Da Macedônia a Brasília: dois cearenses se unem em exposição itinerante

A exposição "Macedônia", de Wilson Neto e Daniel Chastinet, inicia no Museu Nacional da República, em Brasília, e deve chegar em Fortaleza no primeiro semestre de 2022

O pintor e ilustrador Daniel Chastinet costuma registrar suas produções nas redes sociais há anos. Co-idealizador do projeto “Com Figura” e com experiências formativas no Vila das Artes e no Porto Iracema das Artes, explora as proporções humanas a partir de suas relações com as cores e os volumes. Com essas publicações, chamou a atenção do artista plástico Wilson Neto. Os dois se seguiam no Instagram, mas não se conheciam pessoalmente. Tinham apenas alguns amigos em comum e sabiam do trabalho um do outro. Isso, porém, não impediu que Wilson Neto entrasse em contato com Daniel Chastinet com uma pergunta inusitada:

- Você quer ir para a Macedônia do Norte?

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O questionamento impressionou o ilustrador, que respondeu:

- Pode ser, deixa eu ver se consigo arcar com os custos. Vamos marcar uma reunião, para eu saber um pouco antes sobre como vai funcionar.

Foi o início de uma parceria que resultaria na exposição “Macedônia”, aberta para visitas presenciais no Museu Nacional da República, em Brasília, e que seguirá em formato itinerante no próximo ano. A mostra chegará em Fortaleza, cidade de residência dos artistas, no primeiro semestre de 2022. Ainda não há, entretanto, data e local definidos. As obras também serão expostas em setembro, em Sofia, na Bulgária, com o objetivo de celebrar o bicentenário da independência brasileira, a pedido da Embaixada do Brasil no país estrangeiro.

A República da Macedônia do Norte não é um local óbvio para a formação artística: o lugar, que surgiu há três décadas como um dos sucessores da antiga Iugoslávia, não tem atrações turísticas conhecidas e sua população é menor do que a da Capital cearense. Mas, lá, existe o “Programa Internacional De Niro”, um intercâmbio cultural na cidade de Bitola. E, durante duas semanas, Wilson Neto e Daniel Chastinet imergiram em seus processos criativos, criaram obras e conheceram as características culturais do ambiente quando tinham tempo.

Daniel Chastinet e Wilson Neto com os outros artistas da formação artística na Macedônia do Norte
Daniel Chastinet e Wilson Neto com os outros artistas da formação artística na Macedônia do Norte (Foto: Keti Talevska)

“Na Macedônia, nós passamos a trocar várias impressões. É curioso porque os artistas viajantes têm várias coisas em comum. Há os cadernos de viagem com anotações, desenhos, pinturas, lembranças, experiências... Nós percebemos que tínhamos essa predileção por experiências em viagens. Quando voltamos da viagem e nos encontramos, um pouco frustrados porque não poderíamos trazer as obras que ficaram por lá, resolvemos criar uma ficção chamada Macedônia”, explica Wilson sobre o processo de idealização da exposição.

“O fato de ser uma exposição viajante e itinerante, que já nasce migratória, é talvez uma constatação de que o homem precisa viajar, precisa conhecer o mundo, precisa conhecer novas terras, desbravar novas coisas e ver que tudo é lindo, tudo é incrível. O mundo vale a pena”, indica.

Wilson Neto e Daniel Chastinet iniciam a exposição 'Macedônia' em Brasília
Wilson Neto e Daniel Chastinet iniciam a exposição 'Macedônia' em Brasília (Foto: Divulgação)

Processos criativos

A partir da ideia inicial, começaram um trabalho “a quatro mãos”. Neto, por exemplo, já estava acostumado a produzir de forma coletiva. “Gosto muito de trabalhar dividindo. Nas artes visuais, às vezes temos um conceito modernista de que o artista trabalha sozinho, no ateliê, com seus pincéis, suas tintas, seus cavaletes. E ele fica nessa coisa meio do homem das cavernas, que de vez em quando sai. É como uma Rapunzel em cima de uma torre de marfim, esperando que um dia um curador apareça, o resgate e mostre o trabalho para o mundo. Eu acho que isso deve funcionar para algumas pessoas. Mas sou uma pessoa gregária”, afirma.

Para ele, as artes devem ser um ato compartilhado. “Muitas vezes, um trabalho feito sozinho funciona como um ‘ego trip’, um autoelogio, e, de certa forma, é algo meio egoísta. Se você pensar que outras artes, como música, cinema e dança, são sempre artes que você conta com outros profissionais, esse ego é até diluído. Talvez poucas artes, como literatura ou artes visuais, permitem essa possibilidade de ser feita apenas por uma pessoa. Mas a gente acaba dependendo de outros profissionais”, pondera.

Ao retornarem da Macedônia, Daniel Chastinet e Wilson Neto imergiram no trabalho
Ao retornarem da Macedônia, Daniel Chastinet e Wilson Neto imergiram no trabalho (Foto: Divulgação)

Enquanto Wilson Neto lança seu olhar para a produção coletiva há muito tempo, essa foi a primeira experiência de Daniel Chastinet com outra pessoa. Ele chegava ao ateliê com suas ferramentas: tinta acrílica, pincéis e pastéis secos. “Às vezes, a gente partia do desenho de um caderno, de uma foto ou até de manchas nos tecidos. Enquanto fazíamos isso, conversávamos sobre a Macedônia. O Wilson consegue trabalhar muito rápido, ele tem o costume de trabalhar com grandes formatos. Eu costumo trabalhar com formatos pequenos e com tinta óleo”, diz.

De acordo com o também ilustrador, o tempo dos dois era diferente. “Você vê uma pessoa pintando bem rápido do seu lado e você quer tentar correr também. Mas acho que, após o segundo dia, já entendi que eu tinha outro ritmo, de passar mais tempo em cada tela e depois ir para outra, de dar meu tempo para trabalhar e formatar”, ressalta.

Quando terminaram as obras e perceberam que havia conteúdo suficiente para idealizarem uma exposição, a pandemia chegou. Eles trabalharam entre julho e dezembro de 2019, mas foram impedidos, no ano seguinte, com o isolamento social provocado pelo coronavírus.

“Quando nós concluímos a produção, já tínhamos um corpo de trabalho, e resolvemos expor. Mas fomos tolhidos pela pandemia. Então essa exposição inteira ficou guardada no ateliê, esperando um futuro incerto, porque a pandemia nos roubou essa perspectiva de planos futuros. Mas as coisas foram se dando ao ponto de que nós encontramos maneiras de fazer a mostra surgir”, indica Wilson.

Obra de Daniel Chastinet e Wilson Neto na exposição 'Macedônia'
Obra de Daniel Chastinet e Wilson Neto na exposição 'Macedônia' (Foto: Divulgação)

Os futuros de uma pós-pandemia

Com a reabertura econômica e o retorno às atividades que ocorriam antes do isolamento social, os dois percebem que já é possível fazer planos para o futuro. “Eu acho que a gente está começando a ver que pode fazer planos agora. Neste último mês, vimos que a vacinação está funcionando. A gente vê que 2022 talvez seja um ano de voltar a uma normalidade. É como se agora que eu estivesse me permitindo pensar: ‘ah, próximo ano vou atrás disso, e isso tem chances de funcionar’, porque acho que esse momento de pandemia foi quase de antiplanos”, reflete Daniel Chastinet.

Durante o primeiro lockdown, ele ficou sem tantos trabalhos na área da ilustração. Por isso, decidiu pintar em um ritmo regular, começando por pinturas menores para poder perceber que a produção estava acontecendo. “Quando a gente se trancou e ficou em casa, vi que tinha que fazer alguma coisa para segurar a onda do meu emocional. Já que estava meio que sem trabalho nenhum de ilustração em andamento, comecei a pintar. Fiz algumas lives bem no início da pandemia. Isso foi me estimulando a pintar mais, acabei o primeiro momento da pandemia produzindo em uma velocidade que antes eu não tinha”, recorda.

Já Wilson Neto precisou fazer algo que ele não estava acostumado: isolar-se no ateliê e deixar de lado os trabalhos coletivos. “Uma produção recente começou com a morte da minha primeira amiga com Covid-19”, relata. O artista achava, no começo, que estava produzindo obras sobre a morte. Entre os pigmentos vermelhos e alaranjados, percebeu: “estava falando mais da vida e dos símbolos universais que o humano sempre utilizou não só como ritos de passagem, mas também para se comunicar com o que chama de ‘além’, de ‘desconhecido”.

No total, foram três conjuntos de arte que acredita que podem se tornar exposições no futuro. Um deles é “Pintura de Brinquedo”, que surgiu de uma inspiração que teve após sonhar que arqueólogos encontravam brinquedos de crianças do passado. Também há “Frenofilia”, o resultado de seu interesse sobre o simbolismo com a cabeça dos humanos. Tudo, entretanto, ainda está sendo conversado para o futuro. “O processo criativo na pandemia, para mim, ficou até exacerbado. Senti um furor criativo, como se o corpo implorasse por realidades alternativas, uma ficção nova, porque as notícias que nos chegavam todos os dias eram só notícias tragédias. Precisava criar essas ficções a partir da minha arte”.

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