Omissão de mortes e "kit Covid": Entenda as acusações contra a Prevent Senior

Operadora de saúde virou alvo da CPI da Covid após dossiê de ex-médicos apresentar suspeitas de irregularidades em estudo sobre a cloroquina. Empresa alega "armação"

A CPI da Covid no Senado ouviu na quarta-feira, 22, o diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior. A empresa é acusada de omitir mortes em estudo sobre a cloroquina, visando demonstrar eficácia, além de administrar medicamentos ineficazes contra a Covid-19 sem o consentimento dos pacientes e sem os devidos protocolos.

As denúncias aparecem em um dossiê, produzido por 15 ex-médicos do plano, que foi encaminhado ao colegiado. A CPI levantou as suspeitas após os resultados dos estudos da cloroquina pela empresa serem divulgadas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos em suas redes sociais, em abril de 2020.

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Publicação do deputado Flávio Bolsonaro sobre estudo sobre cloroquina
Publicação do deputado Flávio Bolsonaro sobre estudo sobre cloroquina (Foto: Reprodução/Twitter)

Segundo a família Bolsonaro, durante os testes com os medicamentos, nenhum paciente havia morrido entre os que fizeram seu uso. Porém, em contradição, o dossiê entregue à CPI considera nove mortes, seis delas de pessoas que receberam o coquetel que o presidente publicizou ao longo da pandemia com o nome de “tratamento precoce” ou “kit covid”.

Segundo o diretor da Prevent Senior, defensor do estudo, os ex-funcionários acessaram ilegalmente dados de pacientes e adulteraram informações para atacar a empresa. Acusando "denunciação caluniosa", a empresa recorreu à Procuradoria-Geral da República para investigar os autores do dossiê. 

Nesta terça-feira, 23, um dos médicos que denunciou a Prevent Senior por prescrever a pacientes medicamentos do chamado “kit Covid” disse ter sido ameaçado e coagido pelo diretor. O médico gravou a conversa telefônica com Batista Júnior, após ter relatado à imprensa irregularidades da empresa, sob condição de anonimato.

A reportagem classificou alguns pontos importantes para ampliar o conhecimento sobre o caso:

Sobre a Prevent Senior

A empresa foi criada nos anos 1990 pelos irmãos Eduardo, médico geriatra, e Fernando Parrillo, com o objetivo de oferecer planos individuais para pessoas mais velhas. Em 1997, foi inaugurado o hospital Sancta Maggiore, que deu origem a uma rede com oito hospitais e quatro unidades de pronto-atendimento na capital paulista e na Grande São Paulo.

Em 2020, a empresa, que emprega mais de 3 mil médicos e 12 mil funcionários, teve um faturamento líquido de R$ 4,3 bilhões, 19% a mais do que em 2019. Também ampliou em 9% o número de clientes, quando alcançou 505 mil beneficiários. Em junho de 2021, já eram 540 mil. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) , a Prevent é o nono maior plano de saúde do país. As mensalidades para idosos podem variar de R$ 1.000 a R$ 2.000.

Em março do ano passado, início da pandemia no Brasil, a operadora foi alvo de investigações do Ministério Público pelo alto número de óbitos por Covid-19. A primeira morte pela doença noticiada no país, em 16 de março, foi de um porteiro de 62 anos atendido. No começo de abril de 2020, os óbitos pela doença ocorridos nos estabelecimentos da rede representavam 58% de todos os registros no estado de São Paulo.

Devido aos casos elevados,  o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, chegou a sugerir uma intervenção da unidade hospitalar. No final de março de 2020, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo também chegou a pedir intervenção de três hospitais da rede, mas elas nunca aconteceram.

Na época, o plano de saúde afirmou que a prefeitura tentava “faturar com a desgraça” e usava expedientes “desonestos, abusivos e inverídicos” para “causar pânico”.

Polêmica em estudos

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid recebeu um dossiê com as denúncias de irregularidades, que teria sido elaborado por médicos e ex-médicos do plano de saúde. De acordo com o documento, teria existido um acordo entre a Prevent Senior e o governo Bolsonaro.

A pesquisa teve início em 25 de março de 2020 e teve os resultados preliminares divulgados em 15 de abril do mesmo ano. Por mensagem em aplicativos, o diretor da operadora, Fernando Oikawa, passa informações sobre o estudo e afirma aos subordinados que os pacientes e os familiares não devem saber que a medicação foi utilizada. “Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação nem sobre o programa.”

No total, foram nove mortes, sendo seis no grupo que tomou a cloroquina e dois no grupo que não recebeu esse tratamento. Um dos pacientes não teve informações sobre protocolo divulgadas.

Os pacientes que tomaram a cloroquina e morreram são duas mulheres de 79 e 70 anos e quatro homens de 85, 62, 83 e 82 anos. Já os que não receberam o tratamento e morreram foram uma mulher de 82 anos e um homem de 68 anos. A nona morte, paciente que não sabe-se o tratamento utilizado, foi de um homem de 66 anos

O coordenador do estudo, o cardiologista Rodrigo Esper, diretor da Prevent Senior, disse que só ocorreram duas mortes. Segundo ele, esses óbitos foram em decorrências de outras doenças, sem relação com a Covid ou com o tratamento. Porém, nenhum dos participantes tinham as doenças consideradas.

Dias depois, Bolsonaro publicou em suas redes sociais que houve cinco mortes entre aqueles que não tomaram a medicação e nenhuma entre quem tratou a doença com a cloroquina.

Logo após a publicação, Esper gravou um áudio no grupo de pesquisadores do estudo com orientações sobre a revisão dos dados. A medida levanta a suspeita de que os números ainda não haviam sido confirmados, mesmo três dias após a divulgação dos resultados. Na mensagem, o médico menciona a postagem de Bolsonaro e defende que os dados precisam ser “assertivos”, “perfeitos”, para que não haja contestação.

“A gente tá revisando todos os 636 pacientes do estudo. Já tem mais ou menos uns 140 revisados, mas a gente precisa fazer a força-tarefa pra acabar isso amanhã. Só que a gente precisa olhar tudo. Se teve eletro (eletrocardiograma) ou não, se teve alteração no intervalo QT ou não, se fez swab pra Covid sim ou não", diz. Ele completa: “Esse áudio tem que ficar aqui, não pode sair.”

Das 636 pessoas que participaram da pesquisa, apenas 266 fizeram eletrocardiograma. Devido os riscos de problemas cardíacos, a medida consta no protocolo recomendado para pacientes que usam a cloroquina. Um dos óbitos, um homem de 83 anos, foi uma das pessoas tratadas com a medicação e apresentou arritmia cardíaca, um dos efeitos colaterais possíveis do medicamento.

Também foi revelado que apenas 93 pacientes (14,7%) estavam testados para a Covid. Desses, 62 foram positivos, o equivalente a menos de 10% dos participantes. Ao receber os dados, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) suspendeu o estudo após constatar que o envio ocorreu antes da aprovação legal.

Ameaças do diretor

Um áudio de uma conversa entre o diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, e o ex-funcionário da empresa, o médico Walter Correa de Souza Melo, que denunciou a instituição de testar medicamentos do chamado "kit Covid" em pacientes. Na gravação, o gestor pede que o profissional da saúde "volte atrás" e não entregue dados do estudo da Prevent com jornalistas.

O caso foi divulgado pela GloboNews. Na ligação, o diretor da empresa diz que o médico está expondo sua família e "colocando sua vida" e "tudo que construiu" em xeque. Procurado, Batista Júnior, nega ter feito ameaças e acusa Walter de ter cometido infrações à ética médica.

Omissão em mortes - Regina Hang e Anthony Wong

A Prevent Senior também é acusada de omitir a Covid-19 como causa de mortes de seus pacientes. Uma delas seria a do médico Anthony Wong, de 73 anos, que morreu no dia 15 de janeiro deste ano, em São Paulo. Conhecido nas redes sociais por suas posições negacionistas, na época, uma nota divulgada pela família informava que ele foi hospitalizado com queda de pressão e mal-estar, e teve diagnóstico de úlcera gástrica e hemorragia digestiva, vindo a falecer após sofrer uma parada cardiorrespiratória.

No entanto, segundo material divulgado nesta quarta-feira, 22, pela revista Piauí, a morte do médico em decorrência do vírus foi ocultada por 123 profissionais da Prevent Senior. A revista revela ainda que antes da internação Wong teria contado que estava com sintomas de Covid-19 e que utilizou hidroxicloroquina.

Durante a internação, Wong, conhecido por defender o chamado "tratamento precoce", teria autorizado ser medicado com o “kit Covid” da Prevent Senior, composto por drogas como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina; além de outros tratamentos ineficazes ou sem comprovação de eficácia contra a Covid-19. A causa da morte teria sido ocultada para evitar que a eficácia dos testes dos medicamentos fossem colocados em cheque. 

A outra vítima seria a mãe do empresário Luciano Hang, Regina Hang. O dossiê elaborado por 15 médicos, que afirmam ter trabalhado para a operadora de saúde Prevent Senior, aponta que a declaração de óbito da parente do empresário “foi fraudada”. Hang é apoiador do presidente Jair Bolsonaro e incentivador do chamado “tratamento precoce”, composto por medicamentos sem eficácia comprovada ou contra-indicados para tratar a doença.

O empresário perdeu a própria mãe, Regina Hang, para a Covid-19, a mesma que teria feito uso do Kit Covid. A suspeita é de que, para não descredibilizar a "eficácia" do tratamento precoce, o filho procurou negar que sua parente falecida tivesse feito uso dos medicamentos. Logo, ele pediu para a informação não fosse registrada no laudo médico da Prevent Senior.

Nas redes sociais, Hang nega que a mãe tivesse feito uso dos medicamentos. Porém, um documento apresentado na CPI a Covid mostra o contrário. 

Em nota, Hang afirmou ter total confiança nos procedimentos adotados pela Prevent Senior no tratamento à sua mãe. Ele disse lamentar que “um assunto tão delicado seja usado como artifício político” para atingi-lo, pelo fato de “não concordar com as ideias de alguns membros que fazem parte dessa CPI”.


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