Petição tenta realocar e melhorar ambulatório destinado a pessoas trans

Ativistas relatam o processo histórico e as questões socioculturais envoltas no SerTrans. A petição tenta não somente encontrar um novo lar para o ambulatório, mas também melhorar as condições de acolhimento

Uma petição tenta retirar um ambulatório destinado ao atendimento de pessoas transsexuais do Hospital Mental Professor Frota Pinto, em Messejana, e realocá-lo. Melhorias no funcionamento e no atendimento do ambulatório também são almejadas. Além do governador do Ceará, Camilo Santana (PT), o documento é direcionado também ao secretário estadual de Saúde, Dr. Cabeto, e ao secretário executivo de Políticas em Saúde, Marcos Antônio Gadelha Maia. Até a publicação desta reportagem, a petição somava 6.111 assinaturas.

O abaixo-assinado, disponível aqui, é uma parceria com a plataforma Change.org e foi criado por Dan Kaio Lemos, de 41 anos, e Enzo Gomes, de 25, dois ativistas integrantes da Associação Transmasculina do Ceará (Atransce) e do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat). De acordo com Dan, o formato de petição foi escolhido em vez de pedidos de reuniões com o Poder Público porque “tem uma facilidade maior de chegar nessas instâncias”. Até o momento, nenhum retorno ou tentativa de contato foi recebida pelos criadores.

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A não-inserção do SerTrans, como a unidade é nomeada, no hospital em questão foi reivindicada ainda em 2017 durante uma série de reuniões e audiências. À época, ficou acordado que os serviços do ambulatório eventualmente migrariam a outra unidade hospitalar, o que não ocorreu até o momento. O planejamento do SerTrans teve início por meio de uma proposta confeccionada pela Defensoria Pública da União (DPU) em janeiro daquele ano. A unidade foi fundada oficialmente em 2018.

Integrantes da Associação Transmasculina do Ceará (Atransce) durante encontro
Integrantes da Associação Transmasculina do Ceará (Atransce) durante encontro (Foto: Arquivo pessoal)

Déficit

Enzo Gomes, graduando em Psicologia e coordenador de comunicação da Atransce, pontua que a petição tenta direcionar atenção, ainda, em relação ao acesso do SerTrans. Poucas pessoas conseguem ser atendidas, e ainda lidam com o quadro de funcionários reduzido e com o não fornecimento dos tratamentos hormonais necessários, conta ele.

Enzo, inclusive, está na fila de espera há quase dois anos. “Esse cenário já diz muito sobre o ambulatório e sobre o atendimento, né?” Já Rian Santos, que é atendido desde dezembro de 2019, destaca que o ambulatório não realiza procedimentos cirúrgicos e tem “instalações precárias” e “poucas salas de atendimento”.

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De acordo com Maria Delfino, assistente social do ambulatório, as pessoas atendidas pelo SerTrans são encaminhadas por postos de saúde, enquanto a lista de espera é gerenciada pela Central de Regulação de Vagas da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa). Ela confirma que a unidade não tem modalidade hospitalar voltada para cirurgias, “mas já existem diálogos nesse sentido”.

A equipe do SerTrans conta com profissionais de psiquiatria, psicologia, serviço social, enfermagem e endocrinologia. Além das pessoas trans, são acolhidos familiares e toda a “rede ampliada de suporte afetivo e social, de acordo com a necessidade”, explica Maria. Antes da pandemia, ocorriam eventos anuais de capacitação com profissionais e familiares. O acolhimento de novos pacientes ocorre durante as manhãs de quintas-feiras, com duas vagas por semana, totalizando oito novos atendimentos por mês.

Violências

Para Dan Kaio, que é antropólogo e diretor da Atransce, a fundação do SerTrans “demorou demais”. Ele conta que, até então, atendimentos de pessoas trans já aconteciam no Hospital de Messejana, através do Ambulatório de Transtornos de Sexualidade Humana (ATASH), que funciona até hoje e recebe indivíduos com perturbações parafílicas, como pedofilia e necrofilia. Foi nesta unidade que Dan começou seu processo transsexualizador, ainda em 2014.

“Passei dois anos muito pesados e não tenho nenhuma vontade de voltar. Eu presenciei muitas violências. Várias vezes fomos assediados por pedófilos, principalmente as mulheres trans e travestis. Nós tínhamos medo de entrar numa sala e nós, homens trans, tínhamos feito até um código entre nós. Quando um ia para sala, a gente ficava cronometrando o tempo, porque tínhamos medo de alguém entrar com uma camisa de força e colocar na gente”, relata o especialista.

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Nesse sentido, o ativista relembra a resolução n.º 845, de 26 de fevereiro de 2018, do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), que desclassificou a identidade trans como uma patologia. “O que nos move é saber que no Estado do Ceará nós ainda vivemos situações críticas, nós ainda vivenciamos situações que nos conecta a uma questão de patologia. Nós ainda vivemos uma situação em que é distante do que a própria resolução preza”, diz.

A estigmatização da identidade trans e, ainda, dos transtornos psicológicos é palpável para quem precisa de atendimento no Hospital da Messejana. Dan descreve que os “olhares” começam já no Terminal de Messejana, pois a linha Guajiru 2 tem como “parada oficial” o Hospital, fato conhecido por quem passa por ali. “As pessoas ficavam olhando para gente de forma diferente. O que nos faz sentir violentados é o fato de que a sociedade ainda está impregnada com a ideia do ‘louco’, do ‘doido’, e nós lutamos para desconstruir isso”.

Documentário

Documentário confeccionado pela Atransce em abril de 2017 mostra o sistema de atendimento do SerTrans e exibe relatos de pessoas trans quanto às suas relações com o ambulatório. Confira abaixo:

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