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Governo do Ceará e empresa divergem sobre autorização para entrada de respiradores no Brasil

Os ventiladores pulmonares não receberam supervisão e manutenção, caso fosse necessária, da única empresa autorizada pela Anvisa para fazer o serviço no Brasil. Governo do Ceará afirma que recebeu cobrança indevida e reforça que respiradores têm os principais certificados internacionais. Justiça Federal autorizou entrada dos aparelhos no País, mas a disputa prossegue
18:03 | Jun. 30, 2020
Autor Leonardo Maia
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Leonardo Maia Estagiário
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Tipo Notícia

Em uma disputa que foi parar na Justiça, o Governo do Ceará e a empresa Exxomed divergem sobre os respiradores importados pelo Ceará para tratamento da Covid-19. A empresa é a única autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para controle da entrada dos produtos no País. Contudo, ela argumenta que não recebeu nenhum contato do Governo Estadual para que liberasse os equipamentos na Receita Federal e fizesse os ajustes necessários para o funcionamento.

O Governo do Ceará acionou a Justiça para liberar a entrada dos produtos. Na ação, o Estado informou que a Exxomed teria cobrado por emissão da declaração de importação, o que autoriza a entrada dos produtos do País. A cobrança é considerada indevida pelo governo. A empresa nega que tenha sido solicitado pagamento.

O governo também apontou que a aquisição dos equipamentos ocorreu antes de a licença da empresa ser expedida pela Anvisa. O juiz federal Luiz Praxedes da Silva autorizou, então, a entrada dos produtos no País.

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Devido à urgência para obtenção de respiradores para tratamento de pacientes com o novo coronavírus, os estados estão conseguindo autorizações por via judicial para permitir a entrada dos equipamentos no País. De acordo com a Exxomed, a ausência dos procedimentos na entrada dos aparelhos pode ser perigosa. A empresa é licenciada pela Anvisa para fazer o controle ostensivo da entrada dos produtos no País. Sem isso, conforme argumenta, os equipamentos estariam irregulares e com potencial para colocar “vidas em risco”.

A Exxomed realizou notificação extrajudicial à Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa) e alertou que o ventilador pulmonar comprado pelo Estado teria sido fabricado somente no modelo europeu e precisaria ser “tropicalizado” ao chegar no Brasil.

“Uma vez ingressado no Brasil, para que seja utilizado adequadamente, é preciso, além de realizar inspeção de entrada de acordo com parâmetros aprovados pela Anvisa e pelo Inmetro, proceder à troca de componentes, dentro do maior rigor técnico de modo a evitar que o emprego de assistência técnica desautorizada implique na ocorrência de falhas de campo”, defende a empresa, que afirma ter recebido contato de funcionários da pasta estadual da saúde relatando problemas com os equipamentos.

A Sesa, no entanto, assegura que "todos os aparelhos respiradores adquiridos em compra internacional para ampliar o enfrentamento à Covid-19 no Ceará estão em pleno funcionamento, seguindo todos os procedimentos sanitários preconizados pela Anvisa." A secretaria reforça a adequação técnica dos respiradores. "Os aparelhos contam com os principais certificados internacionais de qualidade, sendo utilizados em todo o mundo." A pasta reforça que, na época da compra, a Exxomed não teria sido licenciada pela Anvisa. "Em tempo, a compra foi realizada antes da referida assinatura da Exxomed com a União, datada de 26/3/2020."

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Governo diz que Exxomed cobrou por emissão da declaração de importação; empresa nega

Em documento enviado pela Exxomed ao O POVO, o Governo do Ceará argumentou, em ação judicial, que a empresa cobrou para emissão da declaração que autoriza o produto a entrar no País. O Estado considera que a cobrança financeira é “absolutamente incabível”, dado que a compra dos equipamentos foi feita três dias antes da licença da empresa na Anvisa ser expedida.

A Exxomed nega que tenha cobrado pela emissão da declaração de importação e aponta que o Governo não teria feito qualquer contato com a empresa até aquele momento. Questionada pelo O POVO se teria alguma comprovação que refutasse a versão da empresa, a secretaria enviou a nota já mencionada, segundo a qual "todos os aparelhos respiradores adquiridos em compra internacional para ampliar o enfrentamento à Covid-19 no Ceará estão em pleno funcionamento, seguindo todos os procedimentos sanitários preconizados pela Anvisa. Os aparelhos contam com os principais certificados internacionais de qualidade, sendo utilizados em todo o mundo. Em tempo, a compra foi realizada antes da referida assinatura da Exxomed com a União, datada de 26/3/2020."

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Com os argumentos da pasta estadual, o juiz Luiz Praxedes da Silva autorizou que os produtos entrassem no País. Entre outras razões, Praxedes considerou a regulação do equipamento em dois países membros do Fórum Internacional de Reguladores de Dispositivos Médicos (IMDRF, na sigla em inglês).

A empresa questiona a decisão e aponta consequências que pode ter. "Gostaríamos de deixar claro que (os respiradores) são equipamentos de suporte à vida, não são lâmpadas. É uma irresponsabilidade criminal e (o Governo Estadual) ludibriou o juiz", disse Onofre Neto, CEO da Exxomed. Por meio de sua assessoria, a empresa reforçou que o primeiro contato com o Governo Estadual partiu da Exxomed e aconteceu quase um mês depois da decisão judicial que autorizou a entrada dos equipamentos.

"A Exxomed Equipamentos Ltda, considera importante registrar que esses produtos são equipamentos médicos hospitalares, aos quais a vida humana está diretamente ligada e dependente. Por isso faz o alerta para a necessidade de se atender a absolutamente todos os critérios técnicos e legais na aquisição desses equipamentos", disse em nota.

Empresa iniciou processo para obter licença da Anvisa em 2018

Por meio de sua assessoria, a empresa lembrou que resolveu obter a licença para os produtos em 2018, como forma de ampliar seu portfólio de produtos. Desde então, a Exxomed tem participado de treinamento direto na fabricante e se adequado a normas rígidas para nacionalização do produto.

No dia 27 de março, quando o Ceará registrava 282 casos e três mortes decorrentes da pandemia do novo coronavírus, a empresa recebeu a autorização da Anvisa para importar o produto. A autorização foi concedida três dias após a compra dos equipamentos, que começariam a chegar no Estado cerca de dois meses depois da compra.

Manutenção

Diante do conflito de versões, O POVO procurou Felipe Braga, professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Ceará (UFC), com atuação na área de saúde pública, para avaliar a situação. A reportagem apresentou a ele documentos sobre o caso para que entendesse a situação. Braga considera que o Governo do Estado deveria procurar a empresa para que a situação seja esclarecida e seja firmado um acordo para a prestação de serviços de manutenção para os equipamentos. Ele pondera que os ventiladores não são materiais descartáveis e continuarão sendo usados para tratamentos de saúde no Estado mesmo depois da pandemia.

Braga ressaltou que não contratar a empresa para os ajustes necessários no equipamento pode repercutir até criminalmente, caso seja constatado que a substituição do serviço tenha causado risco à saúde dos pacientes. O professor explicou que a compra dos insumos — correspondente a 700 ventiladores pulmonares — não está irregular, mas sim a forma como a importação foi feita, não obedecendo à licença obtida pela empresa.

O POVO contatou a Sesa para esclarecimentos adicionais sobre a situação, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

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