As escolhas equivocadas de 'De Repente, Miss!', com Fabiana Karla

Com Fabiana Karla, Guilia Benite e Danielle Winits, "De repente, Miss" se perde em clichês, roteiro fraco e personagens vazios

Por Amilton Pinheiro, Especial para O POVO

Logo no começo do filme "De Repente, Miss!", comédia com toques de drama, de Hsu Chien, a personagem da atriz Fabiana Karla, Mônica, diz em voz off dentro de uma piscina numa aula aquática com outras mulheres que a vida é feita de escolhas.

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E quais foram as escolhas que ela impôs para sua vida? Deixou uma carreira promissora de publicitária para cuidar de um casal de filhos e do marido Marcus, vivido sem expressividade pelo ator João Baldasserini, e tomar conta em tempo integral da criação e educação deles e viver ao lado do marido no lar doce lar que eles construíram.

Mas o tempo passou. Ao se aproximar dos 40 de idade, Mônica se encontra às voltas com um relacionamento difícil com a filha adolescente, Luiza (Guilia Benite, de "A Turma da Mônica"), uma influenciadora digital, que não consegue encontrar nada de bacana na mãe, com quem vive chamando a atenção e criticando o tempo todo.

Nesse lar que se tornou um ambiente hostil e desmotivador para Mônica, uma viagem para um lugar paradisíaco, Praia Star Resort – o Beach Park e resorts, o parque aquático em Fortaleza, locação em que foi gravado quase todo o filme em 2022 –, junto com a família pode ser a oportunidade de restabelecer uma relação saudável com a filha e com a própria vida em desalinho.

Confira o trailer de 'De repente, miss'

Um roteiro cheio de falhas, estereótipos e sem aprofundamento

O problema principal do filme "De Repente, Miss!" é seu roteiro que não consegue escapar dos já conhecidos e não mais aceitáveis amontoados de clichês da maioria das comédias brasileiras, que acentuam os estereótipos das personagens, não dando a dimensão humana necessária para que os atores possam compor algo razoavelmente aceitável e crível para o espectador. Quase nenhuma personagem escapa dos maneirismos que o roteiro desastroso e mal escrito impõe em suas construções.

Tem a Mônica, uma mulher acomodada que vive de forma apática nesse lar que ela construiu para si e a família, aceitando todo tipo de grosseria das pessoas; a filha chatinha e formatada pelo mundo aviltante das redes sociais e pelos seus amiguinhos adolescentes sem graça; um marido bonzinho demais que aceita tudo, inclusive as malcriações da filha com a mãe; um filho pré-adolescente meio bobinho; uma loira burra e afetadíssima, papel de Danielle Winits; uma vilã mal construída da história, que não consegue enxergar o seu envelhecimento e vive sendo traída e destratada pelo marido; o ótimo ator Roney Villela, que aqui tem a ingrata tarefa de dar vida a uma personagem sem aprofundamento e estereotipado. Aliás todos os atores têm essa ingrata tarefa de dar vida a personagens construídos de maneira rasa e sem nenhuma complexidade.

O resto do elenco não foge dessa arapuca construída pelo roteiro carregado de clichês e de preconceitos, passando por uma apresentadora – a do concurso de miss do filme, que deveria ser o ponto alto da produção, mas que aqui funciona como uma anticlímax, tamanho é o desleixo do roteiro e da direção –, vivida por Nany People, em mais um papel dela mesmo, a Jennifer, interpretada pela atriz Polly Marinho, que não tem história nenhuma na trama a não ser a de ficar o tempo todo falando e dizendo frases de efeito para que a amiga Mônica saía do marasmo em que se encontra.

O espectador passa o tempo todo do filme, nesse “paraíso aquático”, querendo esboçar algum sorriso que não seja a da vergonha alheia, e tentando dar sentido aos furos que o roteiro deixa escapar em diversas ocasiões. Por exemplo, na cena em que Mônica é enganada pela personagem da Danielle Winits, que a embebeda com duas tacinhas de champanhe, para logo em seguida, numa força descomunal, empurrar um barco de pescador para o mar junto com Mônica desacordada dentro dele. Tudo isso com o intuito de poder tirá-la do concurso de miss que o hotel oferece anualmente e que irá acontecer algumas horas depois.

Essa cena é tão problemática, não só pela vilania desproporcional da personagem de Danielle Winits, que por motivos fúteis e sem explicações, decide “matar” a sua “rival” de concurso, mas também pela maneira como ela é mal dirigida e montada.

Mônica adormece dentro do barco depois desse suposto porre de duas tacinhas de champanhe, e acorda no meio do nada, com água por todos os lados. Não há um único take que a mostre vendo alguma “terra a vista”. Mas o que já era inverossímil e sem sentido piora mais ainda: quando Mônica, que tem fobia de água, decide pular do barco e chegar a nado em terra firme, terra essa que em nenhum momento o espectador enxerga antes, só quando, num efeito notável, Mônica consegue nadar até a areia.

Para a crítica e principalmente para o espectador é esperar que essas comédias, com elementos de drama ou não, deixem de lado fórmulas já desgastadas e sem graça e formulem outros caminhos para o riso e para o gênero que não sejam reforçar estereótipos inaceitáveis num mundo em transformação e que possam dar profundidade e complexidade aos personagens que elas criam para contar suas histórias e dar sentindo ao riso que vem naturalmente em bons filmes e personagens mais críveis.

De Repente, Miss

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