Movimento pede inclusão de lactantes no plano de imunização contra a Covid-19 no Ceará

Formado por mais de 300 pessoas, a organização pede prioridade para as mulheres que amamentam na campanha de vacinação contra a doença no Ceará. Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) define grupos prioritários de acordo com o Plano Nacional de Imunização (PNI)

Se há algo mais importante para uma mãe do que sua própria saúde, é a saúde de seus filhos. Por esse  motivo, mais de 300 mulheres que vivem no Ceará se organizaram, no mês de maio deste ano, em um movimento que pede para que todas as mulheres em processo de amamentação sejam classificadas como prioritárias na campanha de vacinação contra a Covid-19 no Estado.

O movimento é inspirado no grupo "Lactantes pela Vacina", que foi criado há um mês em Salvador, capital da Bahia. As organizadoras que atuam no estado baiano questionavam à época o fato de que, mesmo grávidas e puérperas sendo consideradas prioridades na campanha de imunização contra a doença, as mulheres que amamentavam não estavam incluídas no processo de vacinação, ficando desassistidas.

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A organização realizou mobilizações, como um "Mamaço Virtual", onde mulheres postavam fotos amamentando nas redes sociais, e chamou tanta atenção que pessoas de vários estados criaram grupos para lutar pela causa. Uma delas foi a cearense Anauã Luamy, 30, mãe do pequeno Rudá, de um ano e seis meses. 

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Sentindo-se representada pela organização, uma vez que amamenta, a artista descobriu que o movimento ainda não existia no Ceará e se uniu a outras mulheres do Estado para iniciar as reinvindicações na região com o grupo "Lactantes pela Vacina CE". Desde então, elas já criaram um grupo de WhatsApp, páginas nas redes sociais e uma petição que até o fim da tarde dessa terça-feira, 1°, já contava com mais de seis mil assinaturas.

Assim como no movimento nacional, as organizadoras do Ceará solicitam que a vacina seja aplicada em todas as lactantes, mesmo naquelas sem comorbidades, e que o processo não leve em consideração a idade da criança amamentada. O principal motivo do pedido é a exposição que os bebês podem ter por dependerem da amamentação, correndo risco de serem infectados pelas mães com o vírus.

Proteção para as crianças

"A questão é pelo nossos filhos, não é pela gente. A minha preocupação é com meu filho, é um grupo que não tem previsão ainda para ser vacinado", defende Anauã. Em abril deste ano, a artista e o filho contraíram a doença, mas a criança não desenvolveu fortes sintomas, o que ela acredita ter sido devido aos anticorpos presentes no leite materno, que deixaram o sistema imunológico de Rudá fortalecido.

Anauã com o pequeno Rudá. Mãe faz parte de movimento de lactantes que pede inclusão nos grupos prioritários de vacinação
Anauã com o pequeno Rudá. Mãe faz parte de movimento de lactantes que pede inclusão nos grupos prioritários de vacinação (Foto: Arquivo Pessoal)

"O leite materno é um leite completo com diversos benefícios para o desenvolvimento da criança: diminui o risco de doenças infecciosas, desenvolvimento de alergias, fortalece vínculo com a mãe, melhor digestão, apresenta nutrientes em quantidade adequada, diminui risco de obesidade no futuro, entre tantos outros", explica Priscila Lyra, ginecologista e obstetra da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC).

Essa relação de proteção do leite materno ao bebê é um dos principais pontos levantados pelas mães do movimento. As organizadoras se baseiam em estudos, como o que foi recentemente publicado na revista científica americana The Journal of the American Medical Association (JAMA), onde foi revelada a descoberta de dois anticorpos específicos contra o novo coronavírus (IgA e o IgG) no leite materno, ambos produzidos por mulheres que receberam doses da vacina da Pfizer-Biontech. 

O IgA encontrado pode tornar o leite um "potencial protetor" em caso de mulheres vacinadas, conforme aponta Liduína Rocha, obstetra e presidente do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna, Fetal e Infantil. A especialista destaca, contudo, que a ciência ainda não tem respostas quanto a questões da vacinação, como o tempo em que a imunização dura ou se será necessário repetir o processo.

"Ainda não existem muitas respostas do ponto de vista das evidências científicas, até porque nós não sabemos quanto tempo de imunidade quem for vacinado vai ter. É possível que haja necessidade de vacinação anual, por exemplo", explica a médica, que também integra o Coletivo Rebento. Liduína ainda reforça que o principal meio de transmissão do vírus é por vias aéreas, fator que pode colocar bebês em risco.

"Por isso, é importante que as lactantes que apresentem qualquer quadro viral ou que estejam expostas a mais riscos usem máscaras e tenham uma boa higienização durante o processo de amamentação. A recomendação é de proteção e cuidado nesse sentido, do uso de máscaras, e não (um alerta sobre) a transmissão pelo leite materno", destaca a especialista. 

Quanto à necessidade da inclusão das lactantes no plano de imunização, a médica explica que a vacinação é uma política pública para todos os grupos, mas que alguns são priorizados por questões de maior risco. Gestantes e puérperas por exemplo, apresentam "mais chances de adoecimento e de morrer" do que as lactantes, o que segundo a especialista faz com que tenham mais prioridade na vacinação.

Ceará segue plano nacional de imunização

Tanto gestantes como puérperas com até 45 dias pós-parto foram incluídas como prioridade no Plano Nacional de Imunização (PNI) pelo Ministério da Saúde (MS). As lactantes também foram assistidas, no entanto, o plano determina que somente sejam vacinadas aquelas com algum tipo de comorbidades.

No Ceará, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) tem seguido as recomendações do órgão nacional quanto à campanha de imunização contra a Covid-19. O POVO procurou a pasta para saber se a possibilidade de inclusão de todas as lactantes no processo de vacinação está sendo estudada,  e a secretaria respondeu reforçando que segue todas as orientações dadas no plano estipulado pelo ministério. 

O Estado tem avançado na campanha de vacinação principalmente na Capital, onde na próxima semana há uma previsão de que comece a ser vacinada a população geral, em ordem decrescente de idade.

Esse é também um dos questionamentos levantados por integrantes do movimento estadual de mães lactantes, como Samara Bárbara Coelho de Souto, 33, mãe do pequeno Samuel, de 4 meses, e participante ativa da organização. "Já estamos entrando na fase em que o critério é idade, não mais comorbidades. Seria vacinar uma pessoa que não é prioridade de jeito nenhum, que vai beneficiar uma pessoa em vez de priorizar lactantes, grupo prioritário por lei pelo reconhecimento de sua vulnerabilidade, que protegeriam duas pessoas ou mais", reflete a cearense.

Samara Bárbara Coelho de Souto, integrante do grupo, com seu filho Samuel, de 4 meses
Samara Bárbara Coelho de Souto, integrante do grupo, com seu filho Samuel, de 4 meses (Foto: Arquivo Pessoal)

Avanços em outros estados e o medo das mães cearenses

Em alguns estados, as organizações já deram resultados, como na própria Bahia. Dias após o movimento ter começado, as lactantes foram incluídas na campanha, mas somente aquelas com bebês de até seis meses  — idade que foi ampliada para 12 meses recentemente. No Piauí, uma lei foi criada para determinar, no último mês, que todas as grávidas, puérperas e lactantes fossem imunizadas contra o vírus.

No Ceará, ainda não há avanços tão significativos quanto esses, apesar de a movimentação contar com um abaixo assinado com milhares de assinaturas e chamar atenção de políticos como a vereadora Larissa Gaspar (PT). No último mês, a petista apresentou à Câmara Municipal de Fortaleza um Projeto de Lei que visa à inclusão das lactantes no plano de imunização da Capital cearense.

Enquanto ainda não podem receber a vacina contra a doença, as cearenses que amamentam convivem com o medo de serem infectadas e passarem o vírus para os seus bebês. Anauã, por exemplo, que já esteve nessa situação, confessa ter evitado se expor e, pensando no filho, não tem procurado emprego. "Eu preciso disso (emprego), mas eu preciso primeiro sobreviver", desabafa.

O sentimento é compartilhado pela gerente administrativa Géssica Valeska viana, 31, que atualmente é uma das administradoras das redes sociais da organização. A cearense teve o filho quando o Estado vivia o inicio da segunda onda da pandemia e hoje ela luta em busca de ser vacinada para que o bebê Raul, que já tem 5 meses de idade, também possa estar seguro e continue sendo uma criança saudável.

"Nosso movimento é feito de todos os tipos de mulheres, de todos os tipos de mães. Para que todas as mães que amamentam independente da idade de seus filhos possam viver e ver seus filhos crescendo. Para que esses filhos consigam uma segurança, já que não podem usar máscaras. Para que as mães possam sair e trabalhar com segurança, embora ainda possam se contaminar, mas será algo mais leve", destaca.

Géssica e o filho Raul, de cinco meses.
Géssica e o filho Raul, de cinco meses. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em relação ao andamento da campanha no Estado, Géssica defende que o movimento não pretende passar na frente dos grupos que são considerados prioritários na campanha. "As mães querem proteger seus filhos, em nenhum momento as lactantes querem ser vacinadas por maior risco de morte como grávidas e puérperas, nos também não queremos ser vacinadas na frente desses grupos que já são prioritários. Nós lutamos pelo justo direto de nos imunizarmos após esses grupos prioritários", explica. 

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