Artista Tavares Neto reflete sobre ataques de xenofobia a Juliette

O artista e cearense Tavares Neto promove uma discussão sobre quem relaciona a imagem de Juliette à de Bolsonaro no texto "Ela é o morango aqui do Nordeste!"

Antes de ir ao ponto central desse texto, gostaria de informar algumas coisas: sou nordestino, sou de esquerda, torci para que Juliette fosse campeã do BBB 21, não serei imparcial, mas prezarei ao máximo pela honestidade com o debate aqui posto. Esse texto surge a partir de uma provocação de outro escrito na Folha de S. Paulo com o título “Por que Juliette parece a tropa de choque bolsonarista”. E diferente desse texto citado, não acusarei ninguém de sofrer de optofobia (medo de abrir os olhos), isso sim seria autoritário e arrogante.

O ano era 2000, a música “Morango do Nordeste”, cantada por Lairton e Seus Teclados, estourou em todo o Brasil. Tocou em programas de TV famosos como Hebe e Gugu, foi sucesso nos bares e rodas. A música falava de um rapaz triste que conhece uma moça e se apaixona por ela. Na letra essa moça é chamada de “morango do nordeste”. Com expressões tipicamente da região como “cabra da peste”, referências ao sertão, e uma estética de teclado e seresta, a música foi um sucesso do Nordeste para todo o Brasil.

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Tempos depois, no ainda pouco popular e-mail, surgiu uma Fake News sobre a música. Segundo o que se espalhava, principalmente no Sudeste, “Morango” seria uma gíria para “maconha” nos estados do Nordeste. Até programas de TVs e jornais de circulação em São Paulo abordavam a questão em torno da música. A informação falsa apelava para um moralismo em torno das drogas para difamar a música dita “nordestina”. Para isso existe um nome: xenofobia.

Em 2021, em plena pandemia, em meio a um governo Bolsonaro, temos uma figura que desponta nacionalmente por meio de um reality show de TV: Juliette é o nome dela. Sua marca: uma paraibana, do interior, defendendo fervorosamente elementos da cultura nordestina. Em meio a uma série de dramaturgias que se desenrolaram dentro do programa, ela se destaca com sua presença em todos os momentos da casa do BBB.

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É fato que ninguém é unanimidade em circunstância nenhuma. Ela também não seria, mas diante de um grupo de pessoas que se neutralizou nas primeiras semanas, um outro grupo que se colocou como antagonista e a Juliette como alvo da maioria, o povo iria se identificar com ela. Assim foi. Nas primeiras semanas as redes recebiam o retorno dessa adesão resultante do que se via na TV. O nome mais falado era o dela.

Ao longo de 100 dias de programa, o jogo se reconfigurou de várias formas. Boa parte da militância de esquerda progressista quis se sentir representada nos personagens que eram anunciados. Eu mesmo torci de cara por Karol Conká, como bom fã do seu trabalho (“saudade dói”).

Mas foi decepção.

Juliette passou de alvo dentro da casa para garota propaganda "mainstream" do lado de fora. Mas quem poderia imaginar que o mercado se aproveitaria ao máximo de participantes de um reality show em uma das maiores empresas do País? Se alguém entrou achando que faria uma revolução socialista, entrou errado. Juliette é uma figura carismática, comunicadora e maquiadora (perfeita para uma empresa de maquiagem, por exemplo, né não?).

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Isso e vários outros pontos foram levantados como uma forma de bater na imagem da participante mais popular dessa edição do BBB 21. Ao ponto, vejam só, de aproximar a sua imagem à “extrema direita” de Jair Bolsonaro.

Mas o que o público viu na Juliette foi empatia, algo muito bem destacado no discurso final de Tiago Leifert. Coisa que o nosso presidente pouco tem. E o brasileiro, vez por outra, gosta de empatia, gosta de fazer justiça em reality shows. Ou ninguém assistiu o BBB de Jean Wyllys, de Mara, ou um dos mais recentes, de Gleici?

Os seus opositores a apelidaram de vitimette, ou vitimista nas redes. Mas esse não é na verdade um vocabulário recorrente usado pela extrema direita?

Big Brother Brasil é um programa televisivo, com recordes de audiência nessa edição. Obviamente, a internet caminha lado a lado. O resultado da equipe de Juliette bem sucedido foi muito comparado com o de Manu Gavassi. Mas o da participante nordestina foi apelidado de milícia virtual. Mais uma referência ao nosso ilustríssimo presidente.

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Quando o trabalho é feito por gente fora do "mainstream" sudestino, ele não é bom, ele é milícia (mesmo a milícia sendo uma marca presente na violência urbana sudestina). Mas o fato é que Juliette tinha um conteúdo mais popular que Manu, que se auto intitulava patricinha, enquanto Ju era povo, era Nordeste. Não era só marketing como muitos insistem. O brasileiro se identificava. E isso explica muito mais o sucesso da campeã do BBB 21 do que teorias da conspiração.

E se Juliette protagonizou falas complicadíssimas, ninguém tem que “passar pano”, isso é fato. Mas também essas falas não fazem dela alguém nem um pouco próximo de Bolsonaro.

“Relatar sobre a violência, não só a violência física não. Até mesmo em caso de violência doméstica, racismo, LGBTfobia, existe uma barreira muito grande judicial para as pessoas chegarem e falarem do que está acontecendo. Por muito tempo a justiça nunca amparou essas pessoas. A justiça sempre protegeu as pessoas que causavam aquilo” (A advogada Juliette falando sobre racismo institucional na justiça).

“O amor ultrapassa qualquer preconceito, qualquer cultura. O amor é maior que qualquer padrão. Pode ter certeza, eles vão te abraçar e te amar do jeito que você é” (Fala de Juliette sobre aceitação e homofobia com Gilberto).

“Se cuida mainha, fica em casa” (Juliette mandando recado para sua mãe sobre a pandemia).

E nenhuma dessas falas seria dita pelo atual presidente, Jair Bolsonaro.

Escrevo esse texto enquanto escuto “Dilúvio” da Karol. E ando pensando: nesse momento, foram mais de 100 mil mortes por Covid-19 no Brasil desde quando o BBB começou, e mais de 400 mil desde o início da pandemia. Associar um político perverso, responsável por tantas mortes no País, com Juliette, é no mínimo desonestidade intelectual. É banalização de algo tão sério. E não vai ser citando Heigel ou Léo Dias (sic) que vai fazer parecer o contrário.

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Os opositores de Juliette nas redes, ao usarem termos como “CuzcuzKlan”, ligando um elemento cultural de uma região do País a algo tão criminoso como foi o KKK, está muito mais próximo da extrema direita. Um suco de xenofobia.

E por isso tudo que essa situação toda me lembrou o “morango do nordeste”. Mais uma vez a banalização, a mentira em cima do moralismo, tentando barrar o crescimento de um fenômeno nordestino. “Namoradinha do Brasil” é coisa de quem ainda vive na política café-com-leite. Para nós, Juliette “é o morango aqui do Nordeste".

Tavares Neto, artista e cearense

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