Ciro no PSDB: essa equação fecha?
Possível ida de Ciro Gomes ao PSDB levanta dúvidas sobre compatibilidade entre visões econômicas e estratégias políticas
As movimentações políticas recentes envolvendo Ciro Gomes e o PSDB, reacenderam o debate sobre possíveis alianças partidárias para as eleições de 2026. Após trajetória marcada por rompimentos e reaproximações, a possibilidade de filiação de Ciro aos tucanos surpreendeu parte do meio político, sobretudo pelas divergências históricas de visão econômica entre ambos.
Ciro, ex-governador do Ceará e ex-ministro nos governos Itamar Franco e Lula, notabilizou-se com um discurso desenvolvimentista, crítico ao neoliberalismo e favorável à intervenção do Estado em setores estratégicos. Ao longo dos anos, essa abordagem o colocou em rota de colisão com partidos de orientação mais liberal, como o próprio PSDB, ao qual Ciro foi filiado até 1997.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
Desde os anos 1990, os tucanos consolidaram-se como defensores da estabilidade macroeconômica, privatizações e reformas estruturais voltadas à redução do papel do Estado na economia. O governo de Fernando Henrique Cardoso simboliza esse projeto, com forte adesão à lógica de mercado e ao controle da inflação por meio da política monetária.
Já Ciro construiu sua plataforma política em sentido oposto. Em discursos e obras como Projeto Nacional: O Dever da Esperança, ele propõe um modelo centrado na reindustrialização, no fortalecimento dos bancos públicos e na quebra da hegemonia do sistema financeiro. O pedetista costuma denunciar o que chama de “modelo rentista” brasileiro.
Leia também | Saída de Ciro Gomes do PDT é uma questão de dias ou meses, diz Adail Jr
Essa diferença é um dos principais desafios para uma eventual aproximação com o PSDB. Por mais que existam alas mais desenvolvimentistas dentro do partido — como a representada por Tasso Jereissati, que mantém boa relação com Ciro — o núcleo programático tucano tradicionalmente se distancia da retórica de enfrentamento ao mercado e à ortodoxia fiscal.
O presidente estadual do PSDB no Ceará, Ozires Pontes, afirmou recentemente que o partido está de “portas abertas” para Ciro, inclusive admitindo ceder a presidência estadual a ele. A sinalização representa um gesto político relevante, mas não resolve as tensões programáticas que uma aliança dessa natureza pode carregar.
Para aliados de Ciro, o foco está na construção de uma alternativa política competitiva ao atual grupo governista no Ceará, hoje liderado por Elmano de Freitas (PT). Após rompimentos internos na base de apoio de Camilo Santana e do próprio Elmano, o espaço de oposição tornou-se fragmentado e carente de lideranças de projeção nacional.
A eventual filiação ao PSDB também pode ter como pano de fundo o desejo de Ciro em reconstruir pontes com setores do centro político, buscando uma legenda com mais estrutura e tradição institucional. O PDT, partido ao qual ele é filiado desde 2015, vive um momento de indefinição e perda de capilaridade.
Apesar disso, setores mais liberais do PSDB veem com reservas a entrada de Ciro. Internamente, há temores de que o ex-ministro traga um discurso pouco afinado com o legado tucano. Em especial, a postura combativa contra reformas como a da Previdência e sua crítica aberta ao sistema bancário geram desconforto.
Outro ponto de tensão é o estilo político de Ciro, conhecido por declarações contundentes e por uma atuação personalista. A presença poderia reconfigurar a dinâmica interna do PSDB cearense, levando ao afastamento de líderes tradicionais ou à reorganização de forças já estabelecidas.
Por outro lado, a aliança pode representar uma chance de renovação para os tucanos no Estado, onde o partido tem perdido protagonismo nas últimas eleições. Com Ciro, o PSDB ganharia visibilidade nacional e um candidato viável ao Governo do Ceará, o que pode atrair quadros e alianças regionais.
Em termos eleitorais, a equação ainda é incerta. Ciro aparece com capital político relevante no Estado, mas vem acumulando derrotas em disputas presidenciais. A força local depende da capacidade de articulação com prefeitos, deputados e lideranças comunitárias — algo que o PSDB, em parte, ainda preserva.
Uma eventual união exigiria concessões de ambos os lados. Para Ciro, pode significar moderação no discurso econômico. Para o PSDB, a aceitação de um projeto mais estatista e crítico ao modelo vigente. Não será uma equação fácil, mas tampouco impossível, dadas as circunstâncias políticas.
Com o calendário eleitoral se aproximando e os movimentos de bastidores se intensificando, a definição sobre a entrada ou não de Ciro no PSDB deverá ocorrer nos próximos meses. Até lá, o cenário segue em aberto, marcado por expectativas, negociações e incertezas.
Enquanto isso, a pergunta segue no ar: Ciro e PSDB — essa equação fecha? O tempo e os arranjos políticos dirão se as diferenças serão obstáculos ou apenas parte do jogo da realpolitik que molda às disputas no Brasil.