Barroso deixa o STF: relembre a trajetória e casos marcantes

Barroso no STF: trajetória tem posições progressistas, jeito descontraído e embates com Gilmar Mendes

Indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro foi relator de ações relevantes, protagonizou embates na Corte e esteve na presidência do STF entre 2023 e 2025

Luís Roberto Barroso encerrou a sua atuação no Supremo Tribunal Federal (STF) em última sessão nessa sexta-feira, 17, e iniciou a aposentadoria neste sábado, 18. O ex-ministro de 67 anos decidiu deixar o Supremo antes da idade limite de 75 anos. Barroso finalizou uma trajetória de 12 anos na Corte, com episódios marcantes e polêmicos durante esse período.

Com o início da aposentadoria do ex-ministro neste sábado, diferentes nomes surgem entre os cotados para indicação do presidente Lula. O advogado-geral da União, Jorge Messias, no entanto, é o favorito para vaga, embora haja alas de ministros do STF e parlamentares que defendem o senador Rodrigo Pacheco (PSD).

Histórico e como chegou ao STF

Natural de Vassouras, no Rio de Janeiro, Barroso é formado em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde também obteve título de Doutor em Direito Público e é docente de Direito Constitucional. Também atuou como professor visitante na Universidade de Brasília, na Universidade de Poitiers, na França, e na Universidade de Wroclaw, na Polônia.

Em 2013, foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) para o Supremo, na vaga aberta após aposentadoria do ministro Carlos Ayres Britto. Ele fez carreira como advogado, um "velho conhecido" do STF. Elte atuação em casos importantes no Supremo, entre elas, a defesa do reconhecimento das uniões homoafetivas e a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias. Ele também autuou no caso da proibição do nepotismo no Poder Judiciário.

Principais processos

Nos primeiros meses como ministro, a Ação Penal do Mensalão foi redistribuída para Barroso, depois da aposentadoria de Joaquim Barbosa, relator do processo. 

Em 2017, Barroso foi relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41, em defesa da Lei de Cotas. No voto, Barroso afirmou que a lei não representa violação ao princípio da igualdade e “é uma reparação histórica a pessoas que herdaram o peso e o custo social e o estigma moral, social e econômico que foi a escravidão no Brasil”.

Três anos depois, Barroso determinou o estabelecimento de medidas para a proteção dos povos indígenas durante a pandemia de Covid-19.

Entre as medidas, estavam: a instalação de barreiras sanitárias para proteger os indígenas isolados e os de contato recente com a sociedade e a apresentação de um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para os povos indígenas brasileiros, incluindo medidas para remover invasores das terras indígenas.

Ainda em 2020, o ministro votou contra a autorização de que os pais deixem de vacinar os filhos por convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais: “O direito à saúde da coletividade, e particularmente das crianças e dos adolescentes, deve prevalecer sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica”.

Sob sua presidência, o Supremo decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Partiu dele a primeira sugestão para diferenciar usuário de maconha de traficante, ainda em 2015. A referência foi de  25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas da espécie. 

Embates com Gilmar Mendes

Em 2018, em sessão transmitida pela TV Justiça da ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre doações eleitorais, Barroso e o ministro Gilmar Mendes protagonizaram um embate na Corte. 

Na ocasião, Mendes criticou supostas manobras de ministros para votarem em processos: “Agora, vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com dois, três ministros”. Logo em seguida, Barroso respondeu com irritação e chamou o ministro de “pessoa horrível” com “pitadas de psicopatia”.

“Me deixa fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo Vossa Excelência aqui fazer um comício cheio de ofensas, grosserias. Vossa Excelência não consegue articular um argumento, fica procurando. Já ofendeu a presidente [Cármen Lúcia], já ofendeu o ministro [Luiz] Fux, agora chegou a mim. A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia, só ofende as pessoas”.

O ministro ainda considerou o temperamento de Mendes “grosseiro e rude” e afirmou que o ministro “é uma desonra e desmoraliza o Tribunal”. A então presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, interrompeu a discussão para suspender a sessão. 

Ministros discutiram novamente em 2021

Em 2021, os dois voltaram a discutir. Dessa vez, em sessão no STF sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro. O ministro Gilmar Mendes comentou sobre um suposto conflito de competência entre a Segunda Turma e o Plenário.

Barroso respondeu que o conflito não foi entre a turma e o Plenário, mas entre o relator, Edson Fachin, e a turma. “Se os dois órgãos têm o mesmo nível hierárquico, um não pode atropelar o outro”. Mendes, então, respondeu que isso “talvez exista no código do russo”, em referência a Moro.

Em seguida, o ministro Barroso destacou: “Não precisa vir com grosserias [...] Vossa Excelência sentou em cima da vista por dois anos e depois se acha no direito de ditar regras para os outros”.

Em meio às falas calorosas dos dois, o presidente do Supremo na época, ministro Luiz Fux, encerrou a sessão.

Pela primeira vez, um voto conjunto

Os episódios conturbados, porém, parecem ter ficado no passado. Em 2023, Barroso e Mendes voltaram a chamar atenção, mas por outro motivo. Pela primeira vez na história da Corte, dois ministros apresentaram voto conjunto. Eles apresentaram o voto sobre o piso nacional para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras, com condicionantes para o cumprimento da lei.

Em outubro deste ano, durante anúncio da sua aposentadoria, Barroso aproveitou para falar sobre cada ministro e agradeceu a “parceria valiosa” de Gilmar Mendes. 

“A vida nos afastou e nos aproximou. Fico feliz que tenha sido assim e sou grato por sua parceria valiosa ao longo da minha gestão e por sua defesa firme do tribunal nos momentos difíceis”. 

Mendes afirmou que não guarda mágoas e destacou a importância do trabalho de Barroso, principalmente durante os dois anos na presidência do Supremo.

Presidência do STF

10 anos após chegar na Corte, Barroso assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal em setembro de 2023, substituindo a ex-ministra Rosa Weber.

A chegada do ministro ao cargo se deu em meio a um contexto conturbado, meses após os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro e a invasão e depredação da sede dos Três Poderes. O julgamento dos responsáveis teve início ainda durante a gestão de Barroso.

O ministro também esteve à frente da presidência do STF durante o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete réus pela trama golpista. Bolsonaro foi condenado pela Primeira Turma a 27 anos e três meses de prisão.

Barroso deixou a presidência em setembro deste ano e foi substituído por Fachin, com o ministro Alexandre de Moraes na vice-presidência.

Aposentadoria antecipada

Em sessão realizada no dia 9 de outubro, o ex-presidente do STF anunciou aposentadoria antecipada e se emocionou ao falar sobre a própria trajetória e destacar a importância do cargo, pontuando também os sacrifícios e perdas pessoais enfrentados. 

“Ao longo desse período, enfrentei e superei dificuldades e perdas pessoais. Nada disso me afastou da missão que havia assumido perante o país e minha consciência de dar o melhor de mim na prestação da justiça. Os sacrifícios e os ônus da nossa função acabam se transferindo aos nossos familiares e às pessoas queridas, que sequer têm qualquer responsabilidade pela nossa atuação. Gostaria de me despedir com uma breve reflexão sobre a vida, sobre o Brasil e sobre o Supremo Tribunal Federal”.

O ex-ministro também afirmou que a aposentadoria foi longamente amadurecida e sem qualquer ligação com fatos da conjuntura atual. A possibilidade da decisão teria sido comunicada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) há cerca de dois anos.

Jeito descontraído

Pessoalmente, o ministro demonstrou jeito descontraído. Diversos registros circulam as redes sociais do ministro cantando em festas, como aconteceu em sua despedida da presidência do STF. No evento, ele subiu no palco para discursar e cantar clássicos do samba, entre eles, o samba-enredo da União da Ilha.

Em suas redes, ele tem o costume de fazer indicações de obras. Um dos citados foi "Capitães da Areia" de Jorge Amado.

Último ato: voto para descriminalizar o aborto

Em última sessão no cargo nessa sexta-feira, 17, Barroso votou a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. 

O voto foi proferido no julgamento de uma ação protocolada pelo Psol, em 2017. O partido defende que a interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legenda alega que a criminalização afeta a dignidade da pessoa humana, principalmente de mulheres negras e pobres.

De acordo com a legislação brasileira, o aborto só é permitido no caso estupro, risco à saúde da gestante e de fetos anencéfalos. Segundo o ministro, a interrupção da gestação deve ser tratada como uma "questão de saúde pública", e não pelo direito penal. Ele seguiu o mesmo posicionamento de Rosa Weber. 


Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Tags

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar