Fake news sobre vacinas contribuíram para aumento de mortes por Covid-19 no Brasil, aponta estudo da Uece
Pesquisa inédita relaciona desinformação à hesitação vacinal e reforça urgência em políticas públicas de enfrentamento às fake news
Uma pesquisa inédita conduzida por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) revelou que a disseminação de fake news durante a pandemia de Covid-19 esteve diretamente associada ao aumento da mortalidade pela doença entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022. Os dados foram publicados recentemente na Revista de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
O estudo “Impacto das Fake News sobre a vacinação na mortalidade por Covid-19: uma análise epidemiológica no Brasil” foi liderado pela jornalista e pesquisadora Adriana Rodrigues, e é o primeiro a demonstrar estatisticamente essa correlação no país.
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Desinformação como fator de risco
Segundo Adriana, as fake news não interferem apenas na decisão de se vacinar, mas também afetam outras medidas de prevenção, como o uso de máscaras e o isolamento social. “Além da recusa à vacinação, a gente via muitas pessoas não usando máscara, não ficando em casa”, disse em entrevista à rádio O POVO CBN nessa quarta-feira, 2.
A análise utilizou dados do Ministério da Saúde, além de conteúdos identificados pelas agências de checagem Lupa e Aos Fatos. Foram identificadas 159 fake news relacionadas à vacina no período estudado. O pico de casos confirmados ocorreu em março de 2022, com 933.452 registros, enquanto o de óbitos foi em abril de 2021, com 78.942 mortes.
A pesquisa mostrou que, quanto maior a circulação de desinformação sobre vacinas, maior a taxa de mortalidade por Covid-19. Por outro lado, a cobertura vacinal não apresentou uma correlação estatisticamente significativa com as mortes, o que aponta para a influência de outros fatores, como desigualdade regional, variantes do vírus e, principalmente, a hesitação vacinal impulsionada por conteúdos falsos.
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Impacto direto na decisão da população
O estudo também revelou que, apesar de 72% da população inicialmente afirmar que pretendia se vacinar, a influência das fake news gerou medo e insegurança. “As pessoas ficam com medo de tomar uma decisão errada, mas acabam tomando a pior, se baseando em informações que não têm embasamento nenhum”, alerta Adriana Rodrigues.
A desinformação, segundo a autora, teve maior impacto em regiões com alto consumo de conteúdo em redes sociais, como já apontado por outros estudos internacionais. A hesitação vacinal, portanto, passa a ser mais um indicador do efeito nocivo da desinformação em tempos de crise sanitária.
O modelo estatístico utilizado incluiu análise de regressão linear e o teste de correlação de Spearman, aplicados aos dados organizados em planilhas e processados com o software SPSS. A taxa de fake news foi calculada com base no número de notícias falsas sobre vacinas em relação ao total de fake news no período.
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Desinformação ainda pouco combatida
Para a pesquisadora, o combate às fake news ainda não é prioridade para muitos governos e instituições, o que pode comprometer campanhas de vacinação em andamento, como a da gripe. Atualmente, o Brasil tem apenas 42% do público prioritário imunizado contra a influenza, de um total de 42,8 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Saúde.
“Uma das grandes formas que eu enxergo como uma boa expectativa é os governos se vincularem às universidades, com projetos de pesquisa financiados. Mais uma vez, a educação é o caminho. As pessoas precisam ter esse conhecimento, saber onde procurar as informações”, defende Adriana.
Ela destaca ainda a necessidade de mais investimento público em campanhas educativas e pesquisas científicas, além de maior responsabilidade dos veículos de comunicação e plataformas digitais para frear a desinformação, especialmente em momentos de emergência sanitária.