Com parecer contrário da Anatel, projeto de dessalinização na Praia do Futuro fica travado

Parecer da reguladora sustenta que a construção da usina interferiria na operação dos cabos submarinos. Cagece, por outro lado, fala em "boicote pelas operadoras" e atraso para entrega da obra

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) emitiu nesta semana recomendação contrária à instalação do projeto da usina de dessalinização na Praia do Futuro, em Fortaleza, em razão do impacto que a operação pode causar aos cabos submarinos de fibra óptica. Na prática, a medida trava o andamento do projeto e deve atrasar em pelo menos seis meses a entrega da usina, que estava prevista para iniciar as operações em 2025. 

A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), que está à frente do empreendimento, vê a recomendação como um boicote da Agência e das operadoras, e alerta que isso pode aumentar os custos ao consumidor final.

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Fortaleza é a capital brasileira com a maior quantidade de cabos submarinos de fibra óptica instalados e a proteção dessas estruturas é o motivo de manifestação pela Anatel e as operadoras de telecomunicações. No entanto, o posicionamento contrário só ocorreu após quase dois anos da definição do local do projeto.

“Isso foi uma surpresa porque o nosso processo foi bem transparente. Fizemos duas consultas públicas, uma audiência pública e, em nenhum momento, (as operadoras e a Anatel) se manifestaram ou colocaram opinião sobre a utilização da Praia do Futuro. Agora, com contrato já assinado e com os estudos ambientais iniciados o fazem”, critica Neuri Freitas, presidente da Cagece.

A partir da próxima semana, segundo afirmou, ele deve acionar a Procuradoria Geral do Estado (PGE) para tomar novas medidas, “se necessário, até judiciais para que o projeto seja implementado na Praia do Futuro.”

A usina é projetada com capacidade de gerar 1000 litros de água por segundo, aumentando em 12% a oferta de água na Capital, e teve edital vencido pelo Consórcio Águas de Fortaleza. O desembolso para o projeto chega a R$ 3,2 bilhões e a previsão inicial de operação era meados de 2025.

Ele conta que foram seis meses de conversas com representantes da Agência em Fortaleza, que motivaram até uma mudança na distância entre as estruturas de captação de água e os cabos submarinos de 50 metros para 200 metros. No entanto, um parecer enviado de Brasília definiu o posicionamento da Agência sobre o projeto.

Processo travado

“Estão criando um medo abstrato. Só teria problema se elas não informassem a localização exata dos cabos. E isso até aconteceu. Mas nós estávamos atentos. De fato, estão boicotando o projeto da usina. Querem ser donos da praia do futuro e não aceitam nenhuma infraestrutura além do cabo de fibra óptica”, disparou Freitas em entrevista ao O POVO.

A conformidade com todas as regras exigidas pelos órgãos ambientais do Município e do Estado para a instalação da usina na Praia do Futuro é destacada por ele como chancelas mais qualificadas. No entanto, a recomendação emitida trava o processo.

O presidente da Cagece explica que um dos passos seguidos pelo Consórcio Águas de Fortaleza - ganhador do edital da usina - é a autorização da Superintendência de Patrimônio da União (SPU) para ter acesso à área de marinha, e a SPU já condicionou isso ao aceite da Anatel.

Em nota, a Companhia lista as empresas envolvidas no imbróglio: Claro S.A., Telxius LTDA., Angola Cables LTDA., EllaLink LTDA., China Unicom LTDA e Globenet (agora V.tal).

“O que as telefônicas e a Anatel estão fazendo nesse momento é inviabilizar o fornecimento de água potável para Fortaleza e Região Metropolitana”, afirma.

Prejuízos

Neuri Freitas ainda se diz surpreso pela forma como a Anatel recomendou a mudança de local para instalação da usina, uma vez que “não cabe a ela (Anatel) fazer isso” e pela falta de preocupação com os recursos públicos empregados para tal alteração no projeto.

Ele explica que, caso isso for feito, é necessário voltar o projeto ao início. Isso significa obter todas as licenças ambientais, mediante a realização de audiências e consultas públicas, além de realizar estudos de marés e correntes marítimas adequadas para o projeto.

Além disso, o reservatório da Cagece instalado no Morro Santa Teresinha viabiliza a distribuição da água gerada pela usina de dessalinização sem a necessidade de construir novas tubulações.

Procurado, o consórcio Águas de Fortaleza admitiu o risco iminente de atraso para a entrega do projeto e disse, por nota, que “houve tempo suficiente para qualquer tipo de questionamento e a Anatel escolheu omitir-se e em nenhum momento apresentou dúvidas ou qualquer tipo de objeção.”

“A posição apresentada somente agora pela agência reguladora não traz nenhum fato novo ou argumentos técnicos que fundamentem uma posição tão impactante para um projeto dessa envergadura”, acrescenta.

Tanto Cagece quanto o Consórcio ressaltam a preocupação com uma nova temporada de estiagem, na qual o projeto da usina se torna essencial - e foi incluído no Plano de Recursos Hídricos do Ceará e no plano Fortaleza 2040.

A Anatel foi procurada, mas não respondeu aos e-mails enviados pelo O POVO até o fechamento desta edição.

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