2ª semana da CPI da Covid gera desgastes e coloca mais pressão sobre governo Bolsonaro

Nesta semana, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ouviu depoimentos que puderam esclarecer os bastidores do governo Bolsonaro para a compra de vacinas

Nesta semana, a CPI da Covid concentrou esforços para entender como aconteceram as negociações do Brasil com a farmacêutica Pfizer, que teve diversas ofertas e milhões de doses negadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro em 2020. Foram escutados Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa, Fabio Wajngarten, ex-secretário da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), e Carlos Murillo, presidente da Pfizer na América Latina.

Antonio Barra Torres

Antonio Barra Torres, presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi o quarto a depor na comissão. Durante perguntas feitas pelo senador Renan Calheiros (MDB), Antônio explicou os motivos que levaram a agência a negar, por unanimidade, a importação da vacina indiana Covaxin, em março deste ano. Em suas declarações, ele evidenciou divergências com o presidente Jair Bolsonaro em relação a métodos de enfrentamento da pandemia do coronavírus.

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Segundo o diretor-presidente, a análise do imunizante não passou pela fase da certificação de boas práticas, que envolve uma sequência de fatores, e cujo processo também foi realizado análise de outras vacinas. As não conformidades identificadas, segundo ele, representavam risco significativo na fabricação e a garantia de qualidade da vacina indiana, o que implicou em risco sanitário aos usuários.

Em outro momento, Torres confirmou à CPI da Covid a tentativa de mudança da bula da hidroxicloroquina, solicitada pelo presidente Jair Bolsonaro, como havia informado o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, em depoimento da semana passada. Ele afirmou que a médica Nise Yamaguchi, defensora da cloroquina, estava "mobilizada" para defender a mudança para incluir recomendação para uso contra Covid, que ocorreu no quarto andar do Planalto.

Em depoimento, o representante da Anvisa afirmou que as posições de Bolsonaro anti-vacina vão "contra tudo" o que o órgão tem preconizado. Ele criticou a existência de "pessoas orbitando e dando opiniões ao presidente" e garantiu ser contra qualquer tipo de aglomeração ao ser questionado sobre a "motopasseata" da qual Bolsonaro participou no último domingo, 9. 

O presidente da Anvisa disse desconhecer a interlocução a fim de produzir a cloroquina em laboratórios do Exército. Apesar de reforçar que o medicamento não possui eficácia científica reconhecida no tratamento da covid-19, Torres demonstrou preocupação com a alta demanda e redução dos estoques do medicamento para pacientes que façam uso do remédio para as doenças às quais têm uso comprovado.

 


Fabio Wajngarten

O depoimento do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, um das mais aguardados, foi repleto de momento tensos. Houve muito bate-boca entre os senadores governistas e de oposição em torno das declarações do ex-secretário, que foi acusado de fugir das perguntas, de proteger o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de mentir, o que fez com que vários senadores, inclusive o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), pedissem sua prisão, que foi negada pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Wajngarten gerou tensões e expectativas desde que deu uma entrevista à revista Veja acusando o Ministério da Saúde, então conduzido pelo general Eduardo Pazuello, de incompetência nas negociações de compra de vacinas. Contudo, ele negou que estivesse se referindo a Pazuello quando falou à revista

O posicionamento irritou os senadores. Escapando de diversas perguntas e mudando a versão dada em abril à revista Veja, Wajngarten deixou o presidente Omar Aziz (PSD-AM) revoltado. "O senhor só está aqui por causa da revista Veja, se não fosse isso, ninguém lembraria que você existia, não tem outra razão para estar aqui. É baseado no que você falou", disse. 

Horas depois, a revista Veja divulgou o áudio em que o ex-secretário afirma que a Saúde, comandada por Pazuello, foi "incompetente" para adquirir vacinas no Brasil. "Quando você tem um laboratório americano com cinco escritórios de advocacia apoiando a negociação, e tem do outro lado um time pequeno, tímido, sem experiência, é sete a um" diz o trecho do material. Mesmo assim, à CPI, ele continuou negando as afirmações. 

Ouça "Wajngarten-v1" no Spreaker.

O quinto depoente – que esteve no governo de abril de 2019 até março deste ano – afirmou que sempre teve liberdade para estabelecer as estratégias de comunicação do governo federal. "Ao menor sinal de interferência, eu teria ido embora", disse Wajngarten. Ele defendeu que tanto a pasta que comandou quanto o Ministério da Saúde fizeram, desde o início da pandemia, no ano passado, 11 campanhas informativas sobre a covid-19.

Após o senador Eduardo Girão (Podemos) dizer que o ex-secretário estaria sendo "humilhado", Aziz rebateu e afirmou que humilhados seriam os mais de 420 mil mortos pela pandemia. "Que humilhação? Não é assim não. Eu não humilho ninguém, você me conhece", respondeu o presidente da CPI, que criticou Girão pela defesa do uso da cloroquina em pacientes com Covid. "Não defendo cloroquina, defendo autonomia médica", disse o senador. 

Próximo do final do depoimento, o senador Flávio Bolsonaro entrou na comissão e reclamou que Calheiros estaria fazendo da CPI um "palanque", chamando o relator de 'vagabundo' ao comentar sobre o pedido de prisão em flagrante de Wajngarten. Entre gritos, Calheiros devolveu o ataque ao filho do presidente, fazendo referência à investigação da qual Flávio é alvo. "Vagabundo é você que roubou dinheiro do seu pessoal, do seu gabinete", disse o relator da CPI. 

Confira o momento:

Confira o depoimento na íntegra:

 

Carlos Murillo

O último dia de depoimentos da semana ouviu, nesta quinta-feira, 13, o ex-presidente da farmacêutica Pfizer no Brasil, Carlos Murillo. A CPI também havia convocado Marta Díez, atual presidente da farmacêutica no Brasil, mas a empresa pediu que ela fosse dispensada porque está no Chile e "não participou das tratativas com o governo federal no ano de 2020". 

O gerente-geral confirmou à CPI que a Pfizer não recebeu reposta sobre a proposta de venda de vacinas contra a Covid-19 feita ao governo brasileiro em agosto do ano passado. "O governo não rejeitou tampouco aceitou a oferta", disse. Ele lembrou ainda que o CEO da Pfizer, Albert Bourla, enviou em setembro do ano passado uma carta ao presidente Jair Bolsonaro, em que falava da proposta feita ao Brasil. O documento foi apresentada à CPI por Fábio Wajngarten um dia antes. 

Segundo o gerente, a farmacêutica fez três ofertas ao Ministério da Saúde, nos dias 14, 18, e 26 de agosto do ano passado, sendo que a última oferta, de 26 de agosto, tinha o prazo de 15 dias para receber uma resposta, e que, passado esse prazo, o governo nem aceitou, nem rejeitou a proposta.

Murillo disse que, em 14 de agosto, a Pfizer apresentou uma primeira oferta - de 30 milhões de doses e de 70 milhões de doses - ao Brasil, com outras duas ofertas ainda no mesmo mês, e o cronograma de entrega para final de 2020 e início de 2021. A omissão do governo fez o Brasil perder 1,5 milhão de doses da vacina ainda no ano passado. A fala causou grande repercussão nacional, visto que, sem o atraso, o País poderia ter 4,5 milhões de vacinas a mais.


Desgaste do governo diante das vacinas e o futuro da CPI 


Nos bastidores, técnicos e integrantes do grupo majoritário da CPI da Covid, formado por senadores
independentes e oposicionistas, acreditam que já há elementos que levam à incriminação do presidente Jair Bolsonaro por crime sanitário. Com isso, a comissão pode, no seu relatório final, pedir ao Ministério Público Federal o indiciamento do mandatário. 

Com seis oitivas já realizadas, parlamentares acreditam que, até o momento, há provas que Bolsonaro e seus aliados tinham real consciência do impacto da Covid-19 no Brasil, que enfrenta uma sucessiva perda populacional devido a doença. Para muitos, o presidente deveria ter agido para minimizar tais efeitos, o que inclui sua postura diante dos fatos. 

Para a cientista política Monalisa Soares, diferente da primeira fase da comissão, cujas discussões estiveram mais centradas na defesa do uso da cloroquina e outros medicamentos para "tratamento precoce" da Covid-19, a vacinação foi o grande tema desta semana. "De fato, as vacinas foram um tema central. O presidente da Anvisa teve uma posição muito contundente no que se refere a manter um caráter técnico em defesa das vacinas, da necessidade de vacinação e das discordâncias em relação ao governo federal diante disto", avalia.

Segundo a pesquisadora, o depoimento de Wajngarten marca o momento de maior prova da ineficiência do governo em adquirir vacinas para o Brasil. O evidente desgaste do governo nesta semana, para Monalisa, promete um aumento das ofensivas contra à CPI nos próximos dias. "Foi uma semana difícil do governo, tanto que ele está buscando uma forma de reagir. Fez isso com a entrada de aliados, como o próprio filho do presidente (Flávio Bolsonaro) e através da forma que o presidente reagiu ao Renan Calheiros", disse. 

Dados da pesquisa do Instituto Datafolha, divulgados nesta quarta-feira, 12, mostram o governo Bolsonaro com a aprovação de 24% dos brasileiros, a pior marca de seu mandato até aqui. Os que rejeitam o governo, considerando-o ruim ou péssimo, eram 44% e são 45% na nova pesquisa. Segundo Monalisa, a CPI já produz efeito prático na imagem do presidente. 

"As pesquisas de opinião publica estão mostrando isso e o governo precisa construir um contra-ataque.  A própria decisão da AGU de permitir que Pazuello fique calado já é uma evidência disso", afirma a cientista. Para ela, a vacinação ainda será uma pauta forte na próxima semana, principalmente com o depoimento ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo. "Ele foi comunicado pelo embaixador brasileiro nos EUA sobre a vacina da Pfizer e ainda temos o depoimento do Pazuello", destaca. 

Segundo recente pesquisa da Exame/Ideia, 59% apoiam a CPI da Covid-19, cuja esperança é acelerar vacinação. A expectativa, segundo a especialista, torna ainda mais complicado as tentativas de reações do governo federal. "O que o povo mais espera que saia da CPI é a aceleração do tema vacinação. É o tema que mais sensibiliza a população", diz. 

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