Cinema: com 78 filmes, evento exibe produção periférica do Brasil

Marcio Blanco, idealizador do Festival Visões Periféricas, analisa avanços das políticas públicas e desafios que persistem para quem faz cinema nas favelas brasileiras

Potencializar talentos que estão à margem dos grandes centros audiovisuais está entre os objetivos do diretor Marcio Blanco, idealizador do Festival Visões Periféricas. Há 16 edições, a iniciativa é uma vitrine para as produções de realizadores periféricos. Este ano, o festival abre nesta quinta, 2, e segue até o dia 8 de março, no Rio de Janeiro. As obras selecionadas para as mostras competitivas Fronteiras Imaginárias, Panorâmica e Visorama está disponível para o público assistir gratuitamente pelo site do evento.

"Após anos de incertezas geradas pela Covid-19 e por ataques ao setor, o audiovisual brasileiro se rearticula para afirmar seu papel histórico na transformação econômica e social do País", define Blanco. Em entrevista ao Vida&Arte, ele analisa os impactos das políticas públicas para o audiovisual, o legado do Festival e faz projeções para os próximos anos.

O POVO - Como surgiu a ideia de fazer um festival voltado aos artistas periféricos?
Márcio Blanco - A ideia surgiu quando eu terminava o curso de cinema na Universidade Federal Fluminense, por volta de 2003. Nessa época eu pesquisava a utilização do audiovisual como ferramenta de mobilização política a partir da produção por moradores de regiões periféricas. Uma prática que começou nos anos 1980 com as redemocratização e a atuação de ONG’s, Igreja Católica, movimentos sociais, graças a popularização da tecnologia de vídeo. No início dos anos 2000, ocorre um fenômeno semelhante com a chegada do digital. A disseminação de lan houses é um fenômeno que se espalha pelas favelas de todo o País e as redes sociais passam a abrigar imagens produzidas com celulares por seus moradores. Surgem, em diversos lugares do País, projetos que utilizam o audiovisual como instrumento de desenvolvimento social. É neste contexto que surge o Visões Periféricas em 2007, primeiro festival no Brasil a dedicar inteiramente sua curadoria e programação a filmes produzidos por realizadores das periferias.

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O POVO - Já são 16 anos de Festival. Como você avalia esse legado?
Blanco - Nesses 16 anos, o Visões foi se consolidando aos poucos como um lugar de referência dessa produção que foi crescendo em volume e se espalhando por todo o País. No início do Festival, os filmes estavam mais vinculados à Organizações do Terceiro Setor mas, com o passar dos anos, eles passaram a ser produzidos também em coletivos de audiovisual sem nenhum vínculo institucional formal. A lei de cotas de 2012 também foi um importante fator para que brasileiros oriundos de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos e índios, ingressassem em cursos de graduação de cinema que até então eram predominantemente ocupados por alunos brancos da classe média. Em meados da segunda década, a visibilidade alcançada pelo festival, após anos de atividade regular, começa a influenciar o surgimento de outros festivais de cinema pelo Brasil com uma proposta curatorial semelhante.

O POVO - Em que mais você acha que o Festival contribuiu ao longo desse tempo?
Blanco - O Visões também contribui para projetar realizadores selecionados e premiados. É perceptível a receptividade de outros festivais brasileiros tradicionais, e até internacionais, à essa produção. O cinema feito nas periferias deixa de ser um fenômeno localizado em um Festival e passa a ser reconhecido como traço curatorial em um circuito mais amplo.

O POVO - De que forma você vê a influência do Festival para a projeção desses artistas?
Blanco - Pelo seu pioneirismo e constância, o Visões Periféricas segue atuando como plataforma de lançamento, onde muitos filmes começam sua trajetória. Assim, o curta-metragem ainda se mantém como o principal formato, aquele que fornece mais filmes entre os cerca de 600 filmes inscritos todos os anos. Hoje, um dos principais desafios para os realizadores que vem das periferias é a sua inserção e permanência profissional no mercado audiovisual. Em 2016, uma pesquisa interna feita pela Ancine constatou a baixa participação de diretoras mulheres e diretores negros nos projetos financiados pela Agência. Nos últimos anos, o players de mercado entenderam a necessidade de absorver em seus quadros profissionais que vem das periferias, principalmente negros e negras, mas ainda existe muito a ser feito.

O POVO - De que forma é possível avançar nesse aspecto?
Blanco - Esse avanço não poder ser visto como um gesto paternalista. Ele é fruto de pressões sociais que se tornaram condição para o próprio desenvolvimento da indústria audiovisual. Para atender um mercado competitivo e um público consumidor exigente tornou-se indispensável produzir narrativas que espelhem a diversidade social, racial e de gênero do Brasil. Por isso, em 2018, o Visões decide criar o Visões Lab, o primeiro laboratório dedicado ao desenvolvimento de projetos audiovisuais produzidos nas periferias brasileiras, convidando players para rodadas de negócio e pitching. O ótimo resultado e repercussão da iniciativa nos estimulou a dar continuidade, desta vez apostando no desenvolvimento de projetos de ficção, gênero que se mostra fundamental para disputar as narrativas acerca das periferias.

O POVO - Quais as expectativas para esta edição do Festival?
Blanco - O Festival Visões Periféricas chega a sua 16ª edição exibindo 78 filmes de todas as regiões do Brasil, em todos os formatos: curta, média e longa-metragem. O esforço da curadoria, pioneira no País, é privilegiar temáticas e filmes produzidos por realizadores que vivem nas múltiplas periferias brasileiras: sociais, territoriais e existenciais. Neste ano, homenageamos o cineasta Takumã Kuikuro e Kaitsu Filmes Produções – Coletivo Kuikuro. Em um momento de retomada das políticas públicas voltadas para aos povos originários, é muito importante celebrar a trajetória de um dos realizadores mais profícuos do audiovisual indígena produzido no Brasil. Não, por acaso, o Visões abre esta edição com um registro raro de um primeiro contato com um grupo isolado, os Korubos. O documentário “A invenção do outro”, de Bruno Jorge, é uma experiência impactante que acompanha uma expedição liderada pelo indigenista Bruno Pereira, assassinado covardemente por defender a causa indígena.

O POVO - Os cinemas passaram meses fechados devido a pandemia, alguns com funcionamento remoto, e essa edição traz o modelo híbrido. Como se preparam para esse novo momento?
Blanco - O período de pandemia trouxe mudanças na forma de fazer o Festival por meio do online mas não diminuiu a importância que a sala de cinema ainda possui na promoção do encontro afetivo entre público e filmes. Por isso, contaremos com a presença dos realizadores e debates depois das sessões. Após anos de incertezas geradas pela Covid-19 e por ataques ao setor, o audiovisual brasileiro se rearticula para afirmar seu papel histórico na transformação econômica e social do País. A produção que vem das periferias ocupa, cada vez mais, um lugar central neste movimento. O Visões Lab, laboratório de desenvolvimento de projetos audiovisuais do Visões Periféricas, se mantém firme no propósito de construir pontes entre essa produção, seus realizadores e o mercado audiovisual.

16º Festival Visões Periféricas

Quando: de 2 a 8 de março
Onde: Rio de Janeiro
Mais informações: imaginariodigital.org.br

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O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

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