Documentário mostra como facções querem deixar de ser poder paralelo e tomar o poder político

Documentário mostra como facções querem deixar de ser poder paralelo e tomar o poder político

Produção jornalística detalha casos de coação a candidatos, compra de votos e controle territorial por facções criminosas

Facções criminosas têm atuação eleitoral há várias eleições, mas se trata de uma presença crescente. Nas eleições municipais de 2024 no Ceará, o impacto foi muito mais direto que dois anos antes, em 2022, aponta Adriano Saraiva, promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

Guerra Sem Fim: Facções e Político

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"Se não houver uma reação à altura, (a tendência) é de crescimento. E é o que estamos tentando fazer aqui, reagir para impedir esse crescimento, que é muito perigoso. O Estado, que era paralelo, vai se transformar em um Estado formal, porque eles vão fazer parte da política", explica Saraiva, em depoimento para o documentário Guerra sem Fim: Facção e Política.

A produção aborda a crescente influência do crime organizado na política do Ceará, explorando as conexões perigosas entre facções e o poder.

O caso mais destacado é, sem dúvida, o do município de Santa Quitéria, distante 223 km de Fortaleza. Lá, o prefeito reeleito, José Braga Barrozo (Braguinha), do PSB, foi preso por suposto envolvimento com o crime, sendo impedido de assumir o cargo. Ele teve o mandato cassado por vínculo com facção.

Adriano Saraiva considera o caso como chave para a repressão desse tipo de situação no Estado. "A gente tem muita informação, mas a gente tem de focar em Santa Quitéria, até para que seja um exemplo para o Estado todo. Para focar e fazer um grande trabalho, para depois expandir. Não adianta você querer fazer tudo e não fazer nada. Porque o projeto-piloto é lá, justamente para a gente inibir essa atuação das facções com o poder político", explica.

A produção audiovisual conta com depoimentos de autoridades, advogados e jornalistas, que discutem como as organizações criminosas buscam controlar territórios e influenciar eleições em municípios cearenses, com o objetivo de infiltrar-se e formalizar o poder no sistema político. Além de Santa Quitéria, a produção aborda casos em Sobral, Fortaleza e Caucaia.

O início das investigações

O documentário narra desde o início da investigação, a partir da denúncia de que um membro da facção Comando Vermelho estaria se deslocando do Rio de Janeiro para o Ceará, em meados de 2024, para a região de Santa Quitéria e Varjota, com a intenção de coagir eleitores de um candidato, tumultuar o pleito.

Na antevéspera da eleição, em outubro, foi feita uma operação da Polícia Federal com busca e apreensão e a prisão deste faccionado. A apreensão mostrou ligação com prefeito que acabara de ser reeleito, Braguinha.

Segundo as investigações, foram detectadas ações por parte da facção criminosa com o intuito de garantir a vitória de Braguinha na eleição. Dentre elas, a entrega, no Rio de Janeiro, de um veículo Eclipse Cross cheio de dinheiro, feita por servidores municipais a um traficante, chefe do CV em diversos municípios da região Norte do Estado.

"Quem manda mesmo tá lá no Rio. Quem manda mesmo é uma pessoa chamada Doze", conta Saraiva. Doze é o apelido de Anastácio Paiva Pereira, 36 anos. Ele é um dos chefes da facção, com influência em municípios como Ipu, Guaraciaba do Norte, Santa Quitéria, Fortaleza, Caucaia, Sobral, Nova Russas e Croatá.

Ele teria se envolvido na eleição de Santa Quitéria em troca da promessa de um pagamento de R$ 350 mil. Porém, conforme a investigação, ele não recebeu o dinheiro, que teria sido pago a outro membro da facção. "Ele ficou revoltado", narra o promotor. 

No dia da posse, em 1º de janeiro, o prefeito foi preso. Paralelamente, a promotora eleitoral de Santa Quitéria ingressou com ação de investigação judicial eleitoral (Aije) contra Braguinha.

O promotor Emanuel Girão Pinto, do Ministério Público do Ceará (MPCE), conta no filme que foi disponibilizado quatro vezes o contingente normal para atuar na eleição de Santa Quitéria, com reforço de juiz, promotor e trabalho conjunto de inteligência dos órgãos públicos.

Defesa nega envolvimento

A defesa nega qualquer envolvimento de Braguinha com o Comando Vermelho. "De plano, eu posso dizer que não há envolvimento delitivo do nosso cliente em relação à facção criminosa. Não, inclusive, nada nos autos que o vincule, seja por ação, seja por omissão, ao resultado finalístico criminal", afirma Valdir Xavier, um dos advogados de defesa.

O também advogado de defesa, Fernandes Neto, afirma que os bons antecedentes de Braguinha falam a favor dele. "Nessa vida pregressa dele, nesses talvez 40 anos que nós estamos falando, não há nenhum envolvimento com qualquer tipo de crime, com nada ilegal. O que possa gerar, de logo, pelo menos uma presunção dessa inocência", defende.

Fernandes, no documentário, levanta ainda um questionamento: "Quem garante que algum órgão público, do Judiciário, do Executivo, do Legislativo, não tenha pessoa de alguma forma ligada, indireta ou diretamente, com facções criminosas hoje?" 

Domínio territorial

Em uma das cenas exibidas em "Guerra sem Fim: Facção e Política", a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carmen Lúcia já afirmava, ainda antes do período eleitoral de 2024, que os estados em situação mais grave quanto ao avanço do crime organizado em questões eleitorais são Amazonas e Ceará. "O Ceará realmente apresenta um quadro muito preocupante", ela enfatiza.

O deputado estadual Renato Roseno (Psol) aponta a diversificação da atuação dos grupos criminosos. "Tem um mercado dominado por facções que é de produtos ilegais e também de serviços legais, que dependem do controle de território. Não é só mais o tráfico de entorpecentes ou de armas. Não são só os ilegalismos, há também o fornecimento de serviços como água, TV a cabo, o transporte complementar. O domínio desse território".

A consequência desse surgimento da atuação do crime no domínio territorial é o controle político, que se manifesta de diversas formas, como na proibição de fazer campanha em certos locais, na necessidade de pagamento de pedágios para que se tenha acesso, por exemplo. 

Caucaia

O repórter do O POVO Lucas Barbosa explica que as facções entenderam que o domínio territorial permite muito mais do que a venda de drogas, "permite também explorar uma série de outros serviços". Ele explica que esse não é um fator propriamente novo, mas que isso parece mais grave e maior do que em outros momentos.

O documentário mostra que, no segundo maior município do Ceará em população, a atuação mais visível durante a eleição foi na realização de atentados e disparos durante a campanha. Foram alvos atividades de campanha de pelo menos três candidatos a prefeito, Naumi Amorim (PSD), Waldemir Catanho (PT) e Emília Pessoa (PSDB).

Houve ainda, por parte das facções que atuam na região — Comando Vermelho e Massa — extorsão contra as candidaturas, que precisavam pagar para serem autorizadas a fazer campanha nos territórios dominados.

Sobral

A presença das organizações em Sobral também é retratada, no sentido de tentar atrapalhar eventos políticos. Algumas caminhadas e carreatas foram encerradas por fogos de artifício soltos por membros de facções.

Uma operação cumpriu mais de 20 mandados pela Polícia Civil em Sobral. Houve a prisão em flagrante de integrante do Comando Vermelho que publicou nas redes sociais uma ameaça à ex-governador Izolda Cela (PSB), que concorria pela Prefeitura de Sobral.

"Foi uma campanha bastante marcada por essas ameaças por parte de facções. A Polícia Federal entrou no caso, pegou o depoimento de alguns candidatos a vereadores de lá — a gente teve acesso a alguns desses depoimentos — e os vereadores diziam que teve a cobrança de R$ 60 mil por parte de faccionados para que eles pudessem fazer campanha em bairros dominados", explica Lucas Barbosa.

Fortaleza

O cenário da Capital é outro que recebe abordagem. Ainda em agosto de 2024, Márcio Cruz (PCdoB), candidato a vereador no ano passado, relatou que fazia campanha no bairro Jardim Iracema quando dois homens aproximaram-se e afirmaram que ele não poderia pedir votos ali. Só quem poderia era um outro candidato.

Cruz fez boletim de ocorrência e relatou que também recebeu ordem para mudar o endereço do comitê, localizado no bairro. As ameaças, ele disse, estendiam-se ainda para os bairros Padre Andrade e Quintino Cunha.

Outro candidato a vereador também denunciou ameaças parecidas nos mesmos bairros, mas depois voltou atrás após o depoimento.

Governos

O atual governador Elmano de Freitas (PT), assim como o ex-governador Camilo Santana (PT), destacam o alto investimento que tem sido feito no fortalecimento das forças de Segurança Pública.

Para Elmano, o Estado faz a parte dele, ao investigar, coibir e prender, mas precisa que o Poder Judiciário garanta que criminosos que representam grande ameaça sejam mantidos fora de circulação.

"Nós precisamos construir um consenso entre os poderes em que há pessoas que são efetivamente perigosas. Efetivamente, não há um território do Estado do Ceará em que a Polícia não entre. Agora, nós precisamos é ter mais Polícia nesse território, de maneira permanente, para que o cidadão saiba que no território dele a Polícia está lá para o defender", afirma o governador.

Relembre as temporadas de Guerra Sem Fim

A série Guerra Sem Fim estreou em 2020 na plataforma O POVO+. Foi a primeira produção audiovisual de fôlego a retratar os impactos das organizações criminosas sobre a população cearense.

A 1ª temporada, lançada em 2020, teve três episódios:

Episódio 1: A onda de violência

Com fortes imagens das ações do terror criminoso de janeiro de 2019, o episódio detalha os bastidores que levaram à eclosão criminosa, as estratégias das facções (PCC, CV e GDE) e a reação do Estado para conter a onda de violência. O objetivo dos criminosos era declarado: colocar o Estado do Ceará em calamidade pública.

Episódio 2: Tribunais do Crime

O funcionamento interno das facções criminosas no Ceará: como punem seus próprios integrantes?

Episódio 3: Caminhos do Crime

A entrada em organizações como as facções é um dos caminhos trilhados pelo crime. O que influencia esse cenário? Como é possível fugir do crime?

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A 2ª temporada foi lançada em 2021 e se voltou para os impactos das facções sobre a vida das pessoas, principalmente os moradores da periferia:

Episódio 1: Refugiados urbanos

As famílias expulsas de suas casas por facções criminosas

Episódio 2: GDE: como nasce uma facção

A origem de um grupo armado nascido na periferia de Fortaleza

Episódio 3: Juventude sobrevivente

Jovens que conseguem sobreviver nesses territórios dominados pelo terror por meio da arte.

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