Guardiã das culturas do pastoril, dança do coco e maneiro-pau, Mestra Zulene recebe a Mostra Sesc no seu terreiro
O terreiro da Mestra Zulene Galdino recebeu, durante os quatro dias da Mostra Sesc Cariri de Culturas, diversos grupos da cultura popular
O terreiro da Mestra Zulene Galdino recebeu, no segundo dia da Mostra Sesc Cariri de Culturas, diversos grupos da cultura popular, entre eles o Coco das Mulheres da Batateira, o Reisado Dedé de Luna e o grupo Cintura Fina. A Vila Novo Horizonte, onde está situada sua casa-museu, estava enfeitada com os vizinhos, amigos e familiares, todos fazendo parte dessa grande festa a céu aberto.
O colorido das fitas que adornam as roupas de Zu, como é chamada pelos mais próximos, e o sorriso que se estende de ponta a ponta em seu rosto caracterizam a mestra da cultura, reconhecida como Tesouro Vivo pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult/Ce) em 2006, pelas atividades de pastoril, dança do coco e maneiro-pau. A mestra também é conhecida pelas rezas, saberes que foram repassados por Deus e pelos encantados das matas. No início da entrevista, ela falou primeiro da reza para depois tratar da “cultura”, como costuma dizer, sempre agradecendo "primeiramente a Deus".
É + que streaming. É arte, cultura e história.
“Mamãe era rezadeira, aí eu pedi pra ela me ensinar a rezar, mas ela não ensinava não, porque na época eu era criança, e os pais da gente não ensinavam nada à gente não, aí não ensinaram porque eu era criança e aí não podia. Aí, toda vida eu andava por meio dos matos, e dentro dos matos ninguém cortava os pés de pau não, meus pais chamavam de Mata Virgem. Aí, eu andei por dentro do mato e encontrei a Caboclinha da Mata, e eu fui dizer a ela que eu tinha vontade de aprender a rezar pra eu rezar nas crianças e nas pessoas adultas, mamãe sabia, mas não queria me ensinar, aí eu tinha sete anos de idade, e ela me ensinou e eu aprendi a rezar tanto em crianças quanto em gente adulta, então quem me ensinou foi Deus primeiramente e as Caboclinhas do Mato.”
Incentivada pelo pai e pela mãe a ingressar no universo das brincadeiras populares, ela começou participando das quadrilhas de São João. “Primeiro foram as quadrilhas, a quadrilha de Antônio Hosana, mais conhecido como Toin, aí, quando foi em 1975, ele deixou de fazer a quadrilha.” Quando a quadrilha de seu Toin acabou, o pai da mestra começou a ensinar a ela os passos da “quadrilha de antigamente” e disse pra ela nunca abandonar essa tradição, porque era algo antigo e do povo brasileiro.
Já a lapinha, criada em 1976, foi sua mãe que sugeriu para ela montar uma lapinha viva. “Aí eu perguntei: mamãe, o que é lapinha viva? Ela disse que eram todos os personagens vivos, até o menino Jesus. Aí eu perguntei: mamãe, me ensina? Aí ela pegou e me ensinou. Aí eu aprendi e, graças a Deus, até hoje eu tenho.” Ela começa os ensaios em setembro e realizou a queima em 6 de janeiro, para encerrar o Natal, todos os anos. Além disso, também iniciou a brincadeira do maneiro-pau, repassada pelo pai.
Os brincantes começam desde cedo nos grupos. Esse é o caso de Maria Alice Ferreira do Nascimento, de 11 anos, que faz parte do grupo da Mestra Zulene desde os seis anos. Ela conta que gosta muito das programações da Mostra Sesc e acredita que elas dão mais visibilidade para a comunidade e para o terreiro da mestra. “Eu acho que dá mais alegria, anima aqui também, e que todo ano já é essa tradição aqui, e também vem muitas pessoas pra cá e vem cultura também."
Sobre sua casa ser reconhecida como Museu Orgânico do Sesc, Zulene conta que foi uma bênção que Deus mandou. “Eu tinha esse quartinho aqui, aí eu inventava de botar essas coisas tudo nesse quarto, dizendo que era um museu, sem ser museu, mas eu inventava, botava as coisas antigas, os retratos, os certificados, essas coisas tudo aí na parede. Aí, depois que Alemberg inventou essa ideia, e o Sesc também, porque o Sesc não pode ficar pra trás, porque faz muitos anos que eu me apresento pelo Sesc, e todo evento que o Sesc faz não deixa a gente de fora.”
Ela relata que não recebe nenhum incentivo por sua casa ser Museu Orgânico, apenas pelas suas apresentações, que são financiadas pelas instituições que a convidam e pelas doações das pessoas, além do incentivo do estado dentro do edital Tesouros Vivos. De acordo com os dados divulgados pela Secult/Ce, atualmente existem 87 pessoas naturais reconhecidas pela política dos Tesouros Vivos da Cultura do Estado do Ceará, nos termos da Lei Estadual nº 18.232, de 6 de novembro de 2022, sendo 32 mulheres e 55 homens até o momento.
Este ano, o tema da 25ª Mostra Sesc Cariri de Culturas são os Museus Orgânicos, celebrando os saberes e fazeres dos Mestres e Mestras da Cultura Popular. O Museu Casa da Mestra Zulene Galdino é um dos 19 museus reconhecidos pelo Sesc, distribuídos na região do Cariri e no Centro-Sul do estado do Ceará. A programação segue até o domingo, 25, e está organizada em diversos polos, incluindo os próprios Museus Orgânicos. (Lara Alencar, especial para O POVO)
