Acusados pela lei Maria da Penha fazem curso de enfrentamento à violência contra a mulher

Detentos se perceberam como agressores e entenderam a responsabilidade pelas próprias ações, segundo diretora da unidade prisional

José Pereira Colares, interno da unidade prisional Irmã Imelda Lima Pontes, não se achava uma pessoa violenta. A agressão cometida contra a neta, para ele, não passava de uma “correção” que um adulto fazia em resposta a um mau comportamento de um familiar. Ao fazer o curso “O papel do homem no enfrentamento à violência contra a mulher”, ofertado a detentos que respondem pela lei Maria da Penha, José se percebeu como agressor.

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“Percebi que tenho que ter aprendizado também para ter uma família. Eu fui criado de uma forma que os mais velhos corrigiam os mais novos, os filhos e os netos. Era esse o padrão que eu me sentia um pai de família, um avô. No momento eu me enxerguei como esse superior, não me enxerguei como uma pessoa que pudesse ter uma outra formação da minha família”, disse José Pereira durante a entrega dos certificados do curso no auditório da unidade onde ele se encontra recolhido, nesta quarta-feira, 1.

Ele e outros sete internos da unidade fizeram o curso promovido pela Fundação Demócrito Rocha que discute o machismo estrutural, as masculinidades, as relações de poder que vitimam pessoas do gênero feminino e questões relacionadas aos papéis de gênero na sociedade.

“A princípio houve resistência, eles não se percebiam enquanto agressores. Eles não percebiam o machismo estrutural que existe por trás de toda a concepção da sociedade. Já a partir dos momentos que foram assistindo as aulas, foram vendo as estatísticas, foram vendo as pesquisas que existem, eles de fato tomaram consciência e perceberam a necessidade de mudança comportamental”, relatou a diretora da unidade, Ilana Ferro.

Segundo uma das mediadoras do curso, a terapeuta comportamental Marta Sarmento Bispo, os detentos tinham dificuldade de entender a responsabilidade pela violência cometida. “O homem não acredita que ele foi o agente de violência, ele acha que foi também vitimizado porque a mulher foi quem o incitou a chegar a violência. E a gente ouve muito isso até na fala da família do preso. Nessa desconstrução durante o curso, a gente percebeu que eles também tiveram essa sensibilidade, essa percepção de dizer “eu sou culpado’”, afirma a terapeuta comportamental.

Para Ilana Ferro, o curso deve ser expandido não só para os outros internos da unidade, como também para todos os 20 mil presos do sistema penitenciário cearense. “Eu sou feminista, milito na defesa dos direitos das mulheres e me indigno demais com as situações que acontecem. Mas aqui dentro eu não posso ter um olhar subjetivo contra eles, eu não posso condená-los. A minha função como Estado é garantir que eles se percebam, sejam trabalhados, retornem ao convívio familiar e não reincidam na violência”, afirmou.

O curso, segundo Ilana, também deve ser ofertado para os policiais penais que atuam nos presídios do Estado. “A violência está presente de todos os lados, muitas vezes velada. Quando a gente traz um debate sobre isso, sobre quanto o sujeito é agressivo e violento, a gente pode diminuir, somar esforços para que o Ceará saia da estatística vergonhosa de ser o quarto estado mais violento contra a mulher”, conclui.

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violência contra mulher violência gênero sistema penitenciário do Ceará

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