Mães viajam o Nordeste de carro com dois filhos: "Dos perrengues a gente faz outras coisas legais"

O casal e os filhos saíram de Botucatu, no interior de São Paulo, com intuito de viajar pelo Nordeste. Em um ano já visitaram dez estados e mais de 70 cidades

Benê tem uma grande missão. Ela é a responsável por levar a Mariana, 42, a Lizandra, 43, o Maitri, 7, e a Moana, 2, Brasil afora. Também serve como morada. Tem cama, geladeira, chuveiro, fogão, mesa. Benê tem mais de 230 mil quilômetros rodados, 15 mil só no último ano, já passou por 70 cidades e dez estados brasileiros. Há um ano, Benê é carro, casa e ninho de uma família nômade. Eles fazem parada em Fortaleza há quase um mês.

A relação entre Benê e a família nasceu antes dos quatro colocarem o pé na estrada. Os planos começaram a ser esboçados ainda na pandemia da Covid. “Nossa filha mais velha (Manu) se mudou para Santos, tem uma parte da família que mora lá. Depois de um ano e meio, nosso outro filho Miguel também resolveu sair de casa. Aí a Mari pediu demissão do trabalho. Essa ideia surgiu porque a gente sempre se deu muito bem viajando”, explica a psicóloga e psicanalista Lizandra Hachuy.

Seja assinante O POVO+

Tenha acesso a todos os conteúdos exclusivos, colunistas, acessos ilimitados e descontos em lojas, farmácias e muito mais.

Assine

O hábito de viajar é adotado pela família paulista desde o início do relacionamento das duas mães, há dez anos, e é considerado um respiro. Os filhos mais velhos, Manuela, hoje com 17 anos, e Miguel, 16, sempre as acompanharam, ainda pequenos, nas aventuras.

“A gente conversava na escola e dizia: vamos ficar um mês fora, o que elas estudam nessa época? O que a gente apresenta para ele nesse momento? O que elas te dão de devolutiva daqui a um mês? E aí o povo ficava meio louco com a gente”, conta a enfermeira e produtora de conteúdo Mariana Castelo Branco.

E então veio a pandemia. “Cheguei no fundo do poço. Com a pandemia, com as crianças indo embora. A Momô (Moana) nasceu, entrei na Justiça para pedir a licença maternidade dela e não consegui, então foram muitas coisas ao mesmo tempo. Eu fiquei bem deprimida mesmo. Pedi primeiro aquele afastamento não remunerado. Não me deram. E como estava muito mal, pedi demissão”, relata Mari.

A solução veio no que era comum à família: viajar. A ideia era passar um ano fora, sem muito planejamento. A preparação principal foi com Benê, que ganhou estruturas e equipamentos, como barraca na parte superior e uma cozinha e chuveiro no porta-malas para proporcionar autonomia aos viajantes.

O começo da aventura

Para bancar parte do sonho, o casal alugou a casa em Botucatu, no interior de São Paulo. A preparação começou antes mesmo de colocar o pé na estrada, quando elas passaram três meses entre viagens curtas e a casa emprestada do pai de uma amiga. Nesse período, o carro, a Benê, já passava por testes.

“E aí foi ‘quebração’ também. Na primeira estrada de terra que a gente pegou, voou parafuso. A gente dizia: ‘De onde está sobrando isso?!’. E foi quando a gente percebeu que precisava de coisas mais fortes”, conta Lizandra, rindo.

A saída oficial foi no dia 10 de maio de 2023. O roteiro da família começava no Sudeste, passando por Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais e, então, o tão sonhado Nordeste.

O destino foi escolhido pela riqueza da região, diz Mariana. “Todo mundo fala ‘ir ao Nordeste’, parece que é um lugar só. As pessoas não entendem que são nove estados, muito sotaque, muita cultura. E esse foi o grande presente pra gente.”

Porém, os planos precisaram mudar ainda no início, quando a enfermeira quis visitar a mãe e a avó. De lá, foram a Campo Grande (Mato Grosso do Sul), para fazer uma revisão no carro antes de pegar a estrada oficialmente.

O casal conta que, com 15 dias, o motor do veículo quebrou e precisou ser refeito, ocasionando uma despesa financeira não planejada. O roteiro da viagem também mudou e obrigou a família a passar 45 dias na capital sul mato-grossense.

Pé na estrada, de novo

Carro consertado, mais estrada e campings e, em agosto, um novo perrengue, como conta Mariana. “A gente estava no Mato Grosso, voltando da aldeia indígena. Paramos em Cuiabá porque a Liz ia renovar a carteira de habilitação. No dia em que chegamos, escorreguei em um degrau, torci os dois pés e caí. Fiquei de muletas por dois meses.”

Para Lizandra, esse foi o maior problema até hoje, implicando na mudança de rota, que a princípio era “subir” em direção ao Nordeste pelo Centro do Brasil, e de hábitos, pois por mais de três meses o casal ficava exclusivamente em campings, dormindo na barraca instalada no teto do carro.

Mas o imprevisto resultou em uma outra experiência, viver em uma ecovila em Piracanga, na Bahia. “A gente não tinha dinheiro pra ficar em hotel, Airbnb, nada. Por isso a comunidade. Dos perrengues a gente faz outras coisas legais. A gente decidiu ficar nessa ecovila, que foi muito maravilhoso”, relata Liz.

Mari explica que a comunidade virou uma rede de apoio para o casal, com escola e outras crianças para os filhos brincarem. A hospedagem na ecovila era paga com trabalho, cuidando das casas de aluguel do local.

Enquanto isso, Mari aproveitava para fazer cursos voltados à produção de conteúdo em redes sociais. O Instagram do casal, que então contava com 12 mil seguidores, passou a ganhar ainda mais relevância e a viagem chamou atenção de outras pessoas interessadas na experiência, principalmente na relação estrada e crianças.

Segundo Liz, essa é uma das principais perguntas que elas recebem na rede social. Porém, ela afirma que viajar com crianças é muito mais fácil do que com adultos.

“Tudo para elas é legal, a gente transforma isso numa magia. Tem um filme chamado ‘A Vida É Bela’. Esse filme para mim é um exemplo de como é estar na estrada com criança. Os adultos sabem que é uma guerra, as crianças acham que é um paraíso. Qualquer coisa para eles é bom”, explica.

Viajando com o Instagram

O perfil existe há sete anos e foi criado quando o Maitri nasceu. A intenção, conforme explica Liz, era mostrar a dupla maternidade. Hoje é uma ferramenta que viabiliza a viagem. Liz faz os contatos com os hotéis solicitando permuta e Mari fica com a parte de conteúdo.

Mari conta que as parcerias na rede social permitiram que a viagem prosseguisse, contribuindo para o sonho da família. Mais que uma relação comercial, o Instagram também virou ferramenta de relação pessoal, que fez com que a família se aproximasse de outras pessoas.

“A gente foi criando afetos nesse caminho, em todos os lugares onde a gente passou, a gente considera essas pessoas nossas amigas. Fomos muito bem acolhidas, sempre tinha alguém que abria uma porta e que estava disponível pra gente”, conta Mari. Atualmente, o perfil tem 89 mil seguidores.

O caminho de volta

O assunto “voltar para casa” é volátil na vida do casal, que a princípio planejava passar um ano fora. “Não tem nada certo, a vida segue fazendo movimento, então a gente está pronto tanto para voltar, caso precise, quanto para ficar mais. Hoje eu me sinto muito pronta para ficar mais”, relata Mari.

Ao olhar para trás, ela lembra o começo mais difícil e quando achava até que não aguentaria o desconforto. “Eu amo praia, mas chegou uma hora que eu queria um lugar sem areia, um banho no chuveiro, um banheiro pra mim!”, brinca.

Na maioria das cidades, o tempo máximo de permanência da família é de cerca de cinco dias. Porém, de tempos em tempos eles ficam por mais tempo em uma cidade maior para fazer um respiro e resolver pendências. É o caso da passagem por Fortaleza, elas chegara no último dia 25 de abril.

Futuramente, a família quer retornar e fazer um outro carro, com o intuito de rodar pela América Latina. “A gente queria do zero um busão, um motorhome. Fazer uma outra parte do Brasil e sair. Se a gente voltar, vai ser para investir nisso”, sonha Mariana.

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar