca Street, com quem mantinha um relacionamento que durou três meses.

Conforme os relatos de amigos, a fluminense pretendia se separar do companheiro devido ao ciúme doentio. Após o crime, Doca fugiu e permaneceu foragido por semanas.

Em 18 de janeiro de 1977, o empresário se entregou a polícia. Doca foi julgado com pena de 18 meses sob o argumento de que estava agindo em legítima defesa da honra, hoje algo visto como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Doca voltou a julgamento em 1981, sendo condenado a 15 anos de prisão. Ele saiu do cárcere em 1987 e em 2006 publicou o livro “Mea Culpa” dando a sua versão do crime.

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Cláudia Lessin Rodrigues

Irmã de Márcia Rodrigues, a "Garota de Ipanema" (1967), Cláudia Lessin foi assassinada em julho de 1977 por Michel Frank e Georges Kour. Cláudia e o filho do então sócio da fábrica de relógios Mondaine não mantinham um relacionamento. No entanto, Frank a havia atraído para o seu apartamento com a desculpa de que o namorado de Lessin estaria lá.

Ao chegar na casa de Michel, Cláudia se deparou com uma festa voltada a jogos de carta e consumo de cocaína, vendido pelo anfitrião. No dia seguinte, a moça caminhava com George, que era uma cabeleleiro renomado com salão no hotel Méridien, quando foi estuprada e morta na avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro.

Frank e Kour chegaram a depor para a polícia, mas o primeiro fugiu para a Suíça, onde foi morto em 1986. Já George foi preso por ocultação de cadáver e só ficou atrás das grades por três anos.

Daniela Perez

A atriz, bailarina e filha da diretora Glória Perez, Daniela Perez, foi assassinada pelo colega de elenco Guilherme de Pádua e a esposa dele, Paula Nogueira Thomaz, em 28 de dezembro de 1992.

O crime foi cometido em um matagal na Barra da Tijuca logo após as gravações da novela “De Corpo e Alma”. Daniela havia tirado fotos ao lado de Guilherme com os fãs que os esperavam no estacionamento dos Estúdios Tycoon.

Depois disso, a atriz entrou no carro, parando em um posto para abastecer. Pádua e Paula a seguiam no carro do ator. Ao encontrarem Daniela, o casal discutiu com a artista, quando Guilherme a agrediu com um soco que a fez desmaiar.

Os dois apunhalaram Daniela 18 vezes dentro do carro de Pádua, o que desencadeou um choque hipovolêmico ocasionando a morte de Perez. Paula e Guilherme foram condenados por homicídio duplamente qualificado, com motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima.

O casal cumpriu seis dos 19 anos da pena. Guilherme de Pádua morreu em 6 de novembro de 2022, devido a um infarto.

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