'Dezembrite': entenda o peso emocional de dezembro

Psicóloga explica como a dezembrite afeta diferentes gerações e saiba o que explica o aumento da ansiedade, das cobranças e das frustrações no fim do ano

14:10 | Dez. 05, 2025

Por: Izabele Vasconcelos
A chamada dezembrite não é um diagnóstico oficial, mas descreve o acúmulo emocional típico das festas de fim de ano (foto: Reprodução/Freepik)

A proximidade do fim do ano costuma despertar balanços, expectativas e um senso de urgência que, segundo a psicóloga e escritora Cibele Cortez, funcionam como uma “inflamação das emoções”.

Ela explica que o termo “dezembrite” não é reconhecido pela psicologia como condição clínica, mas ganhou força no imaginário popular por representar um conjunto de cobranças e idealizações.

Cibele compara dezembro a uma escalada. “É como se a vida fosse uma montanha em que vamos subindo durante o ano para, ao chegar no topo, conquistar tudo. A palavra ‘tudo’ já nos coloca num lugar de onipotência, quase divino”.

Para ela, não se trata de doença, mas de uma construção cultural marcada por fantasias, idealizações e expectativas irreais de que tudo se alinhará “no último mês”.

Entenda como funciona o mito da "felicidade obrigatória", as expectativas de fim de ano, por que os jovens sofrem mais de “dezembrite” e como lidar melhor com esses sintomas.

Dezembrite: a idealização das festas e o mito da "felicidade obrigatória"

Segundo a psicóloga, dezembro é carregado por uma narrativa profundamente brasileira: a de que o Natal e as festividades “devem” trazer harmonia familiar e felicidade plena. Esse romantismo, afirma ela, desconsidera a realidade das relações.

“Quando há frustração — e nós nos frustramos todos os dias — as pessoas têm dificuldade de lidar com angústia e tristeza”, diz.

Ela explica que a pressão por bem-estar se mistura a aspectos culturais, familiares e até ancestrais, criando a impressão de que as festas resolverão conflitos antigos. “Muitas relações nunca foram olhadas olho no olho. Não dá para resolver tudo num único encontro”, afirma.

Por isso, situações encobertas, como tensões veladas, violências e comunicações truncadas, podem transformar dezembro em um gatilho emocional significativo.

Conflitos familiares e expectativas: por que as reuniões podem gerar ansiedade

Para Cibele, a convivência forçada em reuniões familiares pode intensificar sofrimento emocional. “As festas podem ser gatilho para tristeza e ansiedade porque há muitas coisas veladas que não podem ser ditas”, explica.

Ela cita exemplos de abusos, violências e mágoas antigas que continuam silenciadas para manter aparências. “Não tem que ir para uma festa de final de ano e fingir que está tudo bem”, reforça. Segundo a psicóloga, cada pessoa precisa avaliar seu estado emocional e ter maturidade para decidir se está disponível para o convívio naquele momento.

O cansaço acumulado e a ansiedade do “fim de ciclo”

O fim do ano costuma ser interpretado como uma “chegada final”, quando, na verdade, não existe um encerramento real, afirma Cibele. “Não existe fim, existe processo”, explica.

Ela compara o psiquismo a uma piscina: se as folhas e poeiras não assentam, nada pode ser limpo. Assim, o excesso de tarefas, futurismo e cobrança em dezembro cria uma ansiedade intensa, alimentada pela cultura do hiperconsumo e do imediatismo.

“Entre a expectativa e o que existe, há a realidade. Muitos não sabem se presentificar”, afirma.

Por que os jovens sofrem mais com a dezembrite

Entre as gerações, a Geração Z é a mais impactada pela "dezembrite", segundo a psicóloga. Cibele aponta que esse grupo cresceu sob hiperexposição, imediatismo e comparação constante nas redes. “Eles vivem num discurso de performance. É tudo para fora, criando uma imagem ideal do eu”, diz.

As plataformas também alimentam uma competição silenciosa por conquistas, especialmente com retrospectivas digitais, que reforçam a sensação de insuficiência.

O resultado, explica, é a desconexão com a nature­za interna e um “vazio” difícil de acessar sem autoconhecimento. 

Conexão perdida, excesso de metas e o risco do autoabandono

Para Cibele, a pressão por resultados transforma dezembro num período de autoabandono. “Se eu coloco toda a energia na performance, abandono outras áreas da vida”, afirma. Ela explica que somos seres “biopsicossociais”, e que ignorar emoções produz desequilíbrios profundos.

A psicóloga reforça que muitos esquecem o próprio ritmo, seus ciclos internos e até o básico: perguntar a si mesmos “o que eu quero?”. Segundo ela, o desejo virou sinônimo de “ter”, e não mais de “ser”. “Para ter algo, é preciso existir. E existir exige autocuidado, autocompaixão e presença.

Consumo, as redes sociais e a cultura do “ser forte”

O imaginário de produtividade extrema, segundo Cibele, resgata até lógicas da era industrial. “Parece que toda libido foi colocada na produção”. Isso se mistura ao hiperconsumo, ao imediatismo e à valorização da imagem nas redes.

Ela observa que muitos tentam “engolir emoções”, criando uma força que esvazia o feminino simbólico do cuidado. “Ser forte virou engolir sentimentos”, diz. A psicóloga destaca ainda que a sociedade dorme pouco, se conecta pouco com a natureza e vive em urgência constante — cenário perfeito para amplificar a dezembrite.

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Como lidar melhor com a dezembrite

Quem vive intensamente o peso emocional de dezembro pode buscar:

  • descanso adequado
  • pausas diárias
  • conexão com a natureza
  • menor exposição às redes
  • práticas terapêuticas
  • banhos relaxantes
  • doação de objetos
  • organização da rotina
  • acompanhamento psicológico (quando necessário)

Para Cibele, cada pessoa deve encerrar o ano à sua maneira, longe das idealizações que cercam dezembro. Ela cita a história de uma autora que aprendeu a assumir o que não sabia fazer. “É preciso se comprometer com o melhor possível de si”.

A recomendação central de Cibele Cortez é clara: cultivar presença, autocuidado e vínculos reais ao longo do ano — e não apenas quando dezembro chega.