20 anos do filme "O Senhor dos Anéis": entenda a mitologia de Tolkien

O primeiro filme da saga "O Senhor dos Anéis" estreou há 20 anos no cinema. Vida&Arte explica o "Legendarium"

Talvez as perguntas mais essenciais da existência humana sejam aquelas que não possuem respostas concretas e científicas. Quem somos? Para onde vamos? Qual o nosso objetivo nesse mundo? Milhares de filósofos se debruçaram nesses questionamentos na tentativa de encontrar alguma explicação. Enquanto indivíduos se apoiam em pensamentos que muitas vezes permanecem no campo da pesquisa, os povos e suas culturas criam possibilidades através da mitologia. Zeus, Pôncio Pilatos, Eros, Izanagi e vários outros seres mitológicos surgem através de séculos de tradições de povos distintos.

Mas, em uma casa qualquer na Inglaterra, um homem sozinho criou uma história que posteriormente veio a ser considerada uma mitologia. Um trabalho que costuma perdurar por centenas de anos apareceu em pouco tempo na mente do escritor e professor J. R. R. Tolkien (1892 - 1973).

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Tudo começa, na verdade, com a coletânea “O Silmarillion”, publicada somente depois da morte do autor. No compilado de textos, alguns deles escritos duas décadas antes de “O Hobbit” (1937), ele discorre sobre a formação de Eä, que seria o universo.

Eru Ilúvatar, o poder supremo, criou vários seres angelicais denominados de Ainur. Entretida com música, essa espécie de anjo elaborou uma canção que concedeu a eles a visão do planeta Arda e dos Filhos de Ilúvatar (elfos e humanos).

Esse “deus” designou que Manwë se tornasse o responsável pelo futuro reino. Com o trabalho em mãos, chamou espíritos superiores e inferiores para concretizar o projeto iniciado na obra musical. Melkor, o principal antagonista, tinha o desejo de comandar o ambiente, mas isso não impediu a continuidade dos planos para o planeta.

Surgiu, assim, um continente dentro de Arda: a Terra Média, onde toda a história de “O Senhor dos Anéis” e “Hobbit” acontece. O lugar, que viveu três momentos distintos, passou por longos períodos de dominação e guerras. Nos livros de Tolkien, a narrativa ocorre na Segunda Era.

“As principais histórias que Tolkien criou estão envoltas dessa mitologia, que ele chamou de ‘Legendarium’, ou ‘Legendário’, em português. São essas histórias dentro do universo que ele tanto detalhou. É um universo onde se criou a Terra, chamada de Arda, e onde existiam os continentes, em que um deles é a Terra Média”, explica Cristina Casagrande, mestre em literatura comparada, autora de “A Amizade em ‘Senhor dos Anéis” e criadora da página “Tolkienista”, em entrevista ao O POVO.

“É engraçado porque a mitologia normalmente é criada por um povo, ao longo dos séculos, mas o Tolkien acabou criando uma mitologia da cabeça dele mesmo... O ‘Hobbit’ foi lançado por acaso: era uma história que ele contava para os filhos e que acabou tendo conhecimento do público. Mas, antes de 1937, ele já estava escrevendo sobre o Legendário”, diz. O escritor, porém, parou algumas vezes de detalhar esse mundo para focar na saga “O Senhor dos Anéis”. Isso fez com que a obra “O Silmarillion” tivesse lançamento póstumo e inacabado.

Mesmo a necessidade de pausas não impediu que o universo se tornasse complexo. Com seus conhecimentos sobre filologia, inventou uma língua própria. Assim como o português mudou de “vossa mercê” para “você”, o élfico também passou por adaptações com o decorrer dos anos.

Não só: a própria história é contada como se alguém estivesse interpretando uma das várias versões da Bíblia, por exemplo. No caso de Tolkien, tudo teria derivado de traduções de “O Livro Vermelho do Marco Ocidental”. Em “Hobbit”, Bilbo Bolseiro é o autor da história e também tradutor de várias obras escritas em élfico. Se há inconstâncias nos personagens ou em outros momentos, a explicação é simples: foi uma questão de interpretação de quem traduziu.

Influências no contemporâneo

“Tolkien tem uma obra de fantasia mitopoética tão vasta que ele virou uma grande referência. Ele pode não ter sido o criador e inovador em vários aspectos, mas desenvolveu como ninguém os mundos secundários”, comenta Cristina Casagrande. Para ela, a influência do escritor na literatura contemporânea ocorre, principalmente, por causa da profundidade que concedeu ao seu universo.

De acordo com a pesquisadora, as obras do autor também podem ter impactado na leitura em profundidade. “O Senhor dos Anéis”, que é um único livro dividido em três partes, tem mais de 1.000 páginas. “Sempre vai ter espaço para você imitar o mundo que a gente vive. Acho que ele contribuiu para que isso ganhasse mais força. Percebeu-se que as pessoas gostam de conhecer mundos novos”, pontua.

De acordo com Stephen King, um dos principais escritores de terror da atualidade, J. R. R. Tolkien contribuiu para que várias gerações seguintes de fãs de fantasia criassem as próprias histórias. Em “Sobre a Escrita”, cita Terry Brooks, Piers Anthony, Robert Jordan e Richard Adams.

Além deles, vários escritores de literatura fantástica também já falaram sobre o autor de Hobbit como uma de suas principais inspirações. George R. R. Martin (“A Guerra dos Tronos”), Neil Gaiman (“Good Omens”) e J. K Rowling (“Harry Potter”) foram alguns.

“Cheguei à conclusão de que ‘O Senhor dos Anéis’ foi, provavelmente, o melhor livro que já foi escrito, o que me colocou em um dilema. Queria ser escritor quando crescesse. (Isso não é verdade: eu queria ser um escritor naquela época). E eu queria escrever ‘O Senhor dos Anéis’. O problema é que já havia sido escrito”, disse Gaiman em um discurso para a organização Mythopoeic Society em 2004.

Durante aquele encontro, revelou que Tolkien foi um dos principais motivos para ter se tornado escritor. “Chesterton, Tolkien e Lewis não foram somente os únicos escritores que li entre as idades de seis e treze anos, mas foram os autores que li repetidamente. Cada um deles desempenhou um papel na minha construção”, afirmou.

“Sem eles, não posso imaginar que teria me tornado um escritor, e certamente não um escritor de ficção fantástica. Eu não teria entendido que a melhor maneira de mostrar às pessoas coisas verdadeiras é a partir de uma direção que elas não imaginaram que a verdade viria, nem que a majestade e a magia da crença e dos sonhos pudessem ser uma parte vital da vida e da escrita”, concluiu.

Tolkienista

Há cinco anos, a pesquisadora Cristina Casagrande criou o perfil do Instagram “Tolkienista” com o objetivo de divulgar informações sobre J. R. R. Tolkien e suas histórias. Algum tempo depois, elaborou um site para disseminar estudos acadêmicos sobre o assunto e favorecer o diálogo entre a academia e o público interessado. “A minha ideia era ir mais para o lado da análise e, às vezes, da diversão. Recordar alguns detalhes, fazer interligações entre as histórias e levar à reflexão”, afirma. Em 2021, também passou a publicar vídeos em seu canal do YouTube.

Ela, que já trabalhava na área de letras antes de se aprofundar no escritor britânico, fortaleceu seu vínculo com a literatura. “Tenho vontade de escrever não somente literatura, mas também ficção. Neste aspecto, não tenho nenhuma pretensão de imitá-lo, nem me julgo à altura. Mas ele se torna uma referência para mim no sentido de buscar autenticidade. Ele não gostava muito de ser comparado com outros escritores, não porque se achava melhor, mas por acreditar que cada história é única”, indica.

Segundo ela, todos os dias há questões novas para descobrir sobre Tolkien e “O Senhor dos Anéis”. “Hoje li que ele desenhava tapetes da cultura de um povo na Segunda Era. Até isso ele fez. O Tolkien é muito fora da curva, é incomparável… Como leitora, é uma história que me convida a leituras e releituras. Cada dia, tem um sabor novo”, pontua.

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