Seas não assina TAC após denúncia de maus-tratos de adolescentes; Defensoria diz que diálogo continua

Superintendência diz que não há necessidade de assinatura do termo por não haver direitos violados. Inspeção colheu relatos de que adolescentes chegam a ficar 12 horas algemadas de cócoras

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento (Seas) não assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto, em reunião na última sexta-feira, 10, após inspeção no Centro Socioeducativo Feminino Aldaci Barbosa Mota (CSABM) apontar uso ilegal de algemas contra as adolescentes internas. A Seas afirma que o termo não foi assinado por não haver registros de violações de direitos na unidade. A Defensoria Pública do Estado, que propôs o TAC, afirma que o diálogo prossegue para que seja firmado acordo.

A visita que resultou na proposta do TAC foi realizada em 5 de agosto último. Integravam a comissão membros do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). Das 42 adolescentes então internas na unidade, 35 foram ouvidas, assim como os profissionais do centro. A inspeção ouviu relatos de que as adolescentes chegam a ficar, em média, mais de seis horas algemadas, período que pode ser de até a 12 horas ou uma noite inteira.

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“Além disso, as socioeducandas denunciaram que são algemadas na posição ‘de cócoras’, com um braço para cima e outro para baixo, ambos passados pela grade”, diz trecho do relatório da inspeção. “Relataram ainda que as posições que são colocadas são desconfortáveis e humilhantes, e que além das marcas nos pulsos, ficam com dores em várias partes do corpo”. Algumas jovens disseram que qualquer “batida na grade, vai para algema”. “Até me assusto quando penso nisto (algemas)”, disse uma adolescente.

O relatório prossegue afirmando que a situação já havia sido verificada em 2019 e em 2020. No TAC proposto havia a previsão da criação de um “Protocolo oficial de uso de algemas e medidas de contenção”, que previa, entre outros, comunicação imediata do uso de algemas à Justiça e ao Ministério Público, assim como o encaminhamento da adolescente para exame de corpo de delito. É citada no TAC ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o uso de algemas deve ser limitado a “casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia”.

Marina Araújo, da coordenação colegiada do Cedeca, ressalta que os relatos de uso de algemas se repetem mesmo com a rotatividade das socioeducandas do centro. Ela ressalta que a prática se configura como tortura. ”A medida socioeducativa tem que ter como objetivo a ressocialização”, diz Marina, para quem essa diretriz não vem sendo seguido. “As adolescentes, por exemplo, não conhecem, nem todas elas estão cientes da implementação do Plano Individual de Atendimento”.

Em nota, a Seas afirmou que a visita das entidades ao CSABM ocorreu dias após “uma situação de crise” e que “todas as providências relacionadas aos apontamentos feitos na ocasião foram tomadas”. A Seas ainda disse ter proposto a realização de um monitoramento permanente nos próximos 90 dias, o que tornaria desnecessária a assinatura do TAC. Além disso, processo de apuração foi registrado junto à Corregedoria.

A Seas ainda destacou que, em setembro, foi realizada nova formação em algemação e condução de adolescentes para os socioeducadores do CSABM. “Também foi implantado no CSABM o Sistema de Fases de atendimento socioeducativo (Recepção, Acolhimento, Integração e Progressão), que está organizado de forma a permitir a identificação dos momentos de desenvolvimento da adolescente no cumprimento da medida socioeducativa, possibilitando uma melhor organização e o monitoramento quanto ao desenvolvimento e o alcance dos objetivos e metas pactuados no PIA”, informou a Seas.

Marina diz, porém, que a única devolutiva dada pela Seas foi a menção à formação para os socioeducadores, o que, para ela, é “insuficiente” para mudar práticas que são “institucionais e culturais”. Para ela, é preciso implementar protocolos e fluxos que previnam a tortura.

Outras irregularidades apontadas na inspeção de agosto

— A maioria (23 de um total de 42 profissionais) dos socioeducadores são homens, fato que gera "desconforto e constrangimento", de acordo com as adolescentes.

— "Os banheiros localizados nos dormitórios não possuem portas e, portanto, não garantem a privacidade devida e não estão adequados do ponto de vista sanitário".

— Tratamento diferenciado entre socioeducandas que estão em medida de internação provisória e aquelas que estão em medida de internação. "As meninas em internação provisória relataram que receberam somente três calcinhas e três tops ao chegarem na unidade, e destacaram que a quantidade de peças intimas são insuficientes, sobretudo quando estão no ciclo menstrual. Esse tratamento também foi mencionado em relação à frequência ao acesso a sala de aula e nos atendimentos realizados pela equipe técnica".

— Quinze das internas fazem tratamento com psicotrópicos. "A partir dos relatos das adolescentes e da equipe técnica da Unidade, observou-se que há uma demanda reprimida de atendimentos psiquiátricos, na medida em que existem adolescentes que não conseguem realizar nem o seu primeiro atendimento com a profissional. Além disso, até mesmo as adolescentes que já estão sendo atendidas e tomando medicamentos não conseguem atendimento periódico".

Leia o relatório de inspeção na íntegra aqui.

O que dizem as instituições:

Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas)

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) informa que o trabalho do Centro Socioeducativo Aldaci Barbosa Mota (CSABM), que atende a jovens do sexo feminino, é referência no atendimento socioeducativo, conforme relatórios de vistoria continuadas realizados pelo Ministério Público, em parceria com a Universidade Estadual do Ceará (Uece), com metodologia consolidada de monitoramento, o qual não registra casos de violações de direitos.

O último relatório de inspeção produzido pelo Cedeca, após visita realizada em 05/08/2021, foi realizado dias após uma situação de crise ocorrida no dia 02/08/2021 no CSABM e todas as providências relacionadas aos apontamentos feitos na ocasião foram tomadas até o presente momento.

A própria Seas propôs ao Cedeca, em reunião no último dia 10 de dezembro, a realização de um monitoramento permanente nos próximos 90 dias, considerando que não há registros de violações de direito, não havendo, assim, necessidade de assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta. A Seas respondeu a todos os itens propostos na reunião, detalhando as ações realizadas desde a última vistoria, com processo de apuração registrado junto à Corregedoria, além da necessidade de monitoramento frequente nos próximos 90 dias para constatação dos avanços institucionais dessa unidade.

Foi realizada, em setembro, nova formação em algemação e condução de adolescentes, para os socioeducadores do CSABM, frisando que este expediente de segurança é utilizado apenas em caráter excepcional e mediante estabelecido em portaria. Também foi implantado no CSABM o Sistema de Fases de atendimento socioeducativo (Recepção, Acolhimento, Integração e Progressão), que está organizado de forma a permitir a identificação dos momentos de desenvolvimento da adolescente no cumprimento da medida socioeducativa, possibilitando uma melhor organização e o monitoramento quanto ao desenvolvimento e o alcance dos objetivos e metas pactuados no Plano Individual de Atendimento (PIA). A definição clara das fases do atendimento socioeducativo, proporciona, para além de uma organização interna, a compreensão de que a adolescente é a protagonista de todo o processo socioeducativo. Destacamos que desde a implantação do sistema de fases, as situações de conflitos internos neste Centro diminuíram consideravelmente, não havendo registros de violações de Direitos.

Saúde Mental

Com relação à demanda de Saúde Mental, há atendimento das jovens por médicos psiquiatras e médicos clínicos gerais. Não há, em hipótese alguma, acesso a remédios que não estejam devidamente prescritos por esses profissionais, sendo avaliados caso a caso. Também, por meio de parceria com o município de Fortaleza, 23 profissionais vão atuar em todos os centros socioeducativos da capital, voltados para atendimento de saúde mental, irão acionar a rede de atendimento (CAPS) para tratamento de problemas de saúde mental que necessitar de atendimento médico especializado.

Defensoria Pública

A Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) informa que o documento em questão ainda está em construção e que deverá ser acordado com a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas). O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é uma construção conjunta entre as partes e este, especificamente, trata sobre a situação de adolescentes que cumprem medidas nos centros socioeducativos, estando na pauta de reuniões e diálogos que pretendem conferir a garantia de direitos fundamentais aos socioeducandos.

A Defensoria Pública do Estado do Ceará, por meio do Núcleo de Atendimento de Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja), mantém atuação sistêmica dentro do centros socioeducativos e integra a rede de garantia de direitos, promovendo assistência jurídica e todas as demandas relacionadas ao direito à vida, à saúde e à dignidade desses jovens e seus familiares.

Cedeca

O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará) vem por meio desta nota detalhar aspectos da divulgação feita à imprensa nesta segunda (13/12) sobre a não assinatura por parte do Governo do Estado de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela Defensoria Pública do Estado. Em primeiro lugar, o CEDECA destaca que se trata de fatos que aconteceram em mesa de negociação em que tomaram parte o próprio CEDECA, o CEDCA, o CEDDH, a Defensoria Pública e a SEAS. Por se tratar de uma reunião com representantes públicos e de tema de grande relevância pública, o CEDECA informa que decidiu realizar de maneira o mais urgente possível e unilateral a divulgação dos fatos. Em nenhum momento o CEDECA Ceará, ciente de seu papel institucional, buscou falar em nome da Defensoria Pública do Estado do Ceará, a quem cabe a proposição desse tipo de instrumento jurídico e os próprios entendimentos institucionais sobre o documento, seus termos e formas de negociação. Se o CEDECA deixou transparecer na divulgação realizada à imprensa falar em nome de outra Instituição, pedimos nossas mais sinceras desculpas.

O CEDECA segue acreditando no avanço das negociações do TAC. Ressalte-se ainda que o CEDECA tem como missão institucional "Defender os Direitos de direitos de crianças e adolescentes, especialmente quando violados pela ação ou omissão do Poder Público, visando o exercício integral e universal dos direitos humanos". Por essa razão, realiza desde 2006 inspeções no sistema socioeducativo cearense, verificando retiradas práticas de violações de direitos. No caso específico da unidade Aldaci Barbosa, o Centro de Defesa comunica oficialmente à SEAS desde 2018 a reiterada prática de uso ilegal de algemas, tema da reunião que originou a proposição do TAC.

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