"Eu sou a consequência do movimento negro", diz jornalista Manoel Soares

Baiano de Salvador, o jornalista assumiu apresentação do "Encontro", um dos principais programas das manhãs da Globo

Em suas andanças pela Boca do Rio, o jovem Manoel Soares sonhava muito. Aproveitava a iluminação ruim do bairro nas noites de dias quaisquer para ver o céu estrelado de Salvador e se imaginava ali no meio daquelas constelações. Manoel nunca sonhou à toa: sempre soube que não bastava querer e a vida ensinou que, em muitos dos casos, nem mesmo o trabalho duro é suficiente para garotos pobres, negros e longe dos principais centros do país - assim como ele era.

Nesta segunda-feira (4), ele dá mais um passo importante em sua trajetória profissional, iniciada no Rio Grande do Sul e que inclui passagem pelo Profissão Repórter e pelo É de Casa: assim que acabar o Bom Dia Brasil, estará numa posição histórica para comunicadores, comunicadoras e famílias negras: passa a comandar o programa Encontro, da Rede Globo, ao lado da jornalista Patrícia Poeta. Em entrevista ao CORREIO, Manoel falou sobre a carreira, trajetória, literatura, polêmicas e desafios que viverá a partir de agora.

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No novo estúdio, o programa terá um incremento na qualidade de imagem e fotografia, com câmeras de tecnologia mais avançada em relação às que são usadas na atração atualmente. Além disso, a transmissão a partir da capital paulista vai permitir uma maior interação entre os apresentadores e a dupla Michelle Loreto e Valéria Almeida, que entrará com o quadro Bem-Estar direto do palco da atração. A plateia será maior, com cerca de 80 pessoas, o maior número desde o começo da pandemia, e o quadro ‘Oi da plateia’ também virá reformulado.

Uma outra preta baiana que terá protagonismo na Globo é Rita Batista. A jornalista vai integrar o time do É De Casa a partir do sábado (9), ao lado de Maria Beltrão, Talitha Morete e Thiago Oliveira.

Você entrou na Globo e nesse setor de entretenimento meio por acaso. Imaginava que ia ficar tanto tempo? E o que mudou de lá pra cá?

Entrei não foi tão por acaso assim, porque existe todo um objetivo por parte da minha família em construir a realização dos nossos sonhos. Estar lá é a realização de um sonho, mas não somente de estar na Globo, mas de conversar com as pessoas em um espaço onde elas possam acessar essa conversa. Pra mim é extremamente importante porque quando nós entramos na casa das pessoas, nós temos a possibilidade de melhorar o dia delas e esse é o nosso grande objetivo, melhorar o dia das pessoas e fazer delas pessoas mais preparadas para conquistar os seus sonhos. Eu sempre ouvi na vida que “nós temos que trabalhar duramente, trabalhar arduamente” e eu acho que as pessoas precisam trabalhar alegremente e trabalhar felizes, aí sim as realizações acontecem. Foi isso que minha mãe me ensinou e é isso que a gente quer transmitir nessas manhãs na Globo.

Qual o tamanho da responsabilidade de assumir a apresentação do Encontro, um programa que está entre os líderes de audiência das manhãs na televisão brasileira?

Eu acho que essa responsabilidade é uma responsabilidade que pra mim é muito mais de honrar o esforço dos meus ancestrais. Quando nós temos na Bahia o Vovô do Ilê, temos Jorge do Olodum, temos toda velha guarda baiana que criou a possibilidade de eu me tornar o cara que eu sou, eu sou a consequência da luta desses homens, eu sou a consequência do movimento negro da Bahia, a consequência de todo mundo que lutou, da Central Única das Favelas, para que eu me tornaasse esse cara. Então a minha responsabilidade é manter o nível de qualidade de luta que meus antecessores travaram.

O que você vai levar para deixar mais a sua cara?

Acho que o mais importante é a gente ouvir as pessoas e entender que a fonte oficial do que nós fazemos é o interesse público. A fonte oficial não é o que o governo diz, a fonte oficial não é o que as empresas dizem. A fonte oficial do que nós fazemos, a matéria prima que a gente coloca na televisão, é o interesse do público, o que as pessoas precisam e querem ver. Acho que essa é uma marca da TV Globo, e é uma filosofia particular de trabalho que eu tenho.

Por mais que essa realidade venha se modificando, ainda é raro ver rostos negros liderando programas na televisão brasileira. É muito pesada a cobrança de estar nessa posição?

Pesado acho que não é porque eu divido esse peso com toda família negra brasileira que está ali comigo e me incentiva, então isso faz com que esse momento não seja um momento de peso e esse momento significa que o povo negro pode e conquista. Há 132 anos, eu seria vendido por R$ 400 no Pelourinho de Salvador, então hoje eu estar em um programa de televisão como uma pessoa negra e comandando um matinal é a prova de que nós podemos fazer a diferença, não que seja fácil, não que eu seja uma prova de que quando você quer consegue, porque nem sempre quando a gente quer a gente consegue. Mas a minha colocação nesse espaço é a prova que a luta que os nossos antecessores e nossos antepassados travaram foi uma luta que valeu a pena.

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Manoel Soares Salvador vida e arte

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