Fala de André Fernandes sobre premiar PMs por mortes de bandidos coincide com polêmica no RJ
Deputado cearense do PL defende condecoração a PM que mais matar bandidos; projeto similar no Rio pode ser vetado pelo governador Cláudio Castro, também do PL
O deputado federal cearense André Fernandes (PL) anunciou a intenção de condecorar o policial militar que mais matar traficantes e faccionados no Ceará. A proposta, feita durante discurso na Câmara dos Deputados, ocorre no momento em que o estado do Rio de Janeiro discute medida semelhante: um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa (Alerj), que restabelece a chamada “gratificação faroeste”, voltada à premiação de agentes de segurança.
O parlamentar destinou cerca de R$ 1,8 milhão em emendas para a Polícia Militar do Ceará (PMCE), com recursos voltados à compra de 152 fuzis, 200 kits de APH tático e mais de 100 mil munições de pistola, conforme revelou o colunista do O POVO Guilherme Gonsalves.
Ao anunciar a destinação, André Fernandes afirmou: “O meu desejo é um só: que a Polícia faça bom uso desse equipamento matando muitos bandidos”. Em seguida, prometeu criar uma condecoração específica: “Vou condecorar o policial militar que mais matar traficante e faccionado no Estado do Ceará”.
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Proposta semelhante no Rio
No Rio de Janeiro, a Alerj aprovou, no mês passado, projeto que restabelece um bônus salarial para policiais, apelidado de “gratificação faroeste”. O texto prevê prêmios que variam de 10% a 150% dos vencimentos de agentes que se destacarem na apreensão de armas de uso restrito ou na “neutralização de criminosos” — expressão que, na prática, tem sido associada a mortes.
A proposta provocou reação de órgãos de controle, que apontam ilegalidades e inconstitucionalidade. A Defensoria Pública da União (DPU) afirmou, em ofício enviado ao governador em 29 de setembro, que o projeto “estimula confrontos com mortes no estado” e viola a Constituição Federal, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O documento destaca ainda que o termo “neutralização” é impreciso e “viola a dignidade da pessoa humana”.
O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro também considerou o texto inconstitucional. Em manifestação de 24 de setembro, o órgão apontou que a medida “favorece o incremento da letalidade policial” e possui vício de iniciativa, já que propostas sobre remuneração de servidores são de competência exclusiva do Executivo.
Tanto o MPF quanto a DPU lembram que a medida contraria a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 635 (ADPF 635), conhecida como “ADPF das Favelas”, que determina limites para operações policiais e busca reduzir mortes decorrentes de confrontos.
Veto em análise
Apesar da aprovação na Alerj, o projeto ainda depende de sanção do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), que sinalizou a possibilidade de veto. Em 6 de outubro, Castro afirmou que a gratificação “provavelmente deverá ser vetada”, alegando que o pagamento poderia contrariar regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
A redação final foi enviada ao Palácio Guanabara em 3 de outubro, e o governador tem até 15 dias úteis para decidir.
Precedente histórico
A “gratificação faroeste” tem origem no governo Marcello Alencar (RJ), em 1995, quando previa bônus salariais de 10% a 150% a policiais por atos de bravura, frequentemente associados a mortes de suspeitos em confronto. A medida foi suspensa em 1998, após denúncias de extermínio.
O pagamento foi definitivamente encerrado em 2000, após decisão do então governador Anthony Garotinho (na época no PDT).
Nos dois estados, as ideias geram discussão sobre os limites da atuação policial, o papel do Estado na valorização das forças de segurança e o risco de estímulo a práticas que resultem em aumento de mortes em confrontos.