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Torturado e exilado durante a Ditadura Militar, Frei Tito morreu há 45 anos

Amigos, parentes e pessoas que sequer o conheceram enaltecem a nobreza que ele tinha para ajudar quem necessitava
23:23 | Ago. 09, 2019
Autor Lucas Braga
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Lucas Braga Repórter do O POVO Online
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Tipo Notícia

“Preciso dizer que o que ocorreu comigo não é exceção, é regra. Raros os presos políticos brasileiros que não sofreram tortura” ~ Frei Tito, em fevereiro de 1970

"Estamos vivendo momentos difíceis, duvidosos, angustiantes, precipitados. É preciso abrir a boca, somos testemunhas vivas do que aconteceu e do que não pode se repetir no Brasil" ~ Nildes Alencar, irmã de frei Tito, em entrevista ao O POVO

A história de Tito de Alencar Lima (1945-1974) é uma dentre as milhares que documentam as atrocidades do período de repressão e exceção da Ditadura Militar. O cearense foi o primeiro a denunciar, em documento, as torturas praticadas nos porões, quando ainda estava encarcerado, em São Paulo. A luta e as agonias o assombraram até o fim da vida, enquanto exilado na França. Ele morreu no dia 10 de agosto de 1974, há 45 anos.

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Vida e martírio

A infância de Tito começou na rua Rodrigues Júnior, número 364, onde viviam Laura e Ildefonso de Alencar Lima com seus 11 filhos. Ela, católica fervorosa, era encarregada de passar a todos uma educação religiosa dentro dos moldes do cristianismo. Ele, gerente de uma empresa de ônibus, tinha leituras e ideais socialistas.

Lápide de Frei Tito, no cemitério São João Batista, em Fortaleza
Lápide de Frei Tito, no cemitério São João Batista, em Fortaleza (Foto: ADITAL/REPRODUÇÃO)

A visão do jovem Tito era um retrato das vivências dentro de casa, ao lado ainda do irmão mais velho, membro do então clandestino Partido Comunista. O socialismo era bem-vindo na casa dos Alencar Lima.

“Nós, filhos, tínhamos uma visão socialista sem saber e uma visão democrática sem usar a palavra democracia”, recordou a professora Nildes Alencar Lima, então aos 80 anos, ao O POVO, cinco anos atrás. Ela nasceu doze anos antes que Tito e ajudou a criá-lo.

Quando foi estudar no Liceu do Ceará, Tito engajou-se na Juventude Estudantil Católica (JEC). Foi lá onde descobriu a proximidade entre socialismo e cristianismo. Nascia, ali, a inquietação de atrelar suas crenças religiosas aos anseios políticos e sociais.

Em 1966, Tito tornou-se noviço do Convento da Ordem dos Dominicanos. "Era um compromisso, um engajamento com o meio social que ele sentia. Nós tínhamos muitas conversas de vida, de espiritualidade. Ele era lindo, o Tito”, recordou a irmã.

Os frades dominicanos foram importantes na resistência à repressão. Eles ajudavam guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ANL). Foram presos, torturados e exilados por isso.

Ao lado de outros companheiros, Frei Tito foi arrancado de dentro do convento, em 17 de fevereiro de 1970. “Algemaram minhas mãos, jogaram-me no porta-malas da perua. No caminho, as torturas tiveram início: cutiladas na cabeça e, no pescoço, apontavam-me seus revólveres”, relata o frei na denúncia escrita na cadeia.

Frei Tito de Alencar
Frei Tito de Alencar (Foto: O POVO.DOC)

As lembranças viajaram com Tito para um convento dominicano em Lyon, na França, onde permaneceria exilado. “Não tenho grandes coisas para dizer-te. Aqui está minha presença: pequena e nebulosa.” Essas palavras foram redigidas por frei Tito na última carta enviada à irmã, cinco meses antes de morrer.

Ele teve muitas alucinações sobre as torturas que sofreu. Mesmo longe, Tito sofreu perseguição. “Começamos a luta pela Anistia. Foi quando eu recebi da Igreja o acalento de saber que dentro de mim, dentro da nossa formação religiosa, eu não tinha um irmão suicida. Foi a marca maior que a ditadura deixou. Meu irmão não era um suicida”.

História com o biografado

Texto de Ricardo Guilherme, no O POVO, em 1999
Texto de Ricardo Guilherme, no O POVO, em 1999 (Foto: O POVO.DOC)

Tito foi uma figura presente na vida de Ricardo Guilherme, teatrólogo cearense. A casa de Nailde, uma das irmãs mais velhas do frade, era vizinha da casa de Guilherme. Em 1974, logo após a morte de Tito, ele contou que foi chamado às pressas para "traduzir algumas cartas e reportagens escritas em francês que se referiam ao suicídio de um padre”, recordou em artigo publicado no O POVO, em 1999, quando dos 25 anos de morte do frade. Ele, em 1987, escreveu uma peça sobre a vida de Tito e a atuação da esquerda nos obscuros anos da Ditadura.

Uma vida de legado para lutas e direitos humanos no Brasil

Frei Tito de Alencar Lima morreu, mas deixou cravadas no Brasil a história e as cicatrizes da luta pelos direitos humanos. Amigos, parentes e pessoas que sequer o conheceram enaltecem a nobreza que ele tinha para ajudar a quem necessitava.

Capa do O POVO com chamada sobre o especial de 40 anos sem Frei Tito
Capa do O POVO com chamada sobre o especial de 40 anos sem Frei Tito (Foto: O POVO.DOC)

Entre os amigos que fez em sua trajetória, está o empresário Amarílio Macêdo, que conheceu o frade quando ambos eram integrantes da Juventude Estudantil Católica (JEC). “O Tito foi exemplo do idealismo vivido pela juventude daquela época, tendo abraçado a luta pelo fim das desigualdades. Para ele, o único significado que importava era canalizar toda a energia para alcançar a transformação idealizada que se queria para o Brasil”, ressalta.

Especial do O POVO sobre os 40 anos sem Frei Tito
Especial do O POVO sobre os 40 anos sem Frei Tito (Foto: O POVO.DOC)

A energia do frade permanece efervescendo, mas Amarílio acredita que a juventude contemporânea não se permite mudanças por estar acomodada no descompasso da sociedade de consumo e das facilidades oferecidas por ela.

“O mundo do consumismo, do individualismo e da encenação dos valores é novo na nossa sociedade e forte o suficiente para abafar e ocultar valores como o legado deixado pelo Frei Tito, mas, como disse, acredito que ele não está perdido e que a onda consumista tende a se dissipar”, aposta.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 06-09-2018: Fachada da casa de Frei Tito de Alencar. Movimentos sociais ocupam a Casa Frei Tito de Alencar. (Foto: Evilázio Bezerra/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 06-09-2018: Fachada da casa de Frei Tito de Alencar. Movimentos sociais ocupam a Casa Frei Tito de Alencar. (Foto: Evilázio Bezerra/O POVO) (Foto: O POVO)

Irmã de Tito, a educadora Nildes de Alencar Lima lembra que, dentro da visão do caçula, enquanto cada pessoa não tentar mudar a situação de diferença e a opressão imposta pelo capitalismo, o trabalho não estará terminado. “Tem que haver uma luta mais forte em relação à questão da educação, e era onde ele mais tinha uma preocupação imensa”, acredita.

“A questão dos direitos humanos está inserida em tudo. E o Tito tinha esse compromisso com relação a nivelar e dar igualdade às pessoas, do ponto de vista econômico.” (Texto de Camila Holanda, publicado no O POVO em 10.08.2014)

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