Outros mundos de fantasia: conheça a nova geração de escritores brasileiros

A literatura fantástica produzida por brasileiros ganha espaço, principalmente, com a divulgação dos escritores e das editoras na internet

O Brasil estava no final do século XIX quando uma escritora cearense decidiu criar o primeiro romance de fantasia e ficção científica brasileiro. Na época, existiam muitas variantes que colocariam a história à margem: era uma mulher, literata, escrevendo um gênero que agradava poucos defensores de uma tal “literatura culta”. Mesmo assim, publicou. O livro era “A Rainha do Ignoto”, de Emília Freitas, publicada atualmente pela Editora Wish e pela Fora do Ar.

A partir disso, a primeira obra longa nacional e fantástica foi sobre uma sociedade secreta feminina que recrutava mulheres que enfrentavam sofrimentos em uma realidade patriarcal. Muito antes dos grandes cânones do fantástico internacional aparecerem, como J.R.R. Tolkien, J.K. Rowling, Neil Gaiman, C.S Lewis e George R. R. Martin, os brasileiros já criavam raízes por universos distantes do real a partir de uma visão não tão tradicional.

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Os indícios de uma trajetória brasileira para a fantasia já haviam sido traçados naquela época. Entretanto, foi somente nos últimos anos que surgiu um mercado nacional destinado ao gênero. Nomes como Raphael Montes, Eduardo Spohr, Raphael Draccon, Carolina Munhóz e André Vianco abriram caminho em um cenário repleto de autores do exterior. Agora, editoras e até empresas de agenciamento de escritores focam em expor esses nomes para o público.

Uma dessas agências é a Dame Blanche, fundada em 2016. “A DB surgiu com a ideia de uma amiga minha, Clara Madrigano, que foi co-editora da casa até 2020, quando saiu para se dedicar à sua carreira como autora. Nós duas gostamos de histórias curtas especulativas, mas ninguém estava publicando o formato no Brasil. O que aconteceria se a gente investisse no assunto? Daí surgiu a editora”, recorda a editora Anna Martino.

Para ela, o espaço da literatura fantástica ainda é pequeno em território nacional. “O espaço, teoricamente, é pequeno, em um mercado que já não é assim nenhuma maravilha. Tem muita gente que olha torto para o gênero, achando que é algo ‘menor’”, explica. A profissional, entretanto, ressalta a importância do público: “nosso público leitor é fiel, curioso e traz sempre mais gente para ler junto.”

Gabriela Colicigno, fundadora da Agência Magh, compartilha de opinião semelhante, mas pontua que a demanda por obras do gênero cresce, apesar do nicho ainda ser restrito. “A literatura fantástica cresce a olhos vistos nos últimos anos, especialmente fantasia voltada para adolescentes. Porém, a literatura nacional fantástica ainda é mais nichada, com várias editoras independentes e autopublicação dominando. Aos poucos, vemos o interesse das editoras grandes e mais tradicionais crescer, o que é ótimo, mas esse avanço ainda é tímido”, avalia.

De acordo com a agente literária, o mercado editorial vive uma situação complexa. “Recuperação judicial de duas das maiores redes de livrarias do país, crise econômica, Covid-19 e alta do dólar. Os últimos anos não foram fáceis para o mercado como um todo, as vendas caíram muito e a contratação de novos títulos diminuiu de forma vertiginosa. Só agora, em 2021, percebo que as editoras estão voltando ao ritmo que tinham há alguns anos”, cita.

Apesar dos vários pontos negativos, isso deu margem a uma nova realidade: grandes editoras estão buscando publicar mais autores nacionais por causa dos custos de importação dos livros internacionais com a alta sucessiva do dólar. “O apetite das editoras por novas contratações tem aumentado, e isso inclui nacionais, porque com a alta do dólar, sai caro comprar livros estrangeiros na mesma medida de antes. A preferência por livros estrangeiros não é exclusiva do gênero fantástico - nosso mercado está mais acostumado a traduzir livros de todos os tipos”, opina.

Internet para divulgação

Um dos principais meios de divulgação da nova geração de autores brasileiros é a internet. Empresas e escritores são revelados ao mercado a partir de publicações nas redes sociais. “Mesmo os autores publicados no esquema tradicional precisam usar a internet para se divulgar hoje em dia. A DB não existiria sem a internet. Desde a fundação, a divulgação da editora sempre foi na base do boca a boca nas redes sociais”, explica Anna Martino.

Muitos internautas, por exemplo, conhecem obras a partir de mensagens ou de influenciadores digitais. “Booktubers” e “booktokers” são exemplos de pessoas que disseminam a literatura no meio digital. “É por meio de sites como o Twitter, TikTok ou Instagram que muita gente descobre títulos e autores novos atualmente. Então a promoção acaba se tornando parte do trabalho do escritor”, afirma.

Além disso, a internet facilita a autopublicação - quando uma pessoa é a responsável por quase todos os processos até publicar sua obra. “É muito mais fácil do que há uns anos publicar seu próprio livro e construir comunidades de fãs. Ao mesmo tempo, a quantidade de material produzido também aumentou, então a concorrência por atenção ficou mais difícil. São lançados centenas de livros e contos todos os meses, é quase impossível acompanhar tudo”, ressalta Gabriela Colicigno.

Em sua perspectiva, “um livro independente que chama atenção do público também chama atenção de agentes e editores, quase como uma curadoria. Os financiamentos coletivos também são uma forma muito interessante de tornar o trabalho conhecido, seja para autores ou editoras independentes, porque permitem vender diretamente ao público”.

Conheça autores

Muitos autores novos exploram as narrativas fantástica, como fantasia, ficção científica e terror. Eles costumam ser ativos nas redes sociais e mantêm um relacionamento próximo com os seus leitores. Confira lista com alguns escritores para conhecer.

Representatividade na literatura

Há algo em comum entre os cânones da literatura fantástica atual. Em “O Senhor dos Anéis”, “Harry Potter” e “A Guerra dos Tronos”, é difícil encontrar personagens negros. Os que aparecem são poucos ou estão restritos à condição de escravos. Se protagonistas pretos são escassos, os LGBTQIA+ são quase inexistentes e, por vezes, estereotipados. Depois de tanto tempo nessa situação, os autores que estão em algum grupo colocado à margem decidiram preencher os vazios das histórias com diversidade.

“Queremos ser os heróis das nossas histórias. O espírito de 'procurar sua turma' é algo que move esta nova onda. O mundo é feito de muitas histórias, e não é justo ficarmos só com uma pequena parte delas. Os leitores sabem disso e estão cada vez mais dispostos a encontrar esses lugares de vivência”, afirma a editora Anna Martino. “É uma afirmação bem sonora: estamos aqui, sempre fizemos parte e vamos ficar por aqui porque o futuro também é nosso”, continua.

Gabriela Colicigno, da Agência Magh, também ressalta a importância de trazer personagens diversos. “Trazer personagens e histórias fora do padrão ‘branco-hétero-cis’ que lemos nos últimos séculos é importantíssimo e imprescindível para pensarmos novos futuros, novas perspectivas. Isso não é exclusividade dos independentes e tem sido crucial na contratação de livros aqui e lá fora”, afirma.

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